Edição 405 | 22 Outubro 2012

Um microscópio gigante e a procura por um novo mundo físico

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Márcia Junges / Tradução: Luís Marcos Sander

Interações entre físicos e matemáticos têm se mostrado importantes para o avanço da ciência, afirma o Nobel de Física Gerard’t Hooft. Contudo, a aproximação com outros ramos do conhecimento ainda é difícil

O Large Hadron Collider – LHC, acelerador de partículas da Organisation Européenne pour la Recherche Nucléaire – CERN onde foi comprovada a existência do Bóson de Higgs, é, na verdade, um microscópio gigantesco, compara o físico holandês Gerard’t Hooft, prêmio Nobel de Física em 1999, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ele explica que o aparelho não busca somente o estudo da partícula de Higgs: “Estamos investigando um domínio novo do mundo físico”. E acrescenta: “Se essa partícula não existisse, não teríamos conseguido manter aquelas forças infinitas sob controle, e assim surgiu a seguinte pergunta: nós entendemos o que está acontecendo, ou a Natureza é mais inteligente do que nós?”

Hooft questiona se existe apenas uma partícula de Higgs: “Poderia haver várias, talvez até infinitamente muitas, mas, para estabelecer essas coisas, muito mais colisões teriam de ser examinadas”. Laureado com o Nobel por ter elucidado a estrutura quântica da Física de interações eletrofracas, Hooft é professor de Física Teórica no Spinoza Institut, em Utrecht, na Holanda.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Por que encontrar o Bóson de Higgs é tão fundamental na Física experimental quanto encontrar o elo perdido?

Gerard’t Hooft –
As teorias que usamos para descrever as partículas profundamente ocultas dentro dos núcleos dos átomos e para explicar seu comportamento vão bem mais fundo do que aquilo que você talvez tenha lido em artigos de jornal sobre ciência popular. Precisamos ter condições de calcular o que elas fazem, e quanto mais exatas são nossas prescrições, tanto melhor achamos que as compreendemos. Na década de 1970, os princípios nos quais se baseia o comportamento delas foram, finalmente, mais ou menos compreendidos: as partículas têm de obedecer as leis da mecânica quântica, da Teoria da Relatividade e, além disso, vários outros princípios de simetria, mas combinar tudo isso num único esquema abrangente era difícil. Se não observamos com muita precisão o que estamos fazendo, constatamos que nossos cálculos levam a forças infinitamente fortes, o que seria absurdo. O problema era que as partículas não parecem ser tão simétricas quanto exigiriam nossos princípios. Isso poderia ser entendido se pressupuséssemos a presença de um tipo especial de campo, o campo de Higgs. Esse campo teria de apresentar suas próprias vibrações, na forma de pacotes de energia. Essa é a partícula de Higgs. Se essa partícula não existisse, não teríamos conseguido manter aquelas forças infinitas sob controle, e assim surgiu a seguinte pergunta: nós entendemos o que está acontecendo, ou a Natureza é mais inteligente do que nós?


IHU On-Line – Como acontece o processo de colisão de partículas no LHC, que comprovou a existência do Bóson de Higgs?

Gerard’t Hooft –
Em nosso cenário mais simples, existe apenas um tipo de partícula de Higgs. Nesse caso, podemos calcular todas as suas propriedades, com exceção de uma: sua massa. Assim, o que os teóricos fizeram foi considerar todos os valores de massa possíveis e calcular quais seriam os efeitos detectáveis em cada caso. A partícula de Higgs sempre seria muito instável. Se ela fosse leve, decairia predominantemente em fótons, as partículas da luz. Se fosse pesada, decairia predominantemente em várias partículas mais pesadas. Todas elas podem ser detectadas nos detectores de partículas que foram construídos, mas todas essas partículas também são produzidas em outros processos de interação. Assim, o que tinha de ser feito era permitir que as partículas colidissem milhões de vezes, analisar tão acuradamente quanto possível o que acontece em cada caso, registrar as partículas que saíram, medir sua energia com muita precisão e verificar se houvesse qualquer sinal de excesso em qualquer energia dada. Depois, comparar esses dados com os vários cenários. É claro que nos concentramos naquelas partículas que seriam características da de Higgs. Nós sabemos qual deveria ser o excesso. Então perguntamos: o excesso observado é um sinal significativo de que a de Higgs existe? Quão significativo? Os físicos examinaram todos os modos de decaimento possíveis e combinaram todos os dados. Agora eles constatam que estes estão de acordo se pressupomos uma partícula de Higgs com uma massa na região de 125 GeV.


IHU On-Line – Que outras atividades o LHC realiza além dos experimentos sobre o Bóson de Higgs?

Gerard’t Hooft –
O quadro que temos agora ainda é extremamente tosco; queremos entender se os detalhes realmente estão de acordo com as teorias. Será que há apenas uma de Higgs? Poderia haver várias, talvez até infinitamente muitas, mas, para estabelecer essas coisas, muito mais colisões teriam de ser examinadas.

E é claro que a partícula de Higgs de modo algum é a única coisa que queremos examinar. Estamos investigando um domínio novo do mundo físico. O LHC deve ser considerado um microscópio gigantesco. Estamos olhando o mundo físico com um fator de ampliação mais elevado do que jamais fizemos antes. O que vemos? Estamos com esperança de encontrar surpresas reais, mas também há muitas teorias sobre novas estruturas que poderiam se revelar. Por exemplo, uma nova espécie de simetria chamada “supersimetria” (SUSY, na abreviatura em inglês). Essa teoria prediz que cada partícula existente tem uma contraparte com massa mais elevada, mas com um spin ligeiramente diferente. Seria ótimo se o LHC encontrasse essas “partículas com imagem”. Além disso, é conhecido há algum tempo que nosso Universo está repleto de um tipo invisível de partículas chamadas “matéria escura”. Talvez o LHC nos mostre uma nova classe de partículas que possam ser associadas com a matéria escura.


IHU On-Line – Poderia falar sobre a teoria que busca unificar a teoria da Relatividade Geral e a mecânica quântica? Essa teoria permitira descobrir o que acontece dentro dos átomos?

Gerard’t Hooft –
Você está falando da bela teoria de Einstein a respeito da força gravitacional. Ele descobriu como essa força, que controla as estrelas, os planetas e as luas em suas órbitas, pode ser adaptada para ficar de acordo com sua teoria anterior da relatividade chamada “relatividade especial”. Em princípio, essa força também deveria atuar no âmbito das partículas subatômicas, mas aí ela é tão tremendamente fraca que não há esperança de que os experimentos do LHC venham a revelar muito sobre isso. Mas uma coisa que Einstein não pôde realizar foi fazer sua teoria ficar de acordo com a mecânica quântica, na medida em que as partículas subatômicas são quanto-mecânicas. Infelizmente, os efeitos da gravidade no mundo subatômico só seriam visíveis se pudéssemos usar ampliações trilhões de vezes mais poderosas do que aquilo que o LHC pode nos dar. Na teoria, tentamos imaginar o que aconteceria, mas nos deparamos com muitas dificuldades. Por exemplo, o espaço e o tempo poderiam ficar tão “curvados” que se formariam buracos negros. Os buracos negros grandes são estudados rotineiramente pelos astrônomos; pensamos que com seus telescópios eles veem as atividades de buracos negros grandes. No mundo subatômico poderia haver buracos negros muito pequeninos, mas como não podemos realizar experimentos, temos de usar nossa imaginação. Esse assunto é exótico, esquisito. A natureza (ou “Deus”, se preferir) tem mais imaginação do que nós. Estamos avançando lentamente rumo a várias possíveis teorias mais ou menos coerentes, e tentamos imaginar o que mais podemos fazer para combiná-las com observações, já existentes ou novas. Pessoalmente, sou de opinião que ainda temos um longo caminho pela frente.


IHU On-Line – Qual é a importância da transdisciplinaridade, do diálogo entre os saberes para o avanço da ciência, como no caso da teoria unificadora?

Gerard’t Hooft –
Temo que a importância não seja grande. A Física é uma doutrina muito árdua, com suas próprias regras e limitações. É difícil para a maioria das outras ciências aproximar-se de nossas questões referentes aos segredos que estão nas profundezas dos núcleos. Há algumas poucas exceções: a matemática se faz cada vez mais necessária em teorias avançadas, de modo que há muita interação entre matemáticos e físicos (teóricos). Os teoremas matemáticos avançados podem ser muito úteis, e às vezes os físicos apresentam questões novas e originais para a ponderação dos matemáticos. Uma área de pesquisa afim é a ciência da computação. Podemos escrever programas inteligentes para simulações computadorizadas? Além disso, podemos imitar nosso mundo comparando-o com um computador? Podemos usar fenômenos físicos como efeitos quanto-mecânicos para construir computadores mais potentes?

Agora um assunto bem diferente: algumas de nossas ideias teóricas tangenciam questões filosóficas, como a filosofia referente ao método científico, à natureza das questões levantadas e aos métodos usados para abordá-las. Mas há também a questão dos princípios filosóficos subjacentes a nossas teorias, como, por exemplo, se nosso mundo é determinista, se existe livre-arbítrio, se existe um universo fora do nosso, se faz sentido fazer esse tipo de perguntas, etc. Assim, nós interagimos com os filósofos, mas às vezes essas pontes são longas e estreitas.


IHU On-Line – Nesse sentido, qual é a importância do Instituto Spinoza para a pesquisa da Física numa perspectiva unificadora e integrada?

Gerard’t Hooft –
Essa é uma boa pergunta. Originalmente, o Instituto Spinoza  pretendia ter campos das ciências naturais diferentes, afins, sob seu teto. Hoje em dia, entretanto, é a física teórica que predomina. Nós combinamos efetivamente todos os ramos da física teórica: física matemática, teoria das cordas, física das partículas, física da matéria condensada, matéria condensada mole, ciência da computação. Estamos interessados na interação desses temas. Nem todos os institutos de teoria têm uma combinação tão rica debaixo de seu teto.

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