FECHAR
Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).
Ricardo Machado
O filme Ida (Idem, Polônia/2013, no original), além de um exercício cinematográfico muito rico esteticamente, é um exercício espiritual de contemplação e reflexão. A película dirigida por Pawel Pawlikowski recupera os impactos do horror da experiência nazista na Europa, mais precisamente na Polônia do pós-guerra, nos anos 1960. Profundo e sensível, a história do filme é vivida por uma jovem noviça conhecida em seu convento como Anna, cujo mundo exterior é revelado somente depois que a madre superiora exige que ela visite sua única conexão com o passado, uma tia chamada Wanda. Durante a visita, a noviça Anna, que está prestes a fazer seus votos para se tornar freira, descobre muito mais que seu verdadeiro nome, Ida, descobre a si própria.
Como em uma orquestra, em que o maestro organiza os silêncios e sons e nos faz perceber sua arte, o diretor Pawel Pawlikowski distribui suas cenas em um preto e branco repleto de vazios, silêncios e longos olhares, tudo isso sob a moldura de um démodé formato 4:3 (mais quadrado, distinto do modo retangular característico do cinema). Nada disso é em vão nem por acaso e isso tudo nos convida a viver o pesado período do pós-guerra no velho continente. A distância temporal e cultural de Ida e sua tia Wanda instigam uma a outra a se conhecerem em uma jornada em busca do passado.
Ida é um filme complexo, nada é óbvio em sua montagem. As memórias e as identidades da jovem noviça e sua experiente tia Wanda parecem ser ao mesmo tempo opostas e complementares. Se tivéssemos que explicar o filme a um adolescente seria fácil descrevê-lo como uma espécie de "road movie cabeção", mas a obra é muito mais do que isso. Ao embarcarem no carro em busca de onde os pais de Ida foram enterrados, os diálogos entre as duas personagens são poucos, mas contundentes — há um momento em que a tia pergunta: "Você não tem pensamentos pecaminosos?"; e depois complementa "Como seus votos vão valer se nunca experimentou?". O cuidado nas escolhas, das palavras e das imagens, revela um diretor que busca na humanidade exacerbada dos personagens, não nos clichês cinematográficos, uma atmosfera pós-nazista e as marcas de um antissemitismo ainda recorrente à época, que ficam evidentes mesmo sem mostrarem os antigos campos de concentração ao longo de toda a viagem atrás dos vestígios dos corpos dos pais de Ida.
O clima contemplativo e sisudo do filme ganha momentos de respiro e alívio quando o jazz de John Coltrane, interpretado por uma banda cover no salão de festas do hotel onde Ida e Wanda estão hospedadas, preenche a paisagem sonora do filme com uma música leve e precisamente bem executada. A propósito, as atuações da estreante Agata Trzebuchowska, no papel de Ida, e de Agata Kulesza, no papel de Wanda, são dignas do capricho estético que perpassa todas as dimensões do filme.
Premiado no Oscar de 2015 como o melhor filme estrangeiro, a obra cinematográfica de Pawel Pawlikowski tem a virtude de ser um exercício de forma muito bem executado (ainda que o roteiro seja incrível), onde não há sobras nem ausências, mesmo quando os diálogos parecem ter acabado no meio do caminho, os silêncios complementam o que falta. O filme Ida tem a capacidade de demonstrar que a experiência do holocausto ainda permanece muito viva no imaginário polonês e essa vivacidade se reflete na contemplação reflexiva das marcas do passado.
Ficha Técnica
Título: Idem (Original)
Ano: 2013
Direção: Pawel Pawlikowski
Duração: 82 minutos
Gênero: Drama
Países de Origem: Dinamarca e Polônia