Edição 458 | 10 Novembro 2014

Moda, consumo e ética. A emergência de novos paradigmas no século XXI

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Ricardo Machado | Tradução: André Langer

Entrevista da Semana Pesquisadora da moda e socióloga argentina Susana Saulquin fala sobre a importância do consumo consciente

Enquanto esta entrevista estava sendo editada, as principais modelos brasileiras e internacionais desfilavam a coleção de inverno 2015 na São Paulo Fashion Week, uma das mais prestigiadas semanas de moda do Brasil e do mundo. O evento gera a circulação de milhares de dólares anualmente e ocorre paralelamente a um movimento de ruptura estética com o século passado. “Embora a moda e o consumo reinassem junto com a estética durante a última parte do século XX, no começo do século XXI muda o olhar e impõe-se um comportamento ético de cuidado dos recursos humanos e naturais que contradiz os princípios do consumo acelerado de roupas que implicam no ‘usar e jogar’”, avalia a professora e pesquisadora Susana Saulquin, em entrevista por e-mail à IHU On-Line, fazendo uma análise sobre moda, consumo e ética. “O novo luxo é um conceito que se afasta da ideia do luxo como acumulação de objetos interessados em marcar o status e posição social das pessoas”, complementa.

Segundo a professora, a nova ideologia do século XXI substitui a produção acelerada de estímulo ao consumo por uma ideologia que baseia sua ação no cuidado aos recursos vivos do planeta. “Com a chegada da nova ideologia, que cuida dos recursos tanto naturais como das pessoas, perde vigência este modelo de produção massiva a favor de uma produção responsável de roupas duráveis. Cada vez mais nesta etapa de transição nos afastamos do massivo para nos aproximarmos do desenho pensado a partir de princípios éticos”, destaca.

Por fim, Susana destaca que “analisar a moda do ponto de vista sociológico permite descobrir as vinculações entre a nossa experiência cotidiana e os processos sociais mais amplos que a contêm. Por exemplo, a relação entre a atual sociedade mais individualista e ditada pelas redes sociais permite-nos pensar uma moda mais independente das tendências massivas de vestir”, analisa. “Como todo processo de mudança, o caminho é longo, mas devemos pensar que a tendência à produção de roupas mais sustentáveis e amigáveis com o meio ambiente não tem retorno”, finaliza.

Susana Saulquin estudou Sociologia na Universidade de Buenos Aires. Em 1986 criou e dirige desde então o Instituto de Sociologia da Moda, dedicado à consultoria, ensino e pesquisa do universo têxtil, da indumentária e das modas. Participou na criação da carreira de Design de Indumentária e Têxtil, na Faculdade de Arquitetura, Design e Urbanismo, da Universidade de Buenos Aires – UBA. E, em 2012, criou e atualmente dirige a Pós-graduação em Sociologia do Design. Além disso, é professora na graduação e pós-graduação em diferentes universidades do Chile, Brasil e Argentina. Seu último livro, lançado recentemente, chama-se Política de las apariencias. Nueva significación del vestir en el contexto contemporáneo (Buenos Aires: Paidós Entornos 23, 2014). 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Que implicações há entre moda, consumo e ética?

Susana Saulquin - A moda e o consumo são, em princípio, dois conceitos que se necessitam e funcionam de maneira conjunta, já que é através do exercício do consumo que se impõem as diferentes modas de acordo com as tendências que saem dos centros produtores e que estão muito interessados na circulação de roupas e produtos. Embora a moda e o consumo reinassem junto com a estética durante a última parte do século XX, no começo do século XXI muda o olhar e impõe-se um comportamento ético de cuidado dos recursos humanos e naturais que contradiz os princípios do consumo acelerado de roupas que implicam no “usar e jogar”.

 

IHU On-Line – Recentemente a senhora afirmou que “o novo luxo é ter roupa eticamente boa”. Do que trata esta percepção? O que isso significa?

Susana Saulquin - O novo luxo é um conceito que se afasta da ideia do luxo como acumulação de objetos interessados em marcar o status e posição social das pessoas. O novo luxo introduz a perspectiva ética da sustentabilidade e do bem comum. Nesse sentido se fala da experiência de um luxo sustentável, que incorpora, por exemplo, nas roupas os princípios que o guiam como reciclado, recuperação de materiais e, em geral, respeito por processos que não denigrem a natureza. Também aparecem outras categorias, como o luxo do tempo livre e a utilização de roupas, que destaquem a extrema qualidade dos produtos e sua durabilidade. Abandona-se a ideia do “consumo conspícuo” proposta por Thorstein Veblen  e ressignifica-se sua experiência como um poder transformador a partir do gozo dos sentidos e da importância do ser sobre o parecer.

 

IHU On-Line - Diante de que tipo de paradigma a contemporaneidade nos situa no que diz respeito ao consumo?

Susana Saulquin - É a nova ideologia do século XXI que substitui a produção acelerada que estimula o consumismo, típica do século anterior, por uma ideologia que baseia sua ação no cuidado dos recursos tanto humanos como naturais. A partir desta ótica, fala-se de um consumo que é consciente e se guia pela ética dos comportamentos.

 

IHU On-Line - Por que as novas tendências de design divergem do consumo massivo? Que transição é esta que vivemos no século XXI?

Susana Saulquin - Os princípios que guiavam a produção no século XX baseavam-se na aceleração das séries massivas que deviam produzir roupas para serem esquecidas rapidamente e substituídas por outras. Isto provocou problemas, como a multiplicação das oficinas clandestinas e “escravos” onde se colocava o acento apenas na produção, esquecendo as condições dos trabalhadores, assim como também o descuido da natureza. Com a chegada da nova ideologia, que cuida dos recursos tanto naturais como das pessoas, perde vigência este modelo de produção massiva a favor de uma produção responsável de roupas duráveis. Cada vez mais nesta etapa de transição nos afastamos do massivo para nos aproximarmos do desenho pensado a partir de princípios éticos.

 

IHU On-Line - Em que medida o discurso sobre o que é “moda” torna-se autoritário?

Susana Saulquin - O discurso torna-se autoritário porque depende de tendências que saem dos centros produtores de moda e são as mesmas para todo o mundo. Ela impõe “o que se usa” a partir de uma construção que sai dos prognósticos de tendências que se põem de acordo para dispor o que as pessoas vão usar nos próximos quatro anos. É autoritária nas formas, cores e materiais, porque impõe de maneira global o que deve ser usado.

 

IHU On-Line - Desde quando o “vestir-se” transforma-se também em ato político?

Susana Saulquin - Na arena das práticas políticas, as aparências convertem-se em aliadas imprescindíveis no processo de construção do discurso de poder. O talento para sua instrumentação vai depender em grande parte, e foi demonstrado ao longo da história, da habilidade dos diferentes atores políticos, para construir rituais cenográficos que facilitem e dissimulem a partir da sedução carismática o exercício da sua dominação.

 

IHU On-Line - De que maneira as novas configurações sociais e políticas do século XXI exigem outros parâmetros éticos com relação à moda?

Susana Saulquin - Exigem outros parâmetros éticos porque não querem ficar desatualizados e sabe-se que, atualmente, o prestígio já não está relacionado com grandes produções e acumulação de bens que impedem e travam as ações, mas com produções pensadas para a agilidade e a adaptação constante às situações em mudança.

 

IHU On-Line - Quais sãos os desafios para pensar a moda a partir da perspectiva da sociologia? De que forma o tema da moda pode nos ajudar a compreender aspectos das nossas sociedades?

Susana Saulquin - Analisar a moda do ponto de vista sociológico permite descobrir as vinculações entre a nossa experiência cotidiana e os processos sociais mais amplos que a contêm. Descobre-se assim a rede de dependências e as conexões que se produzem entre os diferentes acontecimentos, podendo compreender de maneira mais clara por que e para que estes ocorrem. Por exemplo, a relação entre a atual sociedade mais individualista e digitada pelas redes sociais permite-nos pensar uma moda mais independente das tendências massivas de vestir.

 

IHU On-Line - Como superar o desafio de produzir roupas sustentáveis, eticamente fabricadas, em uma economia de mercado absolutamente financeirizada, onde o preço parece ser o principal componente?

Susana Saulquin - Como todo processo de mudança, o caminho é longo, mas devemos pensar que a tendência à produção de roupas mais sustentáveis e amigáveis com o meio ambiente não tem retorno. Por quê? Porque sabemos que a sociedade sempre faz o necessário para sua sobrevivência, e continuar no caminho das modas aceleradas e que promovem o consumismo não está de acordo com uma sociedade que necessita diminuir a depredação da natureza. Por exemplo, o algodão tem processos de tinturaria e necessidade de pesticidas que não são sustentáveis, portanto é necessário buscar alternativas. Se até a atualidade, nesta economia, o preço era importante, vamos caminhar rumo a uma economia com produtos mais duráveis e de boa qualidade, ou seja, um consumo que substitui o consumismo pela experiência de um consumo consciente e todo pelo bem comum.

 

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Susana Saulquin - Após o século XX, que foi o século do TER e do PARECER, atualmente perfila-se uma lenta recuperação do SER que, não sendo reflexo das exterioridades, consiga reconstruir a importância de cada interioridade.

 

Leia mais...

- “O novo luxo é ter uma roupa eticamente boa”, afirma socióloga da moda. Entrevista com Susana Saulquin publicada nas Notícias do Dia, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU. 

 

Olhos

“Embora a moda e o consumo reinassem junto com a estética durante a última parte do século XX, no começo do século XXI muda o olhar e impõe-se um comportamento ético”

 “Analisar a moda do ponto de vista sociológico permite descobrir as vinculações entre a nossa experiência cotidiana e os processos sociais mais amplos que a contêm”

“Como todo processo de mudança, o caminho é longo, mas devemos pensar que a tendência à produção de roupas mais sustentáveis e amigáveis com o meio ambiente não tem retorno”

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