Edição 474 | 05 Outubro 2015

Descobertas e incertezas sobre o “suor dos átomos”

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Ricardo Machado

Marcelo Gleiser analisa as descobertas e os infinitos mistérios acerca da Luz

“Gosto de dizer que a luz é o ‘suor dos átomos’, dado que é emitida quando elétrons pulam de um nível atômico mais elevado para outro mais baixo, como quando descemos escadas” — assim o professor e pesquisador Marcelo Gleiser define, de forma sintética, o que é a luz. “Somos criaturas da luz, evoluímos num planeta banhado por ela (especialmente a parte do ‘espectro luminoso’ que chamamos de luz visível, as formas de radiação eletromagnética que nossos olhos podem detectar). Nossas tecnologias dependem em grande parte das propriedades da luz, desde lâmpadas simples a LEDs e lasers”, complementa.

Os avanços científicos permitiram que compreendêssemos muitas coisas a respeito da Luz, mas estamos longe de poder dissecá-la totalmente. “Não sabemos por que sua velocidade é de 300.000 km/segundo, ou porque é a coisa mais rápida que existe na Natureza. Descrever a luz cientificamente não é o mesmo que entendê-la por completo”, aponta Marcelo. Tão misteriosa quanto a Luz são as relações humanas. Estes dois fenômenos estão tão próximos quanto distantes, no paradoxo de suas particularidades que parecem ocorrer em paralelo uma à outra. “Acho que vemos o outro com maior ou menor nitidez mais devido à nossa psicologia do que devido à nossa interação com a luz. Existe a intenção (ou não) de uma conexão com o outro. Quando muito forte, usamos a luz metaforicamente para explicar uma atração maior”, pondera o professor, em entrevista por e-mail à IHU On-Line

Marcelo Gleiser é graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, mestre em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Física Teórica pelo King’s College, em Londres. É pós-doutor pelo Fermilab e pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, nos Estados Unidos. Leciona no Dartmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos. Tem uma vasta produção acadêmica, além de inúmeros artigos e livros publicados, dentre os quais citamos A ilha do conhecimento: Os limites da ciência e a busca por sentido (Rio de Janeiro: Record, 2014);  Criação imperfeita (Rio de Janeiro: Record, 2010); Cartas a um jovem cientista (Rio de Janeiro: Campus, 2007); Conversa sobre fé e ciência (São Paulo: Agir, 2011), escrito com Frei Betto; e A dança do universo (Rio de Janeiro: Companhia de bolso, 2006).

Confira a entrevista. 

 

IHU On-Line – O que é, afinal de contas, a Luz?

Marcelo Gleiser - A luz é uma vibração do campo eletromagnético. Essencialmente, ela é a radiação emitida por cargas elétricas em movimento. Gosto de dizer que a luz é o “suor dos átomos”, dado que é emitida quando elétrons pulam de um nível atômico mais elevado para outro mais baixo, como quando descemos escadas. 

 

IHU On-Line – Qual a importância de se celebrar o Ano Internacional da Luz? Como os debates que emergem neste contexto nos ajudam a compreender os desafios do século XXI?

Marcelo Gleiser - O Ano Internacional da Luz usa as várias datas que coincidem com 2015 (100 anos de relatividade geral de Einstein, 110 de sua teoria da luz como sendo composta por partículas chamadas fótons) para dar atenção ao fenômeno natural que nos é mais próximo. Somos criaturas da luz, evoluímos num planeta banhado por ela (especialmente a parte do “espectro luminoso” que chamamos de luz visível, as formas de radiação eletromagnética que nossos olhos podem detectar). Nossas tecnologias dependem em grande parte das propriedades da luz, desde lâmpadas simples a LEDs e lasers. A visualização como diagnóstico médico depende da luz e suas propriedades. E, claro, sem a luz do Sol a vida não seria viável.

 

IHU On-Line – De que forma a Teoria da Relatividade de Einstein esclareceu o debate, que havia desde o século XVII, em torno das propriedades da luz (se era onda ou partícula)?

Marcelo Gleiser - A luz é tanto onda quanto partícula e, de certa forma, nenhuma das duas. Sua manifestação como onda ou partícula depende do contexto; por exemplo, se deixamos a luz passar por duas fendas, veremos efeitos de difração que são propriedades de onda; se a luz colide com prótons ou elétrons, veremos propriedades de partícula.

 

IHU On-Line – Como a Luz se forma?

Marcelo Gleiser - A luz é a radiação, a energia emitida quando elétrons vibram em átomos. Isso pode ocorrer de diversas formas, mas a luz vem essencialmente desses movimentos subatômicos com elétrons ou outras partículas que possuem carga elétrica.

 

IHU On-Line – Qual a questão de fundo no debate sobre a Luz? Como sabemos se algo existe?

Marcelo Gleiser - O que definimos como parte da realidade física, como explico em meu livro A Ilha do Conhecimento, depende do que podemos “ver”. A luz é parte fundamental de nossos instrumentos de detecção, como microscópios e telescópios, e não só no visível, mas no infravermelho, ultravioleta, etc. Portanto, a luz e suas propriedades, e como podemos usá-las, define, em grande parte, o que chamamos de realidade.

 

IHU On-Line – Em que medida debater sobre a natureza da Luz, em última instância, implica discutirmos a natureza da realidade?

Marcelo Gleiser - Pela resposta acima, vemos que a luz é um instrumento de prospecção do real, nossa ferramenta mestre em nossas interações com a Natureza. Certas propriedades da luz, ligadas a efeitos quânticos, puxam os limites do que hoje compreendemos, como a questão de efeitos entre fótons distantes que aparentam se relacionar instantaneamente. 

 

IHU On-Line – Do que se trata a física quântica e qual a importância do pensamento de Werner Heinsenberg  para compreendermos esta perspectiva teórica?

Marcelo Gleiser - A física quântica é a física dos objetos atômicos e subatômicos; ou, pelo menos, neles vemos seus efeitos de forma mais pronunciada. Ela descreve o mundo a partir de probabilidades, em particular devido ao princípio de incerteza de Heisenberg, que diz que não podemos determinar ao mesmo tempo a posição e velocidade de um objeto submicroscópico. 

 

IHU On-Line – Além de Heinsenberg, quem foram Max Planck,  Paul Dirac  e Erwin Schrödinger ? Qual a importância do pensamento deles para a teoria quântica?

Marcelo Gleiser - Todos contribuíram para a construção dessa nova visão de mundo, que vai contra o determinismo da física clássica. Aos leitores interessados, sugiro a leitura de meus livros A Dança do Universo e A Ilha do Conhecimento. Schrödinger, em particular, desenvolveu a equação que usamos para calcular as probabilidades de eventos subatômicos.

 

IHU On-Line – De que forma a física de Einstein demonstra que somos criaturas da Luz não somente no sentido figurado?

Marcelo Gleiser - A relação íntima entre matéria e energia, que aparece na fórmula E = mc2, vem da luz. O que a fórmula diz é que matéria pode se transformar em “luz”: não a luz visível, mas raios gama, que são a forma de radiação eletromagnética mais energética que existe. E vice-versa, raios gama podem se transformar em matéria. (Na verdade, matéria e antimatéria juntamente, mas isso é uma outra estória)

 

IHU On-Line – De que maneira a crença de civilizações multimilenares como os egípcios, os incas, os celtas, entre outros, em torno do Sol é atualizada pela ciência contemporânea no que diz respeito às interpretações científicas sobre a luz?

Marcelo Gleiser - Acho que são coisas muito diversas; os Antigos viam, com razão, a importância do sol em suas vidas e para a sua sobrevivência. O que sabemos hoje da luz é bem diverso, pois temos uma descrição quantitativa de suas propriedades. Não precisamos divinizar a luz. O que podemos dizer é que continuamos dependendo da luz para nossa sobrevivência.

 

IHU On-Line – Que mistérios ainda sobrevivem em torno da Luz?

Marcelo Gleiser - Muitos. Não sabemos porque sua velocidade é de 300.000 km/segundo, ou porque é a coisa mais rápida que existe na Natureza. Descrever a luz cientificamente não é o mesmo que entendê-la por completo.

 

IHU On-Line – De que maneira nossa capacidade corpórea humana de interagir com a Luz nos tornou capazes de perceber o Outro (enquanto outro)? 

Marcelo Gleiser - Acho que vemos o outro com maior ou menor nitidez mais devido à nossa psicologia do que devido à nossa interação com a luz. Existe a intenção (ou não) de uma conexão com o outro. Quando muito forte, usamos a luz metaforicamente para explicar uma atração maior. ■

 

Leia mais...

- Controlando a fragilidade quântica. Artigo de Marcelo Gleiser publicado nas Notícias do Dia, de 17-10-2012, no sítio do IHU;

- A crença na miraculosa capacidade humana da descoberta. Entrevista com Marcelo Gleiser publicada nas Notícias do Dia, de 10-10-2012, no sítio do IHU;

- Fé e ciência: um diálogo possível? Um debate entre Marcelo Gleiser e Michael Welker publicado nas Notícias do Dia, de 04-10-2012, no sítio do IHU;

- Além da fronteira do Cosmos. Artigo de Marcelo Gleiser publicado nas Notícias do Dia, de 25-09-2012, no sítio do IHU; 

- “Buscar Deus nas brechas da ciência é uma estratégia que leva ao fracasso”. Entrevista com Marcelo Gleiser publicada nas Notícias do Dia, de 22-09-2012, no sítio do IHU;

- As novas gramáticas tecnocientificas e a semântica do Místério em debate. Entrevista com Marcelo Gleiser publicada nas Notícias do Dia, de 16-05-2012, no sítio do IHU;

- Um caminho tortuoso. Artigo de Marcelo Gleiser publicado nas Notícias do Dia, de 30-04-2012, no sítio do IHU. 

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