Edição 409 | 19 Novembro 2012

Política energética: As opções brasileiras em debate

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Cesar Sanson

O mundo é cada vez mais voraz, sedento e insaciável por energia. Os países em todo o planeta perseguem obsessivamente o aumento da geração de energia para dar conta da crescente demanda da produção e do consumo. O Brasil não foge à regra e o tema da energia postou-se como um dos mais importantes na agenda brasileira.

As opções de matriz energética e sua regulação manifestam conflitos entre o público e o privado, interferem em territórios e comunidades e interagem com as crises alimentar e climática. Ainda mais, dizem respeito ao modelo de nação que se quer. É a partir desse contexto que deve ser analisado o Plano Decenal de Energia recém anunciado. Problematizar o anúncio do Plano e contextualizá-lo com o debate maior dos impasses e alternativas da matriz energética é o que se propôs a Conjuntura da Semana sintetizada por Cesar Sanson, doutor em sociologia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR e docente na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, em artigo para a IHU On-Line. A íntegra da conjuntura pode ser acessada no link http://bit.ly/U4i2yL.

Eis o artigo.

O governo acaba de anunciar o Plano de Expansão Decenal de Energia 2021. O Plano é atualizado anualmente e prevê os rumos energéticos do Brasil para os próximos dez anos. O Plano Decenal anuncia forte continuidade em investimentos na área de energia fóssil – petróleo e gás – e em hidrelétricas. As novidades ficam por conta da revisão, na esteira do desastre de Fukushima, na área da energia nuclear – por ora segue apenas a conclusão de Angra 3 – e num incremento maior na energia eólica. Da energia solar nada se fala.

Os maiores investimentos estão previstos para petróleo – incluído o pré-sal – e gás natural: R$ 749 bilhões para os próximos dez anos. As hidrelétricas, por sua vez, seguem em expansão e estimam-se investimentos na ordem de R$ 190 bilhões – o plano fala na construção de mais 24 usinas hidrelétricas, além das que estão sendo construídas para o próximo decênio, a grande maioria delas na Amazônia.

Para as energias renováveis – eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas – os investimentos aumentam um pouco em relação ao plano anterior, de R$ 62,1 para R$ 82,1 bilhões. No entanto, o Plano é lacônico sobre a energia solar: do total de 386 páginas, apenas três parágrafos são dedicados a essa energia. A conclusão do Plano é de que "apesar do grande potencial, os custos atuais desta tecnologia são muito elevados e não permitem sua utilização em volume significativo".

Avanços no Plano Decenal de Energia 

A análise crítica do Plano Decenal de Energia, na visão dos ambientalistas, apresenta três “novidades”. Uma delas é o incremento em energia eólica; a revisão nos investimentos em energia nuclear e a redução em investimentos de usinas térmicas a óleo combustível e diesel.

Tardiamente, o país vai incorporando a matriz eólica. A expansão da energia eólica, porém, ainda é tímida e avança muito mais por conta de investimentos privados do que por ação e investimento do governo. O litoral do Rio Grande do Sul e, sobretudo o litoral nordeste – Rio Grande do Norte e Ceará –, assistem a crescentes investimentos privados. A participação do governo fica por conta dos leilões de instalação dos parques eólicos e a compra da energia.

Sobre os parques eólicos em crescente expansão cabe uma problematização. Apesar de ser considerada uma energia renovável e limpa, a instalação dos parques impactam os territórios locais. O professor Ângelo Magalhães Silva da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERS/RN) destaca que “é comum relatos de moradores afirmando o fim de algumas vegetações nativas, mudança no comportamento de aves, privatização de antigas áreas comunais de plantio, pesca e criação de animais”. Comenta ele: “Não sabemos se os fortes ventos mudam positivamente e com força o futuro de alguns municípios, e o sentido de uso que passa a atribuir os habitantes às suas terras”.

Outra novidade no Plano Decenal encontra-se no quesito energia nuclear. Com o acidente na usina de Fukushima, no Japão, em março do ano passado, o programa nuclear brasileiro passou a ser repensado. O Brasil não prevê novas usinas até 2021. A previsão, portanto, de construir mais quatro usinas nucleares no País até 2030 está suspensa. Angra 3, entretanto, será mantida com a previsão de entrar em operação em 2016.

Retrocessos Plano Decenal de Energia

Como maior e mais evidente retrocesso no Plano Decenal destaca-se a ausência de qualquer menção à energia solar – a segunda fonte que mais cresce no mundo, depois da eólica. No Plano Decenal de Expansão de Energia 2021, como já destacado, apenas três parágrafos (em 386 páginas) são dedicados à solar. A conclusão é de que apesar do grande potencial, os custos atuais desta tecnologia são muito elevados e não permitem sua utilização em volume significativo.

Para o engenheiro florestal Tasso Azevedo, a discussão atual sobre energia solar no País é muito parecida com a que ocorreu em relação à eólica no passado recente. "O governo resistiu muito. A presidente, enquanto ministra de Minas e Energia e depois da Casa Civil (no governo Lula), não acreditava em energia eólica e ponto final (...) com o tempo, ela tende a ser convencida pelos fatos, como ocorreu com a eólica, que está explodindo no País. O problema é que, com isso, a gente fica para trás”. Para Azevedo, falta ousadia no planejamento: "Há uma confusão com a ideia de que ser conservador tem a ver com segurança”.

O pesquisador Instituto de Energia e Eletrotécnica da USP Joaquim Francisco de Carvalho, aponta como decisão da energia solar não ter espaço no planejamento da política energética, a “falta de vontade política”. Segundo ele, “às vezes as pessoas não estão preparadas para assumir determinados cargos relacionados ao setor. Basta ver que a Dilma, quando foi ministra de Minas e Energia, fez muita coisa errada, e tampouco pensou em investir em energia eólica ou solar. Ela só pensava em energia hidrelétrica, por causa do grande impulso da Eletrobrás, ou no gás natural, no óleo combustível e no carvão”.

Outras más notícias do Plano Decenal, na opinião dos ambientalistas, ficam por conta dos altos investimentos em hidrelétricas. Os dados do Plano Decenal de Energia preveem para o período 2012-2021 34 usinas, 15 já tiveram sua construção iniciada e 19 ainda não foram licitadas. A grande maioria está na Amazônia.  No conjunto, uma área de 6.456 quilômetros quadrados deverá ficar debaixo d'água – equivalente ao território somado de dez capitais brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Recife e Maceió.

A construção, por outro lado, de novas usinas na Amazônia vai exigir um novo retalhamento no mapa atual das unidades de conservação do país. Para levar adiante seus principais projetos de geração hidrelétrica, o governo terá de reduzir parte do território de florestas protegidas. Pela lei atual, é proibida a construção de usinas quando elas afetam diretamente as unidades de conservação. Para se livrar dessa restrição, no entanto, o governo decidiu redefinir o território das unidades de conservação.

Há ainda outros problemas, grande parte dos lagos formado pelas barragens atingem territórios indígenas. Pela lei atual, não é permitido construir usinas em casos onde a barragem tenha impacto direto numa terra indígena demarcada. Atualmente, existem 505 terras indígenas no país, cobrindo uma extensão de 106,7 milhões de hectares, o que equivale a 12,5% do território nacional. Segundo a organização Acende Brasil, 897 mil índios – 58% da população indígena – vivem na Amazônia Legal, área onde estão concentrados os principais projetos hidrelétricos do governo. A solução proposta pelo governo é compensar as comunidades indígenas pagando "royalty".

Entre avanços e retrocessos. Balanço final

Na leitura crítica do movimento ambientalista, o Plano Decenal de Energia apresenta pequenos avanços e grandes retrocessos. De acordo com o diretor de Políticas Públicas do Greenpeace Sérgio Leitão criticando a contínua aposta em mega-obras hidrelétricas, “os grandes reservatórios inundam as terras onde vivem milhares de pessoas, destruindo suas vidas, seus projetos de futuro. O Brasil vive um paradoxo. É na democracia que se destrói a lei, porque não se tem a capacidade para fazê-la ser cumprida. Assim foi com o Código Florestal, e assim será com o licenciamento de grandes empreendimentos”, afirma.

A crítica maior, entretanto, ao Plano deve-se aos fortes investimentos na energia fóssil, a maior poluidora. Os já elevados investimentos previstos para petróleo e gás natural aumentaram e a previsão é de que totalizem R$ 749 bilhões nos próximos dez anos (superior aos 686 bilhões do PDE anterior). Segundo Sérgio Leitão, “as prioridades do Plano Energético vão para onde se investe o dinheiro. E o dinheiro vai para o petróleo. Mas que política é essa que o governo não consegue dizer se é viável, se vai dar retorno? Vamos gastar 730 bilhões no pré-sal. Estamos destinando todo o recurso do país para investir num combustível do passado, enquanto o país tem alternativas possíveis. Mas novos paradigmas não são considerados”, diz ele.

O diagnóstico geral para o Plano de Expansão Decenal de Energia 2012-2021 por parte dos ambientalistas é de que apesar de alguns avanços em relação à versão anterior, boa parte de suas premissas e previsões, criticadas há anos pela academia e sociedade civil, continuarão a exercer altos impactos ao meio ambiente e à sociedade nos anos por vir.

Superar os velhos padrões energéticos

A publicação do Plano Decenal recoloca em debate o desafio de repensar, reorganizar e efetivar novas formas de lidar com o potencial energético. Os velhos padrões de organização econômica, totalmente dependentes de matrizes energéticas centralizadoras e poluidoras não se justificam mais em tempos de crise alimentar e de mudanças climáticas. 

Pensando as novas possibilidades oferecidas pelos desdobramentos da Revolução Informacional, Jeremy Rifkin destaca que o “direito de acesso ao conhecimento, a relação paritária, a troca de informações e de música”, comuns na Internet, podem ser valores basilares para se pensar a produção e o consumo de energia na atualidade. Será na superação dos grandes oligopólios energéticos, por meio de fontes descentralizadas, que haverá uma democratização da energia, superando o sistema vertical, estabelecido até aqui, por um sistema horizontal na distribuição de energia.

Ao contrário das velhas e depredadoras matrizes energéticas, segundo Rifkin, “a energia renovável distributiva é encontrada em qualquer metro quadrado do mundo. Vem do sol, do vento, do calor debaixo do solo, do lixo, dos compostos orgânicos gerados pelos processos agrícolas, das marés e das ondas do mar”. Tudo isto acarreta uma verdadeira revolução na forma de concebê-la e utilizá-la, provocando uma quebra de paradigmas.

Essa geração de energia descentralizada, por sua vez, pode ser integrada e distribuída através de redes inteligentes. Segundo Ricardo Baitelo, “redes inteligentes enviam a eletricidade dos pontos de geração até os consumidores, utilizando um sistema de monitoramento completo do fluxo de energia, a partir de tecnologia digital, que permite o rastreamento tanto da energia que entra no sistema, gerada em diferentes pontos, quanto da energia consumida por residências, edifícios e indústrias”. As redes inteligentes permitirão – prossegue Baitelo – “o controle não apenas da geração descentralizada, realizada em milhares de pontos, como também o controle do consumo de aparelhos e eletrodomésticos em residências e edifícios. A proposta de pulverizar o sistema elétrico em uma rede de microgeradores e a revolução provocada por isto guardam semelhanças com a grande pulverização de informação provocada pela Internet”.

Reduzir o consumo de energia, mais do que utopia, uma necessidade

A descentralização da geração e distribuição de energia, por outro lado, precisam ser associadas à redução do consumo. É fácil constatar como em muitas casas, escritórios, universidades, fábricas, há uma enorme quantidade de energia desperdiçada pelo fato de não aproveitarem corretamente a luz natural, o que representa um enorme desafio para a arquitetura.

A eficiência energética passa também pela questão dos transportes. Um automóvel, que carrega uma só pessoa, representa um enorme desperdício de energia quando se leva em conta que um carro pequeno pesa cerca de uma tonelada e transporta cerca de 75 kg.

Seguindo na linha da sobriedade no consumo de energia, é hoje possível diminuir de 40% a 50% o nosso consumo sem comprometer o nosso conforto. Como? Monitorando os desperdícios e as necessidades supérfluas. Estão na mira: "Os outdoors que consomem em média 7.000 kWh por ano, ou seja, o equivalente ao que consomem seis franceses em um ano", exaspera-se Thierry Salomon, engenheiro e presidente da Associação Négawatt. Ou ainda, a má gestão da iluminação pública. O fato é que “hoje, a sociedade está em estado de embriaguez energética", como constata Thierry Salomon. É mais difícil sair deste estado de embriaguez do que aplicar ações e políticas de contenção dos desperdícios em energia.

O grande erro é acreditar que as leis do mercado dão conta de resolver a escassez energética da melhor forma possível e desejável. “Muitos acreditam e manifestam a crença de que o mercado pode ser o responsável pela implantação da filosofia do desenvolvimento sustentável. Acreditam que com o decorrer do tempo, e com o surgimento de novas tecnologias, os problemas ambientais podem ser sanados e superados, resultando uma melhoria no bem-estar social ou mesmo a diminuição das desigualdades sociais”, denuncia Heitor Scalambrini Costa

Segundo ele, “um modelo sustentável só será possível a partir da mudança dos modos de produção e de consumo da sociedade. É a razão capitalista com base no consumismo, no militarismo, e na da lógica de acumulação do capital que está levando o nosso planeta – e os seres vivos que o habitam – a uma situação catastrófica do ponto de vista do meio ambiente, das condições de sobrevivência da vida humana e da vida em geral”, insiste Heitor Scalambrini.

Ganhar em eficiência na produção, distribuição e no consumo de energia são desafios prementes nesse início de século.

Leia mais...

>> De Cesar Sanson publicamos:

Cadernos IHU Ideias número 60, intitulado “A emergência da nova subjetividade operária: a sociabilidade invertida”, disponível para download em http://bit.ly/ZXRhOR; 

Cadernos IHU Ideias número 94, intitulado “Movimento sindical: desafios e perspectivas para os próximos anos”, disponível para download em http://bit.ly/Q4W3qT

 

>> Artigos de conjuntura anteriores:

O “mensalão” e a esquerda. Uma leitura crítica a partir da esquerda. Publicado na IHU On-Line número 406, de 29-10-2012, disponível em http://bit.ly/Sv0uf9 

O Brasil que sai das urnas: Balanço das eleições municipais 2012. Publicado na IHU On-Line número 407, de 05-11-2012, disponível em http://bit.ly/U4qtGl 

Guarani-Kaiowá: A indizível violência contra um povo. Publicado na IHU On-Line número 408, de 12-11-2012, disponível em http://bit.ly/TSbAZJ 

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição