Edição 201 | 23 Outubro 2006

De volta para o passado

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IHU Online

João Sicsú é professor no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Economia pela UFRJ. Nesta entrevista, concedida por telefone à IHU On-Line, Sicsú disse que “o Brasil está num movimento de volta para o passado”. “Atribuo isso aos governantes, pois isto foi uma decisão política”, completa.

IHU On-Line já entrevistou Sicsú nas edições 174 e 185. O professor é organizador e co-autor dos livros Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade. Barueri: Manole, 2003 e Novo-desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social. Barueri: Manole, 2005, entre outras publicações. Sua página pessoal-profissional é www.ie.ufrj.br/moeda/sicsu

IHU On-Line – Que diagnóstico econômico o senhor faz do Brasil hoje?

João Sicsú
– O Brasil está parado no tempo. Parado em relação aos países em desenvolvimento. Esses países estão crescendo a taxas muito elevadas, estão se distanciando do Brasil, não só quanto ao crescimento, mas quanto às mudanças estruturais em suas sociedades. Estão se tornando mais educados, com mais geração de tecnologia, com mais capacidade de absorver esta tecnologia, com mais capacidade de produzir bens mais sofisticados. Enfim... E o Brasil está seguindo o caminho inverso. Nosso crescimento é muito baixo, 2,5% ao ano, em média, um crescimento medíocre, insuficiente para as necessidades brasileiras. Na verdade, estamos andando para trás com relação à industrialização, porque o País está se especializando em desenvolver produtos básicos que requerem pouco capital, pouca tecnologia, pouco capital humano, como soja, café, suco de laranja, minério de ferro. Isso tudo vai conformando a história brasileira de uma forma tal que estamos voltando décadas para trás.

Mudança urgente

O Brasil precisa mudar a sua estrutura. Nós precisamos investir drasticamente em educação e em nosso processo de industrialização. O que nos prejudica são variáveis macroeconômicas, ou seja, nenhum país se desenvolve com uma taxa de juros tão alta como a nossa. A taxa de juros que temos não estimula o investimento privado, a geração de empregos. Simplesmente, é sempre mais rentável comprar um título público a comprar uma máquina que gera empregos. Nessas condições, o investimento do governo, também se torna reduzido, pois a despesa do governo para pagar juros é elevadíssima. É aproximadamente 150 bilhões de reais por ano. E na educação? O governo gasta somente 10% disso, ou seja, 15 bilhões por ano. Esta taxa de juros elevada atrai capitais estrangeiros, atrai dólares. O dólar torna-se barato no Brasil e dificulta nossa exportação de produtos industrializados, exportamos cada vez mais produtos básicos, e esses produtos encontram mercados internacionais, apesar dessa taxa de câmbio que não favorece as exportações, porque o seu preço internacional cresceu muito nos últimos anos.

Os países em desenvolvimento, como a Índia, a China e também os EUA e a Europa mantêm uma taxa de crescimento compatível com suas necessidades e são economias que, quando crescem, provocam um movimento grande de exportação de produtos básicos no mundo. Economias grandes, ainda que cresçam pouco, movimentam o mundo. E nós estamos na retaguarda desse movimento de transformação de sociedades que cada dia mais se desenvolvem. Particularmente, países em desenvolvimento como Malásia, Coréia do Sul, China, que estão transformando suas estruturas, estão se industrializando cada vez mais e educando cada vez mais a população. O Brasil está num movimento de volta para o passado.

IHU On-Line – A quem o senhor atribui esta volta no tempo?

João Sicsú
– Atribuo aos governantes, pois isso foi uma decisão política. Um país não segue um rumo inevitável porque nasceu destinado ao atraso, aqui no Brasil foi escolhido o caminho de ficar parado ou andar para trás. Basta querer! O Brasil já provou que pode fazer. Há décadas, o Brasil decidiu que iria produzir aviões. Naquela época, parecia uma decisão exótica. Ou seja um país que estava dando os primeiros passos no caminho do desenvolvimento já avisa o mundo que vai produzir avião, e também não tinha mão-de-obra para isso. Foi feito investimento na formação de pessoal, no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), foi feito investimento na Embraer e anos depois o resultado é que o Brasil que produz soja, café, também pode produzir aviões que são exportados. Sabem para onde? Para os Estados Unidos. Então, é uma decisão de governo: queremos ir para frente ou queremos ir para trás? Nos últimos governos, decidiram que vamos para trás.

IHU On-Line – Dentre os candidatos à Presidência, Alckmin e Lula, o senhor visualiza alguma mudança econômica?

João Sicsú
– Acho que a única diferença entre eles é que, com o Alckmin, vamos mais rápido para trás. Acho que existem correntes dentro do PSDB e do PT que têm intenção em mudar os rumos do País. Mas essas correntes são minoritárias e já se mostraram incapazes de tomar a direção dos partidos e do governo. Na época do FHC, também existiam ministros e economistas que contestavam os caminhos adotados, mas não foram capazes de virar o jogo. O mesmo aconteceu nos quatro anos do governo Lula, ouvimos dizer que existem oposições dentro do governo que querem mudar, e eu acredito nisso, na sinceridade das pessoas, o problema é que essas pessoas não têm força política para mudar. Existe gente disposta a mudar o País nos dois partidos, mas a chance desses grupos de assumirem a condução da política do Brasil é muito pequena e diria que é menor ainda dentro do PSDB.

IHU On-Line – O senhor votou na Heloísa Helena no primeiro turno. O que o senhor esperava dela para a economia do Brasil?

João Sicsú
– Eu esperaria, primeiramente, que ela tivesse feito uma campanha mais concentrada na mudança do modelo econômico. Não tenho a menor dúvida de que o Brasil precisa mudar em quase todas as áreas: fazer uma revolução na saúde, na educação, na cultura, mas o nó é o orçamento do governo, é o desenvolvimento econômico. Com o orçamento mais folgado e com desenvolvimento econômico, abre-se espaço para a revolução nessas áreas. Heloísa Helena deveria ter concentrado a sua campanha na necessidade de mudar o modelo econômico. O Brasil não vai mudar com bolsa família, com o Prouni, com microcrédito, com crédito consignado; todos esses programas são bem vindos. O Brasil vai mudar no dia que gerar milhões de empregos, o dia que o governo conseguir ter uma boa arrecadação, uma reduzida despesa de juros e, portanto, ele terá um orçamento folgado para revolucionar a saúde, a educação, a cultura. E só olhar para os países em desenvolvimento e perceber que todas as mudanças nas áreas educacionais, da saúde etc., que eles fazem, podem fazer porque o governo pode gastar. 

IHU On-Line – O que é ser de esquerda hoje em dia?

João Sicsú
– Ser de esquerda é defender uma sociedade e uma economia com igualdade de oportunidades, com direito universalizado ao emprego e com uma justa distribuição da renda e da riqueza. Em outras palavras, considero-me de esquerda porque sou um radical defensor do acesso universalizado à educação, ao sistema de saúde, à cultura, ao lazer, ao trabalho e com amplas liberdades políticas e de expressão.

IHU On-Line – O senhor escreveu um artigo chamado Rumos da liberalização financeira, quais são as principais idéias do artigo?

João Sicsú
– O governo Lula vem aprofundando a liberalização financeira que o País iniciou em 1992. FHC deu muitos passos nessa direção e o governo Lula vem contribuindo e aprofundando a liberdade para os capitais. Liberalização financeira significa liberdade para os capitais para entrar e sair do País. Esperávamos que o governo Lula estancasse o processo. Com essa liberdade para os capitais se movimentarem, além do problema econômico, trazem para o País uma questão fundamental a ser discutida pela sociedade, referente ao funcionamento da nossa democracia, pois capitais livres no País passam a ter poder político, passam a ter mais força e peso que a própria sociedade. Capitais com liberalização financeira podem causar a qualquer momento uma crise cambial. Liberalização financeira significa dizer que os capitais estão livres para sair na quantidade e momento que desejam. Isso significa dizer que qualquer tentativa de mudança política interna pode ser rejeitada pelos capitais. Eles podem vetá-la, realizando uma fuga do País e, em conseqüência, uma crise cambial. Quem decide se vai ter crise ou não, são 30, 40, 50 analistas financeiros. Enquanto a sociedade vota de quatro em quatro anos, os capitais vetam decisões todos os dias. Bancos e instituições financeiras ganharam poder político no Brasil. A sociedade perdeu poder político. A ela são oferecidos processos eleitorais que não podem mudar nada. Processos eleitorais, portanto, sem a sua essência: que é a possibilidade de mudança.

IHU On-Line – Lula ou Alckmin para presidente?

João Sicsú
– Vou usar uma figura metafórica. O Alckmin vai nos colocar no abismo, Lula nos colocou à beira dele. Da beira do abismo ainda é possível escapar, de dentro dele é muito mais difícil.

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