Edição 456 | 20 Outubro 2014

Ética animal e o direito à inviolabilidade da vida

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Luciano Gallas e Ricardo Machado

O professor Fábio de Oliveira debate a bioética em perspectiva com o direito dos animais

Ultrapassar uma visão historicamente arraigada de que os animais não são seres possuidores de direitos é um dos grandes desafios à chamada Ética Animal. “Há poderosos interesses econômicos sustentando a exploração animal em diferentes modalidades (comida, vestuário, lazer, ciência, transporte). As universidades, de um modo geral, aceitam com naturalidade a coisificação de animais sob a justificativa do avanço da ciência e de métodos de ensino”, argumenta o professor e pesquisador Fábio de Oliveira, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

“O reconhecimento de que animais têm direitos caminha em conjunto com o respeito pelos direitos humanos. Há inclusive estudos demonstrando a associação entre comportamentos contra animais e contra humanos”, destaca o entrevistado. De acordo com Fábio, estudos indicam que parte das pessoas que cometeram crimes contra humanos tinham em seu histórico práticas violentas contra animais. “Como se parte de um mesmo pressuposto, que é o respeito pelo outro, pela dor do outro, pelas suas propensões naturais, pelos seus interesses, pela sua vida, ou seja, um juízo de integridade, a relação estabelecida na questão é procedente”, avalia.

Fábio Corrêa Souza de Oliveira é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRJ, é mestre em Direito e doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. É membro do Centro de Direito dos Animais e Ecologia Profunda — uma iniciativa que reúne docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ e da Universidade Federal Fluminense – UFF, além do Instituto de Filosofia de Ciências Sociais da UFRJ. Mais informações no sítio www.animaisecologia.com.br.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Por que é uma posição minoritária na sociedade a defesa dos direitos dos animais, de modo geral, e, especificamente, o direito de não serem utilizados em pesquisas científicas?

Fábio de Oliveira – Existe uma posição cultural arraigada e majoritária ao longo dos séculos, inclusive fundamentando compreensões religiosas. É a visão prevalente inclusive entre os doutos, na Filosofia. Além disso, há poderosos interesses econômicos sustentando a exploração animal em diferentes modalidades (comida, vestuário, lazer, ciência, transporte). As universidades, de um modo geral, aceitam com naturalidade a coisificação de animais sob a justificativa do avanço da ciência e de métodos de ensino.

 

IHU On-Line - Todo o uso de animais em experiências científicas é antiético? Quais são os limites éticos desta prática?

Fábio de Oliveira – Segundo certa perspectiva teórica da Ética Animal, a única forma moral de experiência com um animal é quando a prática é feita em benefício do próprio animal. Segundo o Direito dos Animais, uma vez que o animal é compreendido como sujeito de direitos (vida, integridade física, mental, por exemplo), não é cabível a sua instrumentalização em prol de interesses humanos ou de interesses de outros animais. É a mesma base ética que conforma o emprego de seres humanos em experimentos científicos. 

 

IHU On-Line - Que valores morais permeiam o paradigma científico atual?

Fábio de Oliveira – Os valores antropocêntricos. Nesta linha, apenas o ser humano possui valor intrínseco. Ao animal (não humano) não é reconhecida dignidade, apenas valor instrumental.

 

IHU On-Line - E em termos de alimentação, os seres humanos estão preparados para discutir o uso dos animais? O que se pode afirmar sobre as necessidades humanas em termos de nutrientes de origem animal?  

Fábio de Oliveira – Cada vez mais seres humanos vêm discutindo e abolindo a dieta onívora/carnívora em benefício de uma dieta vegetariana. O número de vegetarianos é crescente em todo o mundo. Em termos nutricionais, computado o debate que segue sendo travado, o consenso parece se dirigir para a percepção de que a dieta vegetariana é saudável e que pode haver a necessidade de suprir apenas a vitamina B12.

 

IHU On-Line - O que se pode afirmar da consciência desenvolvida pelos animais?

Fábio de Oliveira – A Declaração de Cambridge, de 2012, The Cambridge Declaration on Consciousness , afirmou que inclusive animais invertebrados possuem consciência. O que se pode afirmar é que existem modalidades diferentes de consciência, graus, se quisermos chamar assim. O reconhecimento da consciência em animais acarreta uma consideração de ordem moral, como bem assinalou Philip Low , um dos signatários da referida Declaração, capaz de fazer com que se faça uma revisão de muitas atitudes em relação aos animais. Philip Low, por exemplo, da Stanford University School of Medicine e do Massachusetts Institute of Technology, passou a adotar uma dieta vegetariana. “Não é mais possível dizer que não sabíamos”, afirmou o professor Low.  

 

IHU On-Line - Defender que a experiência da vida é valiosa para um animal não é, em essência, reforçar o próprio direito humano à vida e à dignidade. Quem desconhece os direitos dos animais não está mais próximo, em uma escala moral, de desconhecer os direitos do ser humano?

Fábio de Oliveira – Sim. O reconhecimento de que animais têm direitos caminha em conjunto com o respeito pelos direitos humanos. Há inclusive estudos demonstrando a associação entre comportamentos contra animais e contra humanos. Pessoas que cometeram crimes contra seres humanos que tinham prática de violência com animais. Como se parte de um mesmo pressuposto, que é o respeito pelo outro, pela dor do outro, pelas suas propensões naturais, pelos seus interesses, pela sua vida, ou seja, um juízo de integridade, a relação estabelecida na questão é procedente.

 

IHU On-Line - Os Comitês de Ética e Pesquisa colocam em debate a questão dos direitos dos animais?

Fábio de Oliveira – Normalmente não. Quase nunca. Os Comitês de Ética e Pesquisa estão inseridos em um marco legal onde a instrumentalização dos animais é permitida, onde impor dor, sofrimento físico e psicológico aos animais é autorizado, onde prender e matar animais é permitido. Acrescente-se que a generalidade daqueles que defendem direitos animais se recusam, com razão, a integrar tais Comitês, pois seria legitimar uma prática que, por princípio e de início, é eticamente condenada. Algo como convidar um abolicionista da escravidão negra para participar de um conselho de capitães-do-mato.

 

IHU On-Line - O avanço científico por si só justificaria a adoção de medidas de maus-tratos a animais? 

Fábio de Oliveira – Não, não justificaria. Não justificaria maus-tratos a seres humanos. Não justifica maus-tratos a animais. A hipocrisia está em afirmar que não existem maus-tratos. O mesmo se diga para a alimentação.

 

IHU On-Line - Gostaria de adicionar algo?

Fábio de Oliveira – A Ética Animal está avançando a passos largos também no Brasil, alcançando um espaço progressivo na academia. Não é possível ignorá-la. A discussão está posta.

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