Edição 432 | 18 Novembro 2013

“A transgenia não é algo a ser combatido”

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Ricardo Machado

Pesquisadora da Embrapa, Juliana Dantas de Almeida, argumenta que organismos geneticamente modificados são benéficos aos homens

Um grupo de pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, está realizando um trabalho para tentar isolar a manifestação do gene transgênico nas plantas. Em outras palavras, isso significa tentar colocar o resultado da cadeia genética modificada em determinada parte da planta (na folha, no caule, no fruto, etc.) ou condicionar a manifestação a determinado período do ciclo de vida do organismo (quando estiver seca, por exemplo). “Há muitos anos, cientistas e pesquisadores se dedicam a encontrar promotores que possam guiar a expressão de transgenes (os genes usados na transformação genética) de uma forma mais pontual. Isso significa que, ao invés de expressar o transgene em toda a planta de forma indiscriminada, essa expressão ficaria limitada aos locais e situações em que ela é necessária”, explica Juliana Dantas de Almeida, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Juliana lista uma série de reações químicas positivas causadas pelos transgênicos no organismo humano e considera que é preciso melhorar a forma como as pessoas encaram tais alimentos. “Ao se alimentar de um produto transgênico, o nosso organismo degrada os componentes do alimento em nosso sistema digestivo. Durante a digestão, moléculas como DNA, proteínas e ácidos graxos (gordura) são ‘quebradas’ em pedaços menores para que sirvam de matéria-prima para substâncias que o nosso corpo produz”, avalia Dantas. A pesquisa com os promotores e a manifestação pontual dos transgenes, em sua avaliação, pode ajudar a “melhorar a percepção pública a respeito dessa tecnologia que tem muito a contribuir com a segurança alimentar, ao mesmo tempo que preserva o meio ambiente”, esclarece. “A tecnologia de transgenia contribuirá para que a agricultura alcance maior produtividade, prevenindo desmatamentos adicionais para o aumento da produção e protegendo ecossistemas. Assim teremos alimentos mais saudáveis, mais nutritivos e mais baratos. No futuro, transgênicos e orgânicos estarão de mãos dadas”, complementa.

Juliana Dantas de Almeida possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa (1996), mestrado em Genética e Melhoramento pela Universidade Federal de Viçosa (1998) e doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz-USP (2004). Tem experiência na área de Biologia Molecular de Plantas, com ênfase em Biologia Celular e Controle da Expressão Gênica. Desde 2005 é pesquisadora da Embrapa, onde atua principalmente nos seguintes temas: expressão gênica, isolamento de promotores e transformação de plantas.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – Como funciona exatamente a sua pesquisa sobre os “promotores”, capazes de restringir a manifestação da proteína transgênica a determinado órgão da planta (fruto, folhas, etc.) ou situação (planta em processo de secagem)? 

Juliana Dantas de Almeida - Uma parte de cada gene é responsável por controlar a sua expressão. É uma sequência de DNA chamada de promotor. O promotor, juntamente com outros fatores presentes na célula, comanda o momento, o local e a intensidade da expressão de um gene. Quando o gene é responsável pela expressão de uma proteína, a produção dessa proteína está condicionada à atividade do promotor do seu gene correlato. Há muitos anos, cientistas e pesquisadores se dedicam a encontrar promotores que possam guiar a expressão de transgenes (os genes usados na transformação genética) de uma forma mais pontual. Isso significa que, ao invés de expressar o transgene em toda a planta de forma indiscriminada, essa expressão ficaria limitada aos locais e situações em que ela é necessária. Existem casos em que é melhor a expressão somente em um determinado órgão (folha, fruto, raiz, flor) ou em uma determinada situação (seca por falta de chuva, geada por baixa na temperatura). No caso da seca, a tecnologia pode ser de grande ajuda no enfrentamento de mudanças climáticas (como mudanças na frequência das chuvas e aumento da temperatura). Uma vez escolhido um gene de interesse, um que produza uma proteína tóxica para a broca-do-algodoeiro , por exemplo, uma praga que compromete a produção do algodão e obriga o produtor a usar uma grande quantidade de agrotóxicos. Uma vez que o alvo da praga é o botão floral, não é necessário nem desejável que a proteína esteja presente em outros órgãos como folha e raiz. Isso porque existe uma série de organismos (pequenos insetos, fungos) presentes na plantação que são benéficos ou inócuos ao ambiente, e a presença da proteína tóxica em toda a planta poderia interferir na sobrevivência desses organismos. Limitando a expressão ao tecido onde ela é necessária, prevenimos essas reações cruzadas e poupamos a planta de um desperdício energético, livrando-a de produzir uma proteína em quantidades acima do que é necessário. Essa abordagem pode levar ao aumento da produtividade, à diminuição dos custos de credenciamento de um OGM e, sobretudo, a cultivares mais amigáveis ao ambiente. 

 

IHU On-Line – Esta técnica permite, uma vez que a proteína transgênica esteja isolada, que o produto consumido da planta seja considerado livre de transgenia? 

Juliana Dantas de Almeida - Não. Via de regra, os métodos de obtenção de transgênicos acarretam uma modificação permanente no genoma do organismo transformado, seja ele uma planta, uma bactéria ou um animal. O genoma de um organismo é igual em todas as células, porém, a maneira como os genes presentes nesse genoma se manifestam nos diferentes tecidos está sujeita a diversos controles. O promotor é um dos principais. O que ocorre com a utilização dessa técnica é que o produto do transgene estará restrito a um determinado órgão (folha, fruto, raiz) ou situação (seca). Aqui, vale a pena esclarecer que, ao se alimentar de um produto transgênico, nosso organismo degrada os componentes do alimento em nosso sistema digestivo. Durante a digestão, moléculas como DNA, proteínas e ácidos graxos (gordura) são "quebradas" em pedaços menores para que sirvam de matéria-prima para substâncias que o nosso corpo produz. Porém, considera-se que a obtenção de transgênicos com a expressão pontual do transgene possa ajudar a melhorar a percepção pública a respeito dessa tecnologia que tem muito a contribuir com a segurança alimentar ao mesmo tempo que preserva o meio ambiente. 

 

IHU On-Line – Trata-se de “combater” a transgenia com transgenia?

Juliana Dantas de Almeida - Não. A transgenia não é algo a ser combatido. É uma tecnologia poderosa, salvadora de vidas. Medicamentos como a insulina são produzidos em bactérias transgênicas. Antes de ser produzida em bactérias, a insulina era extraída de porcos. A incidência de contaminação de seres humanos com doenças vindas dos animais era alta e o custo do tratamento também. A produção da insulina em biofábricas de bactérias transgênicas popularizou o acesso a um medicamento mais seguro e mais barato. Para citar um exemplo vegetal, uma equipe de pesquisadores estrangeiros desenvolve um arroz transgênico capaz de sintetizar a provitamina  A, é o arroz dourado. Esse arroz transgênico está pronto para ser plantado em países da África que enfrentam problemas graves de desnutrição, mas devido a uma percepção errônea, essas populações desfavorecidas têm sido privadas de um alimento que poderia diminuir a cegueira e mesmo a mortalidade por falta de ingestão de provitamina A. 

 

IHU On-Line – Em que etapa está a pesquisa? Que resultados foram obtidos até o momento? 

Juliana Dantas de Almeida - Até o momento, os promotores isolados pela nossa equipe foram testados em plantas modelo que não possuem interesse agronômico. Atualmente estamos realizando testes de desempenho em soja, tomate, milho e cana-de-açúcar. Esses testes são necessários para a avaliação da tecnologia em espécies de interesse agronômico. 

 

IHU On-Line – Considerando seu arcabouço teórico, os alimentos transgênicos oferecem riscos à saúde humana ou são seguros? Por quê? 

Juliana Dantas de Almeida - O lançamento de uma planta transgênica no mercado requer uma série de testes muito rigorosos para comprovar a sua segurança alimentar e ambiental. Esses testes são comparáveis àqueles realizados para o lançamento de fármacos. No Brasil, esses testes são apreciados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que é uma instância colegiada multidisciplinar. Componentes do Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente, das Relações Exteriores, da Agricultura, da Pecuária e Desenvolvimento, da Saúde, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Pesca e Aquicultura, assim como especialistas em biotecnologia, saúde do trabalhador, saúde humana, saúde vegetal, meio ambiente, agricultura familiar e defesa do consumidor têm assento na CTNBio e contribuem para a decisão de liberar ou não um transgênico para plantio e comercialização. Esse modelo de credenciamento é bastante confiável. Portanto, considero que os alimentos transgênicos são seguros. 

 

IHU On-Line – A modificação genética de grãos permitiu que empresas se tornassem proprietárias de determinadas sementes. Com este processo desenvolvido na Embrapa, como fica a questão legal? Trata-se de uma nova categoria de sementes (possibilitando, inclusive, a abertura de patentes) ou é um aprimoramento das já existentes? 

Juliana Dantas de Almeida - Os três métodos de transformação desenvolvidos pela minha equipe e patenteados pela Embrapa são inéditos e estão disponíveis para a utilização nos programas de melhoramento da Embrapa, que é uma empresa pública. Como essa tecnologia ainda não foi testada em plantas de interesse agronômico, ainda não foi acolhida pelos programas de melhoramento por transgenia já existentes. Sendo assim, não é pertinente a discussão de propriedade de sementes. Porém, as novas tecnologias serão utilizadas de acordo com a missão da Embrapa, que é "viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira". 

 

IHU On-Line – Considerando o papel estratégico da Embrapa para agricultura nacional, como tal pesquisa pode contribuir para a agricultura do país, sobretudo considerando os produtores de baixa renda? 

Juliana Dantas de Almeida - Após os testes que estão sendo realizados agora, teremos uma estimativa do desempenho dessas tecnologias em diferentes plantas. A partir daí, esse método poderá ser utilizado em diversas culturas, inclusive aquelas que são plantadas em regime de cooperativa e/ou agricultura familiar. A tecnologia de transgenia tem sido usada, por exemplo, na obtenção de plantas resistentes ou tolerantes a pragas, o que barateia os custos de produção devido à diminuição no uso de agrotóxicos, promove melhores condições de trabalho especialmente para o pequeno agricultor, que muitas vezes cuida da lavoura de forma manual, é mais amigável ao ambiente e mais atraente para o consumidor final, que terá à disposição um produto com menos veneno. 

 

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo? 

Juliana Dantas de Almeida - A tecnologia de transgenia contribuirá para que a agricultura alcance maior produtividade, prevenindo desmatamentos adicionais para o aumento da produção e protegendo ecossistemas. Assim teremos alimentos mais saudáveis, mais nutritivos e mais baratos. No futuro, trangênicos e orgânicos estarão de mãos dadas.

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