Edição 474 | 05 Outubro 2015

A cortina de fumaça sobre a desigualdade no Brasil

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

João Vitor Santos

Alexandre de Freitas Barbosa aplica a metodologia de Thomas Piketty e constata que a redução da desigualdade no país se dá apenas entre trabalhadores assalariados
Foto: João Vitor Santos/IHU

É frequente vermos manchetes de que a desigualdade no Brasil caiu nos últimos anos. Mas de que desigualdade estamos falando? A questão permeou a conferência do professor de História Econômica e Economia Brasileira/Internacional do Instituto de Estudos Brasileiros – IEB da Universidade de São Paulo – USP, Alexandre de Freitas Barbosa. A palestra, ocorrida na noite de quarta-feira, 30-09, integrou a programação do Ciclo de Estudos O Capital no Século XXI – uma discussão sobre a desigualdade no Brasil, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Barbosa mergulha na obra de Piketty, O Capital no Século XXI (Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014) –, para entender sua metodologia e por que ela extrapola para a realidade brasileira. “Hoje, o que sabemos da desigualdade no país? Que houve queda na desigualdade da renda do trabalho. Papel fundamental do salário mínimo. Mas e a desigualdade sobre a renda?”, questiona.

Um amplo material sobre a obra de Piketty pode ser lida no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, bem como uma breve nota explicativa publicada nas Notícias do Dia, 05-10-2015. 

Ecos da obra

O professor olha para o trabalho de Piketty de forma crítica, inclusive pondo sua metodologia à prova por outras correntes de pensamento em Economia, e reconhece: “ele já fez uma revolução”. Isso porque lançou o olhar sobre a renda patrimonial. Revolução essa que ainda pode ser medida na postura da Receita Federal do Brasil que, depois do sucesso da obra, resolveu abrir os dados sobre o patrimônio. “Dizia-se que a desigualdade caiu. Mas os dados que se tinha acesso no Brasil eram apenas os dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar - Pnad. Ou seja, dados dos rendimentos pelo trabalho. É possível constatar que houve queda na desigualdade do trabalho. Isso é meritório, tem relação com toda uma rede de proteção. Entretanto, há a renda (patrimonial) que ainda causa desigualdade”, explica.

Barbosa destaca que essa metodologia põe em cheque a velha ideia de meritocracia. Nela, com “esforço, educação e dedicação” é possível alcançar o mesmo nível de quem já parte de um acúmulo de renda patrimonial. “E isso põe em cheque o mundo todo”, pontua o professor. “No Brasil, se formos contabilizar a renda dos mais ricos, veremos que eles recebem até 17 vezes mais do que os 50% mais pobres da população”, destaca, ao lembrar que essa fatia da população (com rendimentos superiores a 40 salários mínimos) não chega a 1% do total da população.

Pensando em alternativas

Se de fato ainda há uma gigante desigualdade no país, como reverter esse quadro? “No Brasil, existe a concentração de renda em algumas formas de capital. Se houver a taxação dessas formas, poderá forçar para que a concentração vá para outras formas de capital”, diz Barbosa. Por outra via, o que o professor fala é a taxação de renda patrimonial. Para ele, se for caro pagar por essa renda, os investidores serão forçados a canalizar seu dinheiro para outras formas de capital. “É direcionar o capital para a vida prática. Temos muitos setores, essencialmente de infraestrutura, que ainda não foram explorados no país. Assim, poderia se achar uma forma de manter o estoque de capital e ainda promover o desenvolvimento”.

O problema todo é que essa é uma questão não só econômica, mas também política, como toda a obra de Piketty sinaliza. E, diante da atual conjuntura nacional, não há perspectiva de que isso ocorra. “Eu não vejo uma sinalização nesse sentido no atual momento. Temos mudanças importantes em curso, mas que ainda funcionam com mecanismos asfixiadores. É o caso da taxa de câmbio”, analisa. Barbosa ainda recorda os argumentos do economista Bresser Pereira.  “Reconheço que o professor Bresser estava certo, apesar de achar que ele, às vezes, parecia economista de uma nota só ao estar sempre batendo na questão do câmbio”. Ou seja, o câmbio valorizado está ligado diretamente a uma questão de política econômica interna. “Que se mostrou esgotada”. 

Capital no Século XXI

O Ciclo de Estudos O Capital no Século XXI – uma discussão sobre a desigualdade no Brasil  tem ainda mais quatro encontros. O próximo é na segunda-feira, dia 05-10. O professor da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp Márcio Pochmann terá como tema de sua palestra “A desigualdade brasileira da renda do trabalho e da apropriação do capital”. A última conferência será no dia 11 de novembro, com o professor da Universidade de Brasília – UNB Marcelo Medeiros. Ele falará sobre “Os ricos e a desigualdade de renda no Brasil”. ■

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição