Edição 462 | 30 Março 2015

PEDRO A. RIBEIRO DE OLIVEIRA

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Pedro A. Ribeiro de Oliveira

Pedro A. Ribeiro de Oliveira, sociólogo, professor aposentado da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF e da Pontifícia Universidade Católica - PUC-Minas, membro do Movimento Fé e Política.
Foto: Crédito da Foto

Creio em...

Provocado a explicitar minha fé, traço um breve relato biográfico. Até a adolescência acreditei piamente que Jesus era um deus vindo ao nosso mundo para fundar a Igreja e confiar a ela os meios para alcançar uma vida feliz depois da morte. Na juventude descobri que ele queria uma vida feliz – porque assentada sobre a justiça – já neste mundo. Ao chegar à idade adulta passei a descrer que ele tivesse fundado alguma Igreja para recompensar seus membros com a felicidade eterna. Hoje, creio que Jesus de Nazaré foi uma pessoa extraordinária que, por ter proposto um modo de viver pautado na paz, na justiça e na solidariedade universal, contrariou as estruturas de seu tempo. Por isso foi morto na cruz, mas seus discípulos e discípulas são testemunhas de que ele ressuscitou e que anima todo aquele e toda aquela que se dispõe a participar de sua proposta de vida.

Fundamental na definição dessa trajetória foi a influência de pessoas nas quais eu percebia a presença divina. Além da família que demarcou minha vida de fé durante a infância e adolescência, foram – e são até hoje – de grande importância os exemplos e ensinamentos recebidos de pessoas cuja vida era pautada pelo seguimento de Jesus. Alguns padres – inclusive os que deixaram o ministério presbiteral – são para mim verdadeiros mestres espirituais, capazes de suscitarem novas experiências da divindade. Também leigos e leigas cuja vida é um testemunho de Jesus vivente dão firmeza a minha fé. Posto que todas essas pessoas tinham ou têm uma marca católica, eu também me identifico como católico. “Desobediente, mas fiel”, como dizia E. Mounier, assumo essa Igreja como espaço onde encontro alimento para minha fé na proposta de Jesus ressuscitado.

 

Espero que...

Se “a fé é um modo de já possuir aquilo que se espera” (He. 11,1) cabe então explicitar em quê reside hoje minha esperança. A razão moderna demoliu a imagem infantil de um céu onde se passa a eternidade em companhia só de gente boa e querida. A consciência crítica, por sua vez, desfez a miragem de felicidade propiciada pelo capitalismo produtivista e consumista. Nada demoliu, porém, a certeza de ser possível uma “vida longa e feliz sobre a terra”, porque esta é promessa divina. Sem essa esperança eu não veria sentido para viver.

Entendo hoje a promessa de vida feliz como promessa planetária, isto é, válida para toda a comunidade de vida existente na Terra e não como recompensa individual para pessoas bem-comportadas. Deus nos criou – se o situamos no passado – ou nos convida – se está no futuro – para uma vida de muita beleza. O conceito andino de bem-viver (Sumak Kawsay) é para mim a melhor expressão desse projeto divino, porque harmoniza todos os âmbitos da vida (consigo mesmo, com o próprio grupo, com os diferentes, com a Mãe Terra, com as outras espécies vivas e com o espiritual). Há quem diga que o bem-viver é utopia; mas afirmo que é sabedoria, porque é nesses momentos de harmonia que se experimenta a felicidade. Longe de serem sonho, esses momentos – ainda que fugazes – são sinais sensíveis e antecipatórios da grande polifonia planetária para a qual somos convidados.

Aí reside a esperança que me faz levantar da cama e nunca desistir de lutar pela vida, pela paz, pelas justiça e pela solidariedade, assumindo a causa de quem tem sua vida mais vulnerável. Hoje afirmo que “o bem-viver é possível porque Jesus ressuscitou”. E não me preocupo com o que virá depois da morte, porque creio que viveremos para sempre na memória da divindade que é todo-amorosa.

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