Edição 204 | 13 Novembro 2006

“Existem muitas velhices”

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IHU Online

Para o teólogo Johannes Doll, coordenador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento da UFRGS, “existe uma série de conseqüências sociais no fato de termos cada vez mais pessoas muito idosas”. A declaração foi dada em entrevista por e-mail à IHU On-Line, com exclusividade.

Graduado em Teologia Católica pela Universidade de Tübingen, Alemanha, e em Educação pela Erziehungswissenschaftliche Hochschule Landau, Alemanha, Doll é especialista em Ensino de Alemão pela Unisinos e em Gerontologia pela Universidade de Heidelberg. Cursou mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutorado na mesma área pela Universidade Koblenz Landau, Alemanha, com a tese Fachunterricht an deutsch-brasilianischen Begegnungsschulen. Eine Untersuchung zur Sprachkompetenz von Schülern in zweisprachigen Klassen.

É um dos organizadores das obras Como se formam os sujeitos do campo? Idosos, adultos, jovens, crianças e educadores. Brasília: Pronera, 2006 e Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. Atualmente, coordena dois projetos de pesquisa, intitulados Envelhecimento, trabalho e educação: aquisição de conhecimentos de informática e seus reflexos na vida profissional e privada de trabalhadores mais velhos e Juventude, Educação e Justiça Juvenil: Reabilitação e prevenção no Brasil e nos Estados Unidos.

IHU On-Line - Quais os números da população idosa no Brasil e quais os fatores que mais contribuem para o aumento da expectativa de vida da população?

Johannes Doll
– Estima-se que temos atualmente 17,6 milhões de pessoas idosas no Brasil. São basicamente três fatores que influenciaram o aumento do número de pessoas idosas em relação ao resto da população. Em primeiro lugar, está a diminuição da mortalidade infantil, que caiu, desde 1960, de 121,08 em mil nascidos vivos para 30,10 em mil nascidos vivos, o que significa que mais crianças sobrevivem ao primeiro ano de vida, um fato que se reflete principalmente na expectativa de vida, que aumentou de 1960, quando era em 51,64 anos, para 70,43 anos em 2000. O segundo fator é a forte diminuição da fertilidade, que era de 6,21 crianças por mulher (1960) e caiu para 2,39 crianças por mulher. Isso significa que temos muito menos crianças em relação à população total, o que aumenta, proporcionalmente, o número de pessoas adultas e idosas. E o terceiro fator é uma melhora no serviço de saúde e no combate a doenças, o que faz termos hoje muito mais pessoas que vivem até 80, 90 ou até 100 anos do que antigamente.
 
IHU On-Line - Qual a influência do processo de urbanização nisso?

Johannes Doll
– A urbanização teve, com certeza, um efeito forte, principalmente com relação à diminuição da taxa de natalidade, pois as crianças, que no campo representam uma ajuda para a família, se tornam um peso financeiro na cidade. Mas também o acesso a serviços de saúde na cidade é geralmente mais fácil e existe uma infra-estrutura melhor.
 
IHU On-Line - Hoje, o grupo das pessoas mais velhas é o que mais cresce na nossa população. Quais as conseqüências sociais disso? 

Johannes Doll
– Existe uma série de conseqüências sociais no fato de termos cada vez mais pessoas muito idosas. Como nesta faixa etária, a incidência de doenças e de dependência aumenta, temos que pensar em estruturas adequadas para atender este grupo cada vez maior, especialmente, porque até agora, foram principalmente as famílias, ou melhor, as mulheres que assumiram esta tarefa. Com as mudanças nas estruturas familiares e com a maior participação das mulheres no mercado de trabalho, mas também com o menor número de filhos e filhas nas famílias, temos que pensar em outras estruturas de serviços e de saúde para atender este grupo nas suas necessidades. Isso também exige uma mudança na formação e atualização dos profissionais que vão tratar com pessoas idosas. Agora a vida humana não se restringe somente aos cuidados básicos. Nós temos que dar um sentido à nossa vida. Qual será o sentido de vida das pessoas com 80 ou 90 anos? Quais são os modelos de identificação que a sociedade consegue oferecer? Lazer? Consumo? Ou tem mais?

IHU On-Line - Quais os principais desafios para quem é idoso hoje? Como o senhor acha que os idosos encaram essa etapa da vida atualmente? Ser “maduro” é visto como algo positivo? 

Johannes Doll
– Isso é difícil de responder, pois o grupo das pessoas idosas é muito heterogêneo. Dessa forma, os desafios podem ser bem diferentes para elas. Por exemplo, para muitos idosos da classe popular, ter acesso a serviços de saúde e ter condições básicas de viver já representa o desafio principal. Para outros, a saída do mundo de trabalho e lidar com uma fase considerada não-produtiva pela sociedade representa um grande desafio, principalmente para os homens. Para este grupo, manter ou desenvolver contatos sociais e estruturar seu tempo com atividades que dêem satisfação é uma tarefa importante. Pensar em um projeto para sua vida, que vai além do trabalho, pode ser um caminho interessante. Para os idosos de hoje, estas tarefas de pensar além da vida adulta é ainda uma tarefa nova, pois para muitos, a luta pela sobrevivência não deu muito tempo para pensar sobre esses assuntos. E mudar sua vida, de forma radical, inventar algo totalmente novo é um fato raro. Agora ser "maduro" tem conotações diversas. Fizemos uma pesquisa sobre o trabalhador mais velho na indústria e notamos esta ambivalência. Por um lado, destacam-se aspectos positivos como experiência, confiabilidade, estabilidade, por outro lado, critica-se a falta de flexibilidade e a falta de atualização profissional.

IHU On-Line - Que valores são imperantes hoje na sociedade em relação à terceira idade?

Johannes Doll
– Eu vejo uma gradual aceitação da terceira idade na nossa sociedade hoje. Durante muito tempo, nem se tomou conhecimento da existência de pessoas idosas e, muitas vezes, carregava-se uma imagem bastante negativa. Mas a luta por uma imagem mais positiva, que destaca as competências das pessoas idosas e as possibilidades de participar ativamente na sociedade estão ganhando mais espaço. Mesmo assim, encontramos tanto valores positivos em relação à terceira idade quanto rejeição. No momento em que o grupo dos idosos cresce mais, surgem discussões sobre a distribuição dos bens na sociedade, o que pode gerar conflitos, como as discussões sobre a aposentadoria.

IHU On-Line - Qual seria a melhor forma de viver em uma sociedade envelhecida?

Johannes Doll
– Há três caminhos:
- de forma ativa e positiva, aberta;
- em contato com as diferentes gerações;
- encontrar algo que dê satisfação (trabalho voluntário, cultural etc.)

IHU On-Line - Quais os mitos e verdades sobre o bem-estar na velhice?
 
Johannes Doll
– Confesso, não gosto muito da história dos mitos e verdades. Um mito era visto, antigamente, como uma verdade muito importante, algo que explicava a origem e o destino dos homens. Por que colocar mito agora no sentido de "não-verdade"? O problema é que a velhice representa uma fase de vida que pode ser muito longa – dos 60 anos até 100 anos ou mais. Então, todas as "verdades" sobre a velhice também podem ser "não-verdades" e vice-versa. Talvez a maior "não-verdade" seja exatamente a existência de uma velhice com características bem definidas. Na verdade, existem muitas velhices.

IHU On-Line - Quais os avanços e desafios da gerontologia hoje?

Johannes Doll
– Acredito que a gerontologia no Brasil avançou bastante em rever a imagem negativa da velhice e vincular aspectos positivos à terceira idade, como encontros, atividades, diversão. Com relação aos estudos sobre a velhice, temos hoje já um número considerável deles, mas faltam ainda estudos nacionais e longitudinais que exigem uma boa infra-estrutura. No campo científico, a Gerontologia como ciência ainda não recebeu o devido reconhecimento, por exemplo, pelo CNPq. Isso significa que o conhecimento científico produzido é divulgado nas revistas e livros específicos das diferentes ciências e áreas, o que dificulta um diálogo interdisciplinar. Sobre os estudos, acredito que a velhice avançada e suas necessidades será um desafio para o futuro. Outros aspectos importantes a serem pensados são a questão dos idosos sem famílias e as relações intergeracionais.

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