Edição 204 | 13 Novembro 2006

Uma política econômica única e exclusivamente para controlar a dinâmica inflacionária

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IHU Online

"Muito mais do que pensar na política de estabilização econômica como objetivo final, é preciso entender que o controle do processo inflacionário não é o fim da política econômica, mas um meio de essa política assegurar crescimento e desenvolvimento" afirma Fernando Ferrari em entrevista à IHU On-Line.

Para ele "é imprescindível que se tenha controle de capitais". A entrevista foi originalmente publicada nas Notícias Diárias do Instituto Humanitas Unisinos (www.unisinos.br/ihu), no dia 9-11-2006.
Além da possível política econômica do segundo mandato de Lula, Ferrrari fala também sobre o seu novo livro, Política comercial, taxa de câmbio e moeda internacional: uma análise a partir de Keynes. Ferrari é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, fez o mestrado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado pela University of Tennessee System (1996). Atualmente, é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Fernando Ferrari Filho publicou no Cadernos IHU Idéias, n.º 37, o artigo As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes. O texto está disponível nesta página para download. Na última semana, Ferrari autografou o livro Política comercial, taxa de câmbio e moeda internacional: uma análise a partir de Keynes, na livraria da UFRGS, em Porto Alegre.

IHU On-Line - É possível elevar a taxa de crescimento do PIB para 5%, mantendo a atual política de metas de inflação? Podemos ter metas de crescimento sem uma retomada do processo inflacionário?

Fernando Ferrari
- Ao longo dos últimos quatro anos – supondo que este ano tenhamos um crescimento de três pontos percentuais - o crescimento médio foi de 2,7%. Se ampliarmos esse intervalo para 1999 e 2006, portanto durante o período de estabilização econômica alicerçada em metas inflacionárias, teremos um crescimento médio de 2,5%. Crescer mais do que essa média, pensando audaciosamente entre 4 e 5 pontos percentuais, é imprescindível para que se altere substancialmente a condução da política econômica. Muito mais do que pensar na política de estabilização econômica como objetivo final, é preciso entender que o controle do processo inflacionário não é o fim da política econômica, mas um meio de essa política assegurar crescimento e desenvolvimento. Se quisermos crescer algo próximo dos 5 pontos percentuais, será preciso flexibilizar a política fiscal e cambial. Também precisamos de um câmbio mais competitivo e de condições para a autonomia de políticas econômicas. É imprescindível que se tenha controle de capitais. A questão fundamental não é somente mirar o processo de estabilização de preços, ou seja, controlar a dinâmica inflacionária, mas entender essa dinâmica e a dinâmica de crescimento sustentável como inclusão social. Nesse particular, a questão são as metas de crescimento ao invés de metas de inflação.

IHU On-Line - A política cambial praticada permite um crescimento econômico sustentável?

Fernando Ferrari
- Eu diria que não. Os resultados estão mostrando isso. Essa política econômica está sendo implementada desde 1999, com suas metas de inflação, metas de superávit fiscal e flexibilidade cambial com abertura da conta capital e financeira. Os resultados sob a ótica de crescimento econômico são muito tímidos. Nós temos um crescimento médio entre 1999 e 2006 de 2,5%. Se pegarmos somente o período do primeiro mandato de Lula, entre 2003 e 2006, supondo que o crescimento de 2006 seja de 3 pontos percentuais, teremos um crescimento médio nesse período de 2,7%. Um crescimento dessa magnitude, ou seja, extremamente baixo, e mais ainda, que ora cresce 4,9% e ora aumenta 0,5%, é o resultado de uma política econômica única e exclusivamente para controlar a dinâmica inflacionária.

IHU On-Line - A política monetária atual com relação à taxa de juros dará sustentação a uma maior taxa de expansão da economia?

Fernando Ferrari -
De jeito nenhum. Pelo contrário. O Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), descontada a taxa de inflação e uma taxa média real de juros de 10,5% ao ano, é extremamente proibitivo para que se tenham tomadas de decisões sob a ótica de consumo e de investimentos. Se a taxa de juros básica da economia é de 10,5% ao ano, naturalmente as taxas de juros voltadas especificamente para a dinâmica de consumo e investimento são proibitivas para o crescimento da economia sob essa ótica. Em síntese, eu diria que a taxa de juros real, extremamente elevada, tem o objetivo de controlar a dinâmica inflacionária e um efeito transmissor sobre a taxa de câmbio. Uma taxa de juros elevada afeta negativamente o comportamento do câmbio. Não é à toa que, ao longo dos últimos três anos, se tem uma tendência de apreciação do real ante o dólar. Taxa de juros elevada real, ou seja, descontada a inflação, causa controle do processo inflacionário e apreciação do câmbio. Mas não tem nenhum impacto positivo sobre a dinâmica produtiva.

IHU On-Line - Que ajuste fiscal é necessário para permitir crescimento econômico com estabilização? É necessário corte de gastos públicos ou reforma tributária? Em caso de cortes, em que setores deveria haver enxugamento?

Fernando Ferrari
- A questão fundamental é a reforma tributária, ou seja, cortar gastos de custeio, de infra-estrutura e gastos relacionados a programas sociais. Isso só tende, no meu ponto de vista, a agravar ainda mais a situação da ortodoxia fiscal e, portanto, não cria condições para que tenhamos um crescimento econômico mais substancial. A questão sob a ótica de ajuste fiscal está relacionada fundamentalmente à racionalização da carga tributária. A conjugação da taxa de juros elevada, com a carga tributária elevada e o câmbio apreciado, é uma combinação extremamente perniciosa para que tenhamos capacidade de crescimento sustentável, alicerçado em investimento, ao longo do tempo. Então, se tivermos uma dinâmica de crescimento um pouco mais alentadora, a política fiscal teria de ser pró-atividade econômica. Quer dizer, a política fiscal volta para a dinâmica de investimentos públicos complementares ao setor produtivo, com expansão dos programas sociais e a racionalização de gastos que sejam supérfluos ou passíveis de gestão. Se a preposição que está hoje em discussão atingisse, nos próximos três anos, o déficit nominal zero, agravaria ainda mais a situação de crescimento da economia. Porque a busca a todo custo do déficit nominal zero tende a tornar a política fiscal mais passiva na dinâmica econômica. Portanto, com certeza, os investimentos públicos, no que diz respeito a programas sociais e de infra-estrutura, serão postergados em decisões futuras.

IHU On-Line - Qual a atualidade de Keynes para o pensamento econômico brasileiro? Quais os limites e as possibilidades da retomada do pensamento de Keynes hoje no Brasil?

Fernando Ferrari
- A política keynesiana não é uma política de proposição em que se substitua a economia de mercado por uma economia planificada. Muito pelo contrário. As proposições de políticas econômicas keynesianas têm uma simbiose, uma sinergia entre Estado e mercado. As políticas de cunho keynesiano, que sejam de natureza fiscal ou monetária e cambial, são políticas que tendem a assegurar a estabilização monetária com o emprego. No mundo cada vez mais caracterizado pela financeirização do capital e não pela dinâmica produtiva, sob a ótica comercial expansionista, eu diria que as políticas keynesianas são essenciais para que se tenha a capacidade de atingir o pleno emprego. Precisamos entender que é necessário ter instrumentos de controle de capital, principalmente contra a entrada e saída de capitais especulativos, para que se possa assegurar e resgatar a autonomia da política econômica.

IHU On-Line - A política econômica no segundo mandato Lula mudará? A "era Palocci" terminou? O que seria a "nova" era?

Fernando Ferrari
- Não acredito em mudança. Eu diria que não. Essa discussão recente para mim é mais uma questão de aparência do que de essência. É uma discussão meramente adjetiva e não tão substantiva. Por que isso? O governo Lula foi eleito com a preocupação do controle inflacionário. A política econômica foi alicerçada no primeiro mandato para assegurar a estabilização monetária ou fazer a redução inflacionária ser observada de forma abrupta, como se manifestou entre 2003 para 2004? Na medida em que a política econômica é alicerçada em metas superavitárias, metas de inflação e abertura da conta capital e financeira com flexibilidade cambial, essa política econômica agrada de forma significativa todo o mercado. Acho muito pouco provável que ocorra uma mudança, mesmo que marginal, nessa política econômica. Caso aconteça uma perspectiva de mudança na condução da política econômica, sem dúvida alguma, o mercado ficará cético com relação a essa nova conduta. A condução da política econômica de Lula no segundo mandato deverá ser muito semelhante à implementada entre 2003 e 2006.

IHU On-Line - E no Rio Grande do Sul, podemos esperar alguma mudança na área econômica no novo governo de Yeda Crusius?

Fernando Ferrari
- É pouco provável haver alguma mudança. Os estados têm graus de liberdade pouco significativos. Pelo contrário, inexiste liberdade para a mudança econômica. Seja porque a política fiscal, monetária e cambial são determinadas pelo governo federal, seja porque a economia do Rio Grande do Sul tem um desequilíbrio fiscal crônico e um encargo grande de repasse de pagamentos da dívida em função da securitização  da dívida pública federal e da dívida pública estadual no governo Fernando Henrique Cardoso. Não vai ser com choque de gestão e racionalização de gastos de custeio, investimentos e de programas sociais que se vai conseguir reverter a atual crise do Estado. Essa crise, nos últimos anos, foi recrudescida, seja porque em alguns anos ocorreu a estiagem, seja porque a taxa de câmbio, principalmente nos últimos três anos, vem prejudicando setores dependentes de subsídios cambiais. Tal qual o setor moveleiro, de agronegócios e coureiro-calçadista. O jeito “novo de governar”, alicerçado fundamentalmente em choque de gestão e racionalização do gasto público, não cria condições de uma trajetória de crescimento sustentável do Rio Grande do Sul. O Estado depende de políticas nacionais, da bonança do mercado externo e da realidade de câmbio mais propícia.

 

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