Edição 204 | 13 Novembro 2006

Volver, de Pedro Almodóvar

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Reproduzimos a crítica da Neusa Barbosa sobre o filme Volver publicada originalmente no sítio CineWeb em 6-11-2006.

Ficha Técnica:

Nome: Volver
Nome original: Volver
Cor filmagem: Colorida
Origem: Espanha
Ano produção: 2006
Gênero: Comédia - Drama
Duração: 121 min
Classificação: livre
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Carmen Maura 
   
Sinopse:
Raimunda (Penélope Cruz) é uma faxineira sacrificada, mãe de uma adolescente (Yohanna Cobo). Uma tragédia familiar leva Raimunda a um reencontro com suas raízes, em sua aldeia, onde lhe dizem que o fantasma de sua mãe (Carmem Maura) é visita constante de sua tia (Chus Lampreave). O acaso leva a faxineira a tornar-se dona de restaurante e viver uma nova fase em sua vida.
Em seu 16º filme, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar volta às mulheres, distanciando-se do universo eminentemente masculino de seu último filme, Má Educação. E também, assumidamente, retorna às raízes, à aldeia, à infância, à lembrança de sua mãe, a Penélope Cruz (que fez com ele antes Tudo sobre Minha Mãe) e, mais espetacularmente ainda, a Carmem Maura. Atriz e diretor fizeram juntos vários de seus filmes de começo de carreira, inclusive o sucesso que definiu a virada no conceito internacional de Almodóvar, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos(1988). Depois brigaram, por motivos que nenhum dos dois se dispõe a esclarecer, até esta bem-vinda reconciliação.

Almodóvar volta também a revelar as influências de outros diretores que marcaram seu cinema. Em Volver, com predomínio absoluto do cinema italiano. A personagem de Penelope Cruz, Raimunda, é assumidamente inspirada em Sophia Loren, tanto no seu visual (o penteado e o figurino), quanto na personalidade elétrica, ativa, esfuziante e sexy. Centro da energia do esplêndido filme, Penélope, aliás, transfigura-se, até fisicamente sob a direção de Almodóvar. Nos muitos filmes de Hollywood que tem feito, ela aparece magra, pálida, sem viço. Parece mesmo desprovida de qualquer talento nesses limitados papéis norte-americanos. Em Volver, ao contrário, ela é uma leoa. Transborda exuberância em todos os sentidos. Parece ter uma persona que só o espanhol parece ter o poder de fazer desabrochar.

A outra referência ao cinema italiano é uma breve cena de Belíssima, de Visconti. É uma declaração de amor de Almodóvar tanto por Visconti quanto por Anna Magnani - que ele afirmou em entrevistas ser seu modelo de maternidade. O argumento central de Belíssima sinaliza um tema polêmico que está no cerne do drama de Volver - o abuso sexual de pais contra filhas. Há mais de uma situação nesse sentido envolvendo as personagens da família central - duas irmãs (Penélope Cruz e Lola Dueñas), a filha de uma delas (a jovem revelação Yohana Cobo) e sua mãe Irene (Carmem Maura) que, morta, volta para cuidar de problemas não só delas quanto de sua própria irmã (Chus Lampreave) e uma grande amiga da família (Blanca Portillo).

Em torno deste admirável sexteto feminino – que dividiu com justiça o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes 2006 - , Almodóvar constrói um verdadeiro altar para que suas ótimas atrizes brilhem, ofuscando de muito os raros homens do elenco, todos em pequenos e desimportantes papéis. Os homens são meros figurantes nesta saga de luta, paixão, acertos de contas e perdão que se processa entre várias gerações.
Almodóvar acerta mais uma vez em cheio no coração feminino, com toda a complexidade e riqueza dos matizes das personalidades das mulheres, compreendendo-as sem julgá-las nem estereotipá-las.

Os homens são adereços

“A mais notória característica do cinema de Pedro Almodóvar é a sua relação confessional com o universo feminino. Mas a obra do espanhol pode ser vista também como a negação do mundo dos homens. Há uma cena em Volver (2006) - seu retorno às raízes depois de um raro trabalho masculino, Má Educação (2004) - que sintetiza formidavelmente essa idéia”, comenta Marcelo Hessel, 9-11-2006, no sítio http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=3335

Segundo ele, “pode ser reflexo da sua própria vida ou reação aos machismos arraigados da cultura hispânica - o fato é que Almodóvar cria em Volver uma redoma para acolher as suas mulheres. A grande graça de seu trabalho como cineasta é a maneira como ele expõe as fraquezas e as forças dessas mulheres, sem paternalismo, e como elas resolvem conflitos entre si, num mundo à parte da guerra dos sexos”.
“Há outros homens em Volver, constata Marcelo Hessel, mas são como adereços, MacGuffins - servem mais para tocar a trama adiante do que para exprimir o que há realmente de pertinente na história. Sole é separada, ficamos sabendo, mas seu marido nunca aparece na tela. O pai da família também não é mostrado. O marido de Raimunda não demora a sumir. O enterro de cadáveres masculinos no filme são como alegorias: livrar-se das amarras do sexo oposto é o caminho que cabe a elas para se encontrarem como mulheres.”

O comentarista conclui:

“Depois de excursionar por metalinguagens e devaneios de realidade e ficção em Fale com Ela e Má Educação, Almodóvar retorna à narrativa tradicional com Volver. Isso quer dizer que o filme tem começo, meio e fim, sem atalhos ou contornos, mas não significa que é vazio de significados ou interpretações. Pelo contrário, cada entrelinha, cada escolha de perspectiva - e cada tomada que Almodóvar faz da volúpia decotada de Penélope Cruz - tem um motivo. É um filme de interiorização. Seja enquadrando suas musas com o olhar de um pervertido ou tratando-as como uma avó com um prato de sopa na mão, ele as entende cada dia melhor.”

A morte, sempre presente

A morte é um dos temas centrais de “Volver”. Uma morte que se assume com enorme naturalidade, que se espera e, inclusive, se aspira, a julgar pelo esmero e cuidado com que muitos no povoado cuidam do seu túmulo.

“Agora olho a morte com menos estranheza”, afirma Pedro Almodóvar. “Não entendo este ciclo, e “Volver” não fez com que eu o entenda melhor, mas a olho de modo mais natural, com mais serenidade do que há um atrás”.

 

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