Edição 474 | 05 Outubro 2015

Teresa d’Ávila e a presença na ausência

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Patricia Fachin

Na obra de Teresa d’Ávila é possível compreender a fragilidade da condição humana como potência da alma, diz a psicóloga Luciana Barbosa

“Teresa reconheceu que o homem é um ser mais amplo e mais disperso do que a soma dos elementos que o compõem. E quando consegue fazer a viagem para o centro de si mesmo, o homem descobrirá o quanto está descentrado de si e centrado no outro que é Deus, este que ele reconhece em seu interior, na sala mais profunda do castelo, e que estava lá desde sempre”. A análise é de Luciana Barbosa, autora da dissertação De Amor e de Dor: A Experiência Mística de Santa Teresa D’Ávila (2006), para quem a obra de Teresa mantém a atualidade porque “trata do humano”, das dores, das angústias e das culpas que “são atemporais”, porque desperta no leitor o autoconhecimento, com a peculiaridade de acrescentar “a essa grande viagem ao centro do eu (...) a presença amorosa, dedicada e perseverante de Deus”. 

Psicóloga e mestre em Ciência da Religião, Luciana frisa que, há 500 anos, o que Teresa propõe “serve para o homem de hoje com total vitalidade: acessar dentro de si suas potências divinas, permitir que o remorso e a culpa sejam diluídos em uma atitude de crescimento, de ação”. 

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, ela enfatiza que esse desejo de “caminhada até o centro” da alma, “a disciplina para centrar-se” e o sofrimento são características humanas, e “quem sofre o processo sairá diferente ao final dele, como a metáfora de Teresa sobre o bicho da seda que passa pela metamorfose, mas doou nesse caminho o seu quantum de humanidade, que no final foi seu ponto de partida para a vida”. 

Luciana Ignachiti Barbosa possui graduação em Psicologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, com especialização e mestrado em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente é doutoranda em Ciência da Religião na mesma universidade, onde trabalha a poesia das palavras de Santa Teresa de Ávila sob a orientação de Faustino Teixeira.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Qual é a atualidade da obra de Teresa d’Ávila ? Qual a relevância de retomarmos a sua obra, 500 anos depois de seu nascimento?

Luciana Ignachiti Barbosa - A grande atualidade dos escritos de Teresa de Jesus é que ela trata do humano. Fala sobre as dores, as angústias, as culpas que são atemporais. O que Teresa traz em suas obras é um chamamento à autoanálise e à autorreflexão, temas tão em voga hoje em dia e que continuam despertando o interesse de tantos. Porém, o que ela acrescenta a essa grande viagem ao centro do eu é a presença amorosa, dedicada e perseverante de Deus. Deus está no centro de nós mesmos, no centro do Castelo, ela disse. Então mais do que uma autoanálise, ela convoca o leitor a se sentir amado, profundamente amado, assim num movimento de entrega, quanto mais nos conhecemos, mais nos aproximamos de Deus, mais absorvemos esse amor, e cada vez mais amamos. 

Quem mais recebo hoje em meu consultório são pessoas profundamente descrentes... descrentes de si mesmas, corroídas pela culpa, pelo remorso, pelas lembranças... sem conseguir acessar em si mesmas suas potencialidades de força e segurança. O que Teresa propôs então, há 500 anos, serve para o homem de hoje com total vitalidade: acessar dentro de si suas potências divinas, permitir que o remorso e a culpa sejam diluídos em uma atitude de crescimento, de ação. E que essa ação seja o de reconhecer-se, com limitações e dificuldades, sim, mas com perspectivas de crescimento e, principalmente, de amor. Amor para si e, então, consequente amor pelo outro.

 

IHU On-Line - A construção de uma vida interior é o mote das Moradas. O que Teresa d’Ávila queria dizer quando falava do “castelo interior”?

Luciana Ignachiti Barbosa - Castelo Interior ou Moradas  será o último livro escrito por Teresa. Ela o escreve doze anos após o Livro da Vida , que, nesse momento se encontra em poder da inquisição. É o ano de 1577, Teresa estava com 62 anos e escreve como obediência a Gracían, seu confessor, que diz a ela que as monjas dos mosteiros tinham necessidade de que lhe fossem esclarecidas algumas dúvidas em matéria de oração.

Teresa deixa claro, então, o seguinte: “Em tudo que escrever, irei como que conversando com minhas irmãs” (M, Prólogo). E o livro será realmente como uma conversa, os escritos são entregues tais como saem de suas mãos. Apenas em um ponto na sexta morada Teresa volta ao texto para adicionar uma explicação.

Teresa passará cinco meses escrevendo o livro, entre muitas tribulações e afazeres. Em novembro, quando encerra os escritos, está passando pelo pior momento: nessa semana João da Cruz  havia sido preso e encarcerado, carmelitas que haviam votado nela como priora são castigadas com a excomunhão, seu livro da Vida está na mira da inquisição... porém como nos diz Tomás Álvarez, “Mas nada disso se reflete no livro. Como se o ‘Castelo Interior’ fosse o reverso exato de todos os castelos guerreiros do mundo. Nem um só eco das turbulências exteriores chega a penetrar nas páginas da obra (...)”.

Assim, ler o livro é acompanhar com Teresa seu próprio castelo interior, ser levado por ela às salas que compõem esse castelo, e aos processos de passagem de um a outro nível de oração. Para Tomás Álvarez, Teresa: “convida (o leitor) a penetrar e percorrer sua alma. A seguir as jornadas de seu itinerário espiritual e as camadas de seu espírito, até as camadas mais secretas de seu profundo interior”. 

Teresa assim define a alma: “Consideremos nossa alma como um castelo, feito de um só diamante ou de limpidíssimo cristal” (M1, 1:1). O que torna apaixonante a narrativa de Teresa será a sua percepção do quanto a alma é digna e bela, pois, criada à semelhança de Deus, ela só pode ter em si as potências desse criador. Para ela, não considerar a alma “agradável e maravilhosa” (M1, 1:5) seria desmerecer quem a criou e habita: “Mas as riquezas que há nesta alma, seu grande valor, quem nela habita — eis o que raras vezes consideramos” (M1, 1:2). 

Entrar no lugar em que já estamos

Este castelo que é a alma será descrito assim: “Consideremos agora como este castelo tem muitos aposentos ou moradas: umas no alto, outras embaixo, outras dos lados. No centro, no meio de todas está a principal, onde se passam as coisas mais secretas entre Deus e a alma” (M1, 1:3). Justamente por compreender a alma criada em molde tão perfeito Teresa diz das maravilhas que se encontram no castelo e que, sim, é possível ter acesso a todas elas. Inclusive é enfática quanto a isso.

Então a autora nos faz o convite a entrar no castelo, mesmo parecendo um contrassenso, entrarmos em um lugar em que já estamos, ela afirma que muitos não têm o interesse de entrar ali, apenas andam ao redor, e, de tanto apenas rodearem o castelo, acabam por acreditar que este se confunde com as bestas e sentinelas (orgulho, vaidade, culpa), que lhe fazem a ronda: “É tal a força do costume de tratarem continuamente com os vermes e feras das cercanias do castelo, que já se tornaram, por assim dizer, semelhantes a elas. Embora tão ricas de natureza, capazes de conversar com o próprio Deus, não há remédio que lhes valha” (M1, 1:6).

Oração: a porta de entrada 

A porta de entrada para esse castelo será a oração. Não a oração apenas vocal, mas a que vai tratar com Deus de coisas interiores. Nesse momento Teresa se dirige às almas que querem entrar no castelo, aquelas que se aproximam da divindade ainda bem timidamente, e, muitas vezes, fazendo apenas o que lhes manda a obrigação. 

 

IHU On-Line - A poesia de Teresa d’Ávila pode ser uma inspiração para a construção e solidificação de uma vida interior? 

Luciana Ignachiti Barbosa - Eu não diria que a poesia mística teria essa finalidade. Acredito que a prosa de Teresa, sim, tem como função e direção a inspiração a uma busca interior. Porém o poema místico é escrito por um místico. Pode parecer uma afirmação redundante, mas o fato é que o místico se torna poeta por sua experiência mística, e não o contrário, para Custodio Vega , quanto mais “(...) santidade e sentimento místico, mais vitalidade e transcendência poética”. Daí ser interessante notar que tanto para os poetas enamorados, quanto para os místicos, se trata de uma (...) emoção forte e sincera, que toda paixão — pois ao fim, todo amor real e verdadeiro é paixão, e paixão das mais fortes — vai direto ao seu objeto, e reúne toda trajetória complicada e tortuosa.”

Assim a poesia se torna um instrumento possível de se dizer do impossível. Onde o místico expressa em palavras uma vivência intensa e transcendente de encontro, de amor, de arrebatamento. O que a poesia nos traz então é a excelsitude desse momento, o inefável, toca nossas fibras mais íntimas e nos faz antever a face do encontro. Nesse sentido a poesia realmente nos inspira, mas o que constrói e solidifica uma busca interior é a profunda e real aceitação do que se lê na prosa, como diria Maximiliano Herráiz , é: "Debruçar sobre o texto, ler e mastigar e digerir até que ele faça parte de você".

 

IHU On-Line - Como a vida interior é alcançada a partir das sete moradas?  

Luciana Ignachiti Barbosa - Teresa sempre se preocupou com a condição humana, pois exortava sempre o bom senso; dizia que não éramos anjos e, por isso, deveríamos combater os caprichos do corpo, mas não aniquilá-lo; é preciso ter momentos de prazer para alegrar-se. Era conhecedora tanto das fragilidades como das potências da alma, esclarecendo muito disso no seu livro Moradas. 

Assim, Teresa reconheceu que o homem é um ser mais amplo e mais disperso do que a soma dos elementos que o compõem. E quando consegue fazer a viagem para o centro de si mesmo, o homem descobrirá o quanto está descentrado de si e centrado no outro que é Deus, este que ele reconhece em seu interior, na sala mais profunda do castelo, e que estava lá desde sempre.

O desejo da caminhada até esse centro, o labor, a disciplina para centrar-se e, principalmente, o sofrimento que essas descobertas causam, são características humanas. A alma humana, quem sofre o processo, sairá diferente ao final dele, como a metáfora de Teresa sobre o bicho-da-seda que passa pela metamorfose, mas doou nesse caminho o seu quantum de humanidade, que no final foi seu ponto de partida para a vida.

Teresa usará uma palavra dura para aqueles que desprezam o interior de si mesmos, para ela isso seria “grande bestialidade” (M1-1,2). Seu confessor Gracían, ao ler essa palavra sugeriu substituí-la por abominação. Mas Teresa fez questão de manter bestialidade, porque, segundo ela, a falta de conhecimento próprio é uma das maiores aberrações do homem, segundo Álvarez: “(...) para ela a interioridade do homem tem algo de sagrado. O castelo está habitado por Deus. Entrar nele é relacionar-se com Deus na morada interior, ali onde a pessoa é pessoa e se acha convocada por Outra pessoa”. 

 

IHU On-Line - Como o sofrimento aparece na obra de Teresa d’Ávila e de que modo ele se transforma em amor? 

Luciana Ignachiti Barbosa - Essa pergunta é muito interessante. Quando defendi o mestrado, me provocava esse tema: quanto sofrimento em uma obra, como sofreu essa mulher! E me propus estudar esse sofrimento: uma doença severa aos 24 anos, que a deixou com sequelas para o resto da vida; a dúvida constante de não compreender seus estados e arroubos místicos, ter seu Livro da Vida na mira da inquisição, ser perseguida pelos próprios carmelitas da regra mitigada, ter seus amigos presos e torturados quando começa suas fundações de mosteiros descalços, quebrar o braço e conviver com essa dor, sem poder se vestir ou escrever sozinha... enfim... parecia um somatório de dores e desgaste.

Porém o que se desenrolou ao longo da dissertação foi entender que, para ela, nada disso era sofrimento. Ela não se queixava ou sucumbia a nenhuma dessas situações. Inclusive o motivo de sua morte, hoje estudada pela ciência, ter sido provavelmente por um câncer de útero, que a fez ter hemorragias severas por anos, mas que em nenhum momento de sua obra é sequer mencionado, tendo-se notícia desse fato somente por um escrito de Ana de São Bartolomeu, que foi sua amiga e a acompanhou até o momento da morte. Então não é esse o sofrimento tratado.

Para Miguel de Unamuno , o ato de amor é um ato principalmente de dor, pois o amor tenta personificar aquilo que ama e, dessa forma, tornar os amantes seres imortais. Como todo sentimento é um sentimento de desejo de imortalidade, o amor só pode existir como sofrimento, já que coloca os seres frente às suas limitações e, principalmente, à limitação do outro, o que caracteriza as relações de amor humanas. 

Não obstante, a relação de amor vivenciada pelos místicos tem sua particularidade no fato de que será estabelecida não com um outro humano limitado, mas com um Infinito, com um Outro sem limitações que tudo pode doar a quem, ao contrário, nem tudo suporta receber por sua limitada condição humana. Desse modo, o místico sofre por seu amor, não por não poder recebê-lo em totalidade, mas, ao contrário, por tanto receber e pouco poder compensar. 

A presença na ausência

Teresa sofre então de amor, mais precisamente, de saudade. Teresa amou tanto que dizia que morria porque não morria; em Denis Vasse: “Morrer, para Teresa, não é querer a morte — seria suicida —, mas, ao contrário, entrar na realização do desejo. Para ela, sofrer não é querer o sofrimento — seria masoquismo; é antes, o ato de espera viva da presença. Sofrer manifesta a presença na ausência e faz da separação uma ferida de amor.”

É então que o amor se apresenta dolorosamente, na intensidade do contato que desnorteia as sensações do corpo, na impossibilidade da total presença, que abre a chaga da saudade que volta a sangrar toda vez que Teresa tem sua experiência mística e volta do encontro com seu Amado. Assim, o sofrimento em Teresa se manifesta como resposta a seu Senhor e sumo bem, e o que o caracteriza é sofrer por desejar tão grande amor; é o próprio amor: “O amor consiste em morrer de desejo até o êxtase. Até a saída de si, no seu próprio coração: onde isso fala, no arrebatamento silencioso da alma. Morrer de amor revela que a morte não é nada.” (Denis Vasse).

 

IHU On-Line - De que forma religião, mística e poesia se conectam na obra de Teresa d’Ávila?

Luciana Ignachiti Barbosa - Acredito que não se conectam somente na obra, mas sim em toda a vida de Teresa. O livro da Vida, por exemplo, é um itinerário pessoal e íntimo de sua experiência mística, de seu encontro com Deus... e isso dito de forma poética e espiritual.  Ler a obra de Teresa é estar percorrendo com ela os caminhos, desde os mais íntimos de sua experiência mística até os mais cotidianos de um dia a dia no convento. Seu epistolário, por exemplo, é uma obra ampla e robusta, que mostra a cada página o interesse dessa santa pelas pessoas, por suas situações e necessidades. Ela quer dialogar, dar notícias a um, confortar a outro, resolver compras do mercado com outra... enfim. Seu desejo de partilha está impresso nas palavras, tanto de seus livros, poesias, quanto nos testemunhos de convivência em epístolas.

Assim nenhuma das facetas dessa mulher está separada em planos distintos... o momento do espiritual, da poesia e da mística... todos estão interligados em sua vida e em suas relações, para ela o mais importante de seus escritos não é mostrar o que Deus pode fazer à sua alma, mas ser um espelho onde cada um que a ler possa reconhecer e permitir a presença desse Deus em sua própria vida. 

IHU On-Line - Qual foi o papel de Teresa d’Ávila enquanto reformadora das Carmelitas? 

Luciana Ignachiti Barbosa - O mosteiro da Encarnação, ao qual Teresa fazia parte, observava uma regra mitigada, ou seja, as irmãs podiam receber visitas, presentes, eram convidadas à corte pelos nobres para darem conselhos, ou para serem acompanhantes, não tinham uma vida de clausura. É importante lembrar que, no século XVI muitas famílias colocavam suas filhas nos mosteiros por não terem condições financeiras para criá-las, ou, algumas vezes, como castigo de um pai severo a uma filha que estivesse enamorada de alguém que o pai não aceitava. Dessa forma, muitas daquelas mulheres não estavam ali por vontade, nem buscavam a oração e o recolhimento. Essas visitas, essas saídas, acabavam sendo bem-vindas, na verdade um consolo para muitas delas.

Com Teresa, porém, era diferente, obrigada a comparecer à Corte sempre que solicitada para estar com os nobres, não suportava mais estar em lugar tão confortável; ansiava pela solidão, pelo recolhimento e pela vida simples com sacrifícios, para que melhor estivesse com Deus. Foi então que a ideia de fundar mosteiros em que a regra primitiva fosse observada calou mais fundo em seu coração. Cansada da superlotação do seu mosteiro da Encarnação e da falta de reclusão que havia ali, Teresa ansiava por poder realmente servir à regra de Santo Adalberto: amor, silêncio e pobreza. No entanto, não tinha nenhum recurso, nem propriedade que pudesse utilizar para tal fim, mesmo porque se pudesse realizá-lo, gostaria que o mosteiro vivesse de doações, que não tivesse um sustento fixo, e que acolhesse até mesmo aquelas que não pudessem pagar os dotes, ou seja, uma revolução nos costumes da época.

Teresa tinha uma dedicada amiga viúva, que herdara uma boa quantia de seu marido, Dona Guiomar de Ulloa. Com seus recursos, Dona Guiomar comprou uma pequena casa em Ávila para fundar o novo mosteiro. Era preciso todo um percurso de autoridades para que se conseguisse a aprovação para a fundação de um mosteiro, ainda mais em uma Espanha já tão abarrotada deles. Era preciso a autorização do bispo da Província, do Prior e do provincial, além da autorização de seu superior carmelita imediato no momento. Nem sempre eles convergiram em suas ideias, o que foi uma constante nas fundações de Teresa, os obstáculos criados pelos seus.

Com relação a Ávila, o provincial não autorizou a fundação, Teresa recorreu, então, a quem pôde acudi-la, o padre Pedro Ibañez, um teólogo muito respeitado em Ávila, que concordou em estar ao seu lado e fazer o pedido a Roma, no tocante à reforma. Essa primeira fundação necessitava da autorização do Papa. Enquanto aguardava a autorização de Roma, Teresa esperava; como já comprara a casa, para não levantar suspeitas, trouxe sua irmã para vir morar nela por uns tempos. Após seis meses, a autorização veio e Teresa começou a laborar. Com parcos recursos, levantou as paredes, montou as celas da clausura, as grades externas e internas, bem como a capelinha com um altar e uma imagem de São José no Centro, que seria seu guia para toda a vida e a quem dedicou esse primeiro mosteiro. Tudo era muito simples, mas exatamente como Teresa imaginava que deveria ser. Hábitos feitos de cânhamo e sandálias no lugar das botas de couro; surgiam as Carmelitas Descalças, seguidoras da regra primitiva e participantes da reforma do carmelo. 

O Mosteiro de São José começa com quatro noviças: Antonieta de Henao, Úrsula de Revilla, Maria de la Paz e Maria d’Ávila. Tal mosteiro era composto de aposentos simples — até mesmo desconfortáveis —, a alimentação era pouca, pois a própria população de Ávila não concordava com o surgimento de mais um convento, principalmente porque dependia de caridade; as regras seguidas eram rígidas, vinte regras ao todo, escritas por Teresa, dentre elas as horas do sono, alimentação e oração, bem como o comportamento das irmãs e, principalmente, o da superiora, que tinha regras mais severas ainda para não se encantar com o devaneio do poder.

Aos poucos, a população se afeiçoou àquele mosteiro tão simples, onde se seguia a ordem e o respeito à oração. Os donativos começaram a chegar e as irmãs puderam ter um pouco de alívio em suas dificuldades. Uma vez que havia desrespeitado a ordem do provincial, Teresa foi chamada de volta ao mosteiro da Encarnação para se retratar. Aspirava ao silêncio e à retidão da clausura, mas isso ainda não era possível. 

Teresa foi recebida como traidora na casa em que viveu por 27 anos, visto que as irmãs não aceitaram a ideia de uma reforma mais austera em uma vida já tão precária; sua estada naquela casa não era bem-vinda. Passou, novamente, por uma série de acusações e arguições, às quais respondeu humildemente, tentando levar seus acusadores a entenderem os seus reais motivos para provocar uma mudança, que nada mais era do que seu amor por Cristo.

Durante o período em que foi obrigada a ficar na Encarnação, as autoridades municipais, bem como os religiosos da regra mitigada, fizeram de tudo para acabar com o mosteiro de São José. Mas as irmãs, embora sem sua fundadora, se mantiveram firmes e não obedeceram a nenhuma ordem de saída. 

Quando a tempestade finalmente cessou e Teresa obteve o consentimento de manter o mosteiro, voltou àquela casa construída com tanto esforço; e, após esse, fundaria mais 17 mosteiros em toda a Espanha. ■

 

Leia Mais...

- A mística nupcial. Teresa de Ávila e Thomas Merton, dois centenários. Revista IHU On-Line, nº 460, de 16-12-2014;

- Mística, estranha e essencial. Secularização e emancipação.  Revista IHU On-Line, nº 435, de 16-12-2013;

- O feminino e o Mistério. A contribuição das mulheres para a Mística. Revista IHU On-Line, nº 385, de 19-12-2011.

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