Edição 462 | 30 Março 2015

KARIN WONDRACEK

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Karin Wondracek

Psicóloga e psicanalista, doutora em Teologia pelas Faculdades EST. Professora de Psicologia e Aconselhamento Pastoral. Sua área de atuação se situa na interface entre teologia, fenomenologia e psicanálise; é coordenadora do Grupo de Pesquisa em Fenomenologia da Vida e do Grupo de Pesquisa em Aconselhamento e Psicologia Pastoral. Pesquisadora do Grupo de Investigação “O que pode um corpo?” do Centro de Filosofia (CEFi) da Universidade Católica de Lisboa. Membro pleno e docente da Sigmund Freud Associação Psicanalítica e do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos – CPPC.
Foto: Acervo pessoal

Eu creio...

Eu creio em uma Relação que me deu a vida e que a mantém. Num fundamento que me pôs, e perante o qual quero viver, para dizer com Kierkegaard. Não sou somente filha do meu pai e minha mãe, mas sou filha da Vida que se doou a eles e através deles a mim. Aprendi isso da boca dos meus pais, e reaprendi em linguagem acadêmica pelas palavras de Françoise Dolto e Michel Henry.

Concordo com Freud, de que construo uma ou várias imagens desse poder fundante, muitas baseadas nas minhas vivências infantis. Mas creio em Deus Pai para além da imagem projetada, e a melhor correção da distorção encontro nas sessões de análise e na leitura diária da Bíblia. Ela me conta sobre homens e mulheres que foram visitados pelo divino, e de como mudaram suas vidas a partir disso. E me relata como o próprio Filho de Deus nos visitou e ao voltar ainda nos deixou Seu Espírito, que a todo tempo confirma em meu espírito a condição de filha.

Essas narrativas povoaram minha infância, minhas brincadeiras, meus medos do desconhecido, e me fizeram sonhar com terras longínquas e imaginar as origens da vida e o que nos espera após a morte. A voz ritmada do meu pai e da minha mãe, contando essas histórias, traziam um mistério e ao mesmo tempo uma tranquilidade, de que um poder maior que o deles vivia conosco e nos guiava.

As dúvidas vieram? Sim, compareceram em diferentes tempos e nuances, em crises e em reflexões. 

Eu creio com dúvidas, apesar das dúvidas, através das dúvidas — elas me revelam novas facetas da vida, e garantem sempre um lugar para o mistério. Mistério como o expressa Rubem Alves, que habita a beleza dos lugares de sombras, pois nem tudo se aclara matemática e estatisticamente.

Eu creio que Deus habita no paradoxo, e a poesia de Adélia Prado e Armindo Trevisan me guiam através dele.

Eu creio em noites escuras, da alma e dos sentidos, como expressa São João da Cruz. 

Eu creio em desertos como lugares de revelação do amor.

Eu creio em grãos de trigo que morrem e frutificam.

 

Eu espero...

Seguir aberta ao sagrado, nas múltiplas formas deste se revelar nas vidas dos meus irmãos e irmãs especialmente dos pequeninos.

Que eu não queira fixar modos de revelação do divino e nem como devem ser meus dias.

Que eu possa receber a Sua visita nos modos menos usuais e fora de protocolos — afinal Ele me diz que está na brisa suave e não no temporal.

Mas que em meio à tempestade eu também sinta Sua mão segurando a minha, e me transmitindo seu "'Não temas" — não no sentido da negação da dificuldade, mas pelo complemento: "Eu estou contigo". Esta relação me sustenta, ou quando estou débil, me carrega.

Isso eu espero, na certeza de que posso ser fraca, pois nessa condição recebo ainda mais a sua força.

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