Edição 405 | 22 Outubro 2012

A polêmica acerca da “partícula Deus”

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Márcia Junges

Tão logo figurou nas manchetes dos principais jornais do mundo, o Bóson de Higgs recebeu uma alcunha nada modesta. A “Partícula Deus”, como passou a ser chamada por diversas publicações, não tem originalmente laivos religiosos, e está longe de ter sido a responsável pela criação da vida no cosmos. Questionados sobre o sugestivo apelido, alguns dos entrevistados dessa edição explicam como surgiu a expressão. Confira.

IHU On-Line – Por que o Bóson de Higgs foi apelidado de Partícula de Deus?

Guy Consolmagno, SJ: “Isso foi quase uma piada; o nome the God particle provém de um livro escrito pelo especialista em física de partículas Leon Lederman , que comentou que queria dar-lhe o nome de “partícula maldita” (the goddam particle) porque era muito difícil de descobrir, mas seu editor não deixou que ele fizesse isso. O nome foi adotado por jornalistas preguiçosos que procuram uma forma de fazer com que suas matérias pareçam importantes, sem que eles mesmos entendam qualquer coisa da razão pela qual o material de que estão falando é efetivamente importante”. Cientista do Observatório Vaticano, em Roma, Itália

Gabriele Gionti, SJ: “A ‘Partícula de Deus’ era um livro de ciência popular escrito há 20 anos pelo físico Leon Lederman. Ele usou esse nome para designar o Bóson de Higgs porque esta partícula era bastante esquiva para se detectar. Esquiva e invisível como ‘Deus’. Mas realmente não há qualquer relação entre o Bóson de Higgs e Deus. Várias décadas se passaram desde a formulação teórica do mecanismo de Higgs e sua detecção experimental efetiva. Muitos doutorandos gastaram seu tempo de pesquisa coletando dados para detectar o Bóson de Higgs em muitos aceleradores de partículas, como o Tevatron  no Fermilab , e o LEP  na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear - CERN. O LHC  do CERN foi o primeiro acelerador de partículas capaz de detectar o Bóson de Higgs”. Cientista do Observatório Vaticano, em Roma, Itália

Marcelo Gleiser: “A partícula Higgs não tem nada a ver com Deus! Este é um fenômeno interessante da mídia, iniciado pelo livro do prêmio Nobel Leon Lederman, que tem este título. Segundo ele, queria dar o nome em inglês de “The Goddamn Particle”, algo como “A desgraçada partícula”, porque não a conseguia encontrar. Mas seu editor sugeriu tirar o damn do título e a coisa pegou. Como o Bóson de Higgs tem um papel muito importante, dando massa a todas outras partículas de matéria, a analogia com uma divindade que está em tudo e em todos inspirou a imaginação coletiva”. Professor no Dartmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos

Arthur Maciel: “Pode-se dizer que este apelido é fruto de um equívoco ou mesmo de uma piada. De um modo geral ele perturbou a comunidade científica por sua sugestão, certamente não intencional, de que o Bóson de Higgs (ou para tanto qualquer outra partícula fundamental) poderia representar uma conexão entre a ciência e a religião. Obviamente tal questão não pode ser reduzida a termos tão simples, e mesmo situa-se totalmente fora do escopo científico. Então por que o apelido? Um ex-diretor do Fermilab (laboratório nos EUA que abriga um acelerador de partículas, o Tevatron) chamado Leon Lederman, físico de renome, prêmio Nobel em 1998, muito simpático e também irreverente, escreveu um livro de divulgação científica sobre o então hipotético Bóson de Higgs. E deu ao livro o título de The goddamned particle, ou “a partícula maldita”. Por quê? Simplesmente devido a todos os esforços já dispendidos até então para descobrir sua existência, e sem sucessos. Uma espécie de desabafo piadístico pela frustração dos cientistas. Ora, seu editor dissuadiu-o de um título assim agressivo, e sugeriu The God particle, que eventualmente “colou”. Tornou-se uma figura de referência para o Bóson de Higgs, gerando assim, e infelizmente, tanta discussão vazia, tantas interpretações e significados inexistentes. Naturalmente havia uma razão para a sugestão do editor de Lederman, mas nada de cunho religioso. Apenas o fato de que, devido à condensação do vácuo provocada pelo campo de Higgs, as partículas adquirem suas massas, e com elas suas identidades e, com as diferentes identidades, a enorme variedade que se observa na natureza. Por exemplo, pode-se dizer que a possibilidade da formação de átomos estáveis é uma consequência indireta desta condensação atribuída ao campo de Higgs. Ora, átomos estáveis geram os elementos que geram as moléculas, a química, os aminoácidos, a vida. Apenas uma sequência de processos naturais em evolução, e que não contribuem especificamente para a questão religiosa. Esta continua uma opção pessoal, uma decisão de cada indivíduo, como sempre foi”. Pesquisador em física de altas energias no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, e membro de uma equipe no Fermilab

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