Edição 204 | 13 Novembro 2006

O envelhecimento é um processo natural, não uma doença terminal

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

A educadora física Suzana Wolff, professora no Centro de Ciências da Saúde na Unisinos, concedeu uma entrevista com exclusividade, por e-mail, à IHU On-Line sobre o tema de capa desta semana.

Wolff, que é coordenadora do Programa Pró-Maior, anteriormente chamado de Núcleo Temático da Terceira Idade (Nutti) e ligado à diretoria de Ação Social e Filantropia da Unisinos e agora ao Programa de Ação Social na Área de Envelhecimento Humano, é graduada em Educação Física pela Federação de Estabelecimentos de Ensino Superior em Novo Hamburgo (Feevale). É mestre em Educação pela Unisinos com a dissertação A terceira idade na universidade: um diagnóstico reflexivo e prospectivo a partir da Universidade do Vale do Ri dos Sinos. Doutorou-se em Ciência do Movimento Humano pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) com a tese A Universidade como espaço promotor do envelhecimento bem-sucedido: um estudo de caso.
Wolff escreveu inúmeros artigos técnicos, textos em jornais e revistas, além de trabalhos apresentados em congressos, sempre versando sobre os temas que abordou ao longo de sua formação. Algumas das disciplinas que ministra no momento são “Terceira idade” e “Psicologia do envelhecimento humano”. Para maiores informações sobre o Programa Pró-Maior, visite a página www.unisinos.br/projetos_sociais/nutti/.

IHU On-Line - O que caracteriza o processo de envelhecimento humano?

Suzana Wolff
– O envelhecimento não é um processo estático, estável e equilibrado. Ele se apresenta, tanto em sua estrutura como em suas funções, como um processo individual e coletivo, contínuo e cíclico, eminentemente pessoal. Esse processo se dá dentro de contextos de inter-relações variadas, físicas, químicas e biológicas, como também com outras que são de caráter psíquico e cultural. Logo, não há um processo único de envelhecimento e, portanto, ele necessita ser identificado em suas particularidades.  O que se pode afirmar é que o envelhecimento é um processo natural, e não pode ser encarado, exclusivamente, como uma doença terminal.
 
IHU On-Line - Quais as principais etapas e marcas dessa experiência?

Suzana Wolff
– Dentro da realidade ocidental e seu ambiente físico e social, associadas a elementos biológicos, algumas manifestações podem ser consideradas, nos dias atuais, como “rituais de passagem” para a velhice, como, por exemplo, a aposentadoria ou a menopausa, no caso das mulheres. Logicamente, conforme já afirmei, estes impactos sociais e físicos podem ser absorvidos de diferentes formas, dentro da dimensão existencial e pessoal. Ou ainda, fazer 60 anos, conforme o Estatuto do Idoso, que sinaliza a idade limite para ser idoso no Brasil.

IHU On-Line - O que podemos entender por “envelhecimento bem-sucedido”?

Suzana Wolff
– A reflexão acerca de um “envelhecimento bem-sucedido” tem ocupado espaços significativos de discussão em publicações recentes, já que é visível a transformação qualitativa no processo de envelhecimento de determinados grupos de idosos. E ainda isso se fortalece se for considerada a aproximação deste tema às questões que envolvem a área da saúde. Quanto ao conceito de envelhecimento bem-sucedido, ainda não existe um consenso dos estudiosos, porém pode-se afirmar resumidamente que é uma condição individual e grupal de bem estar físico, social e espiritual, referendados aos ideais da sociedade, às circunstâncias históricas e aos valores existentes no ambiente, respeitando os limites da plasticidade de cada um. Sem dúvida, a temática é atraente e reflete-se em um novo otimismo no campo da Gerontologia, que por sua vez, deve reforçar a discussão sobre o processo de envelhecimento de um modo geral. Não é só o meio acadêmico, ou a mídia, porém, que vêm trazendo ao debate questões que envolvem o bem-envelhecer. A Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, realizada em Madri, em 2002, aprovou um documento (Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento), que busca orientar políticas públicas relacionadas com o envelhecimento no século XXI. Este Plano apresenta prioridades extremamente pertinentes ao envelhecimento bem-sucedido.

IHU On-Line - Como se constitui o trabalho do Pró-Maior?

Suzana Wolff
– O trabalho que desenvolvemos aqui na Unisinos junto a Diretoria de Ação Social e Filantropia, busca refletir e construir coletivamente com a população idosa e seus representantes legais, alternativas de transformação da realidade social. Esse trabalho tem resultado em pequenas e significativas mudanças na vida dos participantes do projeto, além de contribuições na elaboração e desenvolvimento de políticas públicas.

IHU On-Line - Quais as bases desse Programa?

Suzana Wolff
– O Programa Maior Idade, Pró-Maior, organiza-se em três interfaces de intervenção que são: a) intervenção social e filantrópica - concretizada por meio de projetos, dirigidos à população maior de 50 anos; b) intervenção acadêmica: concretizada por meio de experiências de alunos em estágios ou em experiências voluntárias de estudantes da Unisinos nos projetos sociais, refletindo na formação profissional e pessoal de nossos alunos e professores; c) intervenção Institucional: concretizada pela representação da Unisinos em instâncias acadêmicas, governamentais e não-governamentais na área do envelhecimento. 

IHU On-Line - Que valores se tenta passar para as pessoas envolvidas?

Suzana Wolff
– Certamente os valores que defendemos coletivamente são aqueles em que acreditamos, e, portanto, estão inspirados no humanismo social cristão. Ou seja, não basta crer, temos que manifestar nosso humanismo social com subsidiariedade, associando-o às nossas atitudes de forma crítica e reflexiva.

IHU On-Line - Qual a contribuição da academia, da pesquisa, para a questão do envelhecimento humano?

Suzana Wolff
– Os estudos sobre o processo de envelhecimento e suas repercussões são muito recentes. No início do século XX é que a academia começou a identificar e pesquisar as duas principais áreas associadas ao envelhecimento: Geriatria e Gerontologia. Até meados dos anos 1950, as pesquisas da Geriatria predominaram e destinavam-se ao estudo clínico da velhice (por analogia com pediatria, que é o estudo clínico da infância). Com o fim da II Guerra e o aumento da qualidade de vida da população, os Estados Unidos e vários países da Europa começaram a vivenciar o processo de transição demográfica, havendo um aumento na proporção de pessoas idosas. Com isso, a ciência se vê obrigada a encontrar soluções individuais e coletivas para outras áreas que envolvem a velhice, como educação, psicologia, antropologia e sociologia, fortalecendo o campo da Gerontologia. Atualmente, ainda não temos aqui no Brasil políticas acadêmico-científicas direcionadas à investigação das questões associadas ao processo de envelhecimento e velhice. Por exemplo, as agências de fomento de pesquisa ainda não reconhecem o campo da Gerontologia como uma área de conhecimento específico. Sem contar que ainda são incipientes as políticas acadêmicas para a formação de recursos humanos para trabalhar com os idosos.

IHU On-Line - Como se dá a relação entre o idoso e a família hoje? Qual o papel do idoso no núcleo familiar? 

Suzana Wolff
– A relação do idoso no contexto familiar hoje pode se apresentar de diferentes maneiras, e sem dúvida esta relação se modifica no decorrer da vida familiar. Por exemplo, o que observamos de mudanças significativas atuais são novos papéis que muitos avós assumem na educação de seus netos, contribuindo, inclusive, financeiramente para isso. Estes avós tornam-se responsáveis por determinadas situações deixando, muitas vezes, de pensarem em seu próprio envelhecer. Em outros momentos, este idoso ou idosa pode transformar-se em um dependente do grupo familiar, pois poderá apresentar limitações ou doenças próprias desta fase da vida, ocasionando mudanças radicais  nos papéis previamente estabelecidos.

 

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição