Edição 394 | 28 Mai 2012

Uma teologia simpática

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Graziela Wolfart e Luis Carlos Dalla Rosa

Pedro Rubens define a teologia de João Batista Libânio como uma “comunicação ‘simpática’ do Evangelho”

Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, o reitor da Universidade Católica de Pernambuco – Unicap, Pedro Rubens, aponta que o próprio itinerário de João Batista Libânio indica duas perspectivas principais a serem vislumbradas, em diálogo e continuidade com sua fecunda produção: “por um lado, a riqueza de temas abordados reclama uma reflexão fundamental dos mesmos e da própria teologia, no sentido de elaborar uma criteriologia; por outro, a necessidade de repensar as tarefas de uma teologia fundamental no contexto atual, singular em diferentes regiões do mundo, mas, de forma geral, definido, no Ocidente, com os termos de pós-modernidade e pós-cristianismo, mas não menos povoado de fenômenos religiosos”. Para Pedro Rubens, a “fecundidade do pensamento de Libânio é expressiva e simplesmente impressionante: eis um primeiro grande aporte do nosso teólogo, sobretudo se considerarmos, como se deve, o contexto de um país como o Brasil, onde a produção teológica ainda é bastante tímida e inexpressiva”. 

Reitor da Universidade Católica de Pernambuco – Unicap, Pedro Rubens é formado em Filosofia e Teologia pela Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia – FAJE. Cursou o mestrado e o doutorado no Centre Sèvres, Faculdades Jesuítas de Paris. Sua tese leva o título La foi vécue au pluriel. Penser avec Paul Tillich, un discernement théologie du croire en contexte brésilien e deu origem à obra O Rosto Plural da Fé: da ambiguidade religiosa ao discernimento do crer (São Paulo: Loyola, 2008). De sua produção bibliográfica citamos Karl Rahner em perspectiva (São Paulo: Loyola, 2004), Karl Rahner: 100 anos. Teologia, filosofia e experiência espiritual (São Paulo: Loyola, 2005), em parceria com Francisco Taborda.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que marca a presença de Libânio em sua caminhada pastoral e teológica?

Pedro Rubens – Libânio foi meu professor e diretor de estudos na graduação de Teologia, na FAJE. Para além dessas funções, dois episódios foram determinantes: primeiro, o exercício de escrever um livrinho juntos, ainda na conclusão dos estudos de Teologia (Vida e Morte, desafios e mistérios, Paulinas, 1994); em segundo lugar, merece registro a influência de Libânio na definição do campo de minha pesquisa doutoral (Teologia Fundamental). Nesse passo, uma vez concluído o doutorado (Paris, 2001), tocou a mim a “sucessão” de Libânio nessa “cátedra”, na FAJE, onde lecionei durante quatro anos (2001-2005). Em 2006, fui nomeado reitor da Unicap, onde continuo minha pesquisa e docência em Teologia Fundamental.

IHU On-Line – O que caracteriza a teologia e o pensamento de Libânio?

Pedro Rubens – Diante da imensidão da obra, arrisco dizer que a teologia de Libânio é uma comunicação “simpática” do Evangelho. Excelente comunicador, a sua teologia reflete a capacidade de síntese e transmissão, conjugando, por um lado, ampla cultura geral e teológica e, por outro, genialidade na “tradução” das questões mais complexas em palavras simples e claras, com um estilo agradável, poético e bem-humorado. Assim, Libânio consegue uma grande “empatia” com os mais diferentes públicos, sabendo adaptar-se, sem perder o humor e sem descuidar da busca de profundidade: faz uma teologia “simpática”. Esse jeito de fazer teologia está intimamente relacionado ao Concílio Vaticano II, do qual Libânio é herdeiro fiel, estudioso crítico e promotor criativo. Associar, portanto, o jeito de fazer teologia de Libânio com a comunicação é mais do que destacar suas qualidades docente e pastoral, igualmente verdadeiras. Trata-se fundamentalmente de relacionar a forma pastoral do Vaticano II com o exercício teológico desse jesuíta mineiro. Na verdade, a comunicação corresponde não apenas a uma noção central, mas à própria dinâmica do Concílio, desde a preparação, a realização do evento, a interpretação dos documentos e a recepção, esta ainda em curso. A teologia libaniana está inscrita nesse movimento, sobretudo como ato de recepção criativa, momento no qual o Brasil e a América Latina, em separado ou juntos, merecem destaque. A comunicação, portanto, não figura apenas como uma maneira de transmitir um tema teológico conciliar importante (Dei Verbum , Sacrosanctum Concilium , Inter Mirifica), mas, sobretudo, deve ser considerada como valor intrínseco à própria dinâmica do Concílio, em sua concepção de diálogo com a sociedade, perspectiva pastoral e visão ecumênica. Enfim, para o nosso professor emérito de Teologia Fundamental, todo o esforço de comunicação repousa sobre a interpretação pós-conciliar da revelação como “autocomunicação de Deus” (cf. K. Rahner), rompendo, assim, com o esquema apologético das “verdades reveladas”, paradigma do Vaticano I, para afirmar que o fundamental da revelação divina é o próprio Deus.

IHU On-Line – Como o senhor situa Libânio no âmbito da teologia sistemática e fundamental?

Pedro Rubens – No Brasil, o ensino, os estudos e publicações de Teologia Fundamental são inseparáveis da biografia intelectual de João Batista Libânio: teologia como biografia, para dizer como outro João Batista (Metz). Além da fecunda e longa experiência docente, coube a Libânio a publicação do primeiro manual brasileiro, abordando o tema principal da jovem disciplina: Teologia da Revelação a partir da Modernidade (São Paulo: Edições Loyola, 1992). Pouco tempo depois, o mesmo autor lançou um segundo livro: Eu creio, nós cremos (São Paulo: Edições Loyola, 2000). Essas duas obras fazem uma releitura dos tratados tradicionais e, do ponto de vista metodológico, entre o primeiro e o segundo livro, há uma mudança de perspectiva significativa: enquanto o primeiro livro parte da Revelação em seu confronto e diálogo com a Modernidade, o segundo trata da experiência de fé no singular (eu) ou no plural (nós). Não seria justo, porém, reduzir a essas obras as reflexões de teologia fundamental do teólogo mineiro: de fato, uma série de estudos dos fenômenos religiosos e outros temas de sociedade completariam, de certa forma, o elenco dos “problemas-fronteiras” assumidos pela agenda da teologia pós-conciliar, conforme biografia anexa a esta edição. De toda sorte, o próprio itinerário de Libânio indica duas perspectivas principais a serem vislumbradas, em diálogo e continuidade com sua fecunda produção: por um lado, a riqueza de temas abordados reclama uma reflexão fundamental dos mesmos e da própria teologia, no sentido de elaborar uma criteriologia; por outro, a necessidade de repensar as tarefas de uma teologia fundamental no contexto atual, singular em diferentes regiões do mundo, mas, de forma geral, definido, no Ocidente com os termos de pós-modernidade e pós-cristianismo, mas não menos povoado de fenômenos religiosos.

IHU On-Line – Como a opção preferencial pelos mais pobres tem impactado na trajetória de Libânio?

Pedro Rubens – Libânio assumiu a Opção Preferencial pelos Pobres (OPP) de forma “discreta” e, ao mesmo tempo, efetiva e afetiva. De uma parte, ele não ficou identificado com as polêmicas e polarizações que a OPP suscitou: não apenas por um estilo “mineiro” e conciliador de ser, mas por apostar naquilo que estava mais profundamente implicado em tal opção; nesse passo, a posição “discreta” do mineiro assume a forma jesuítica de uma realidade “discernida”, expressa em sua busca de ampliar a compreensão da OPP. De outra parte, não se pode duvidar da “efetividade” e importância capital dessa opção na sua maneira de pensar e fazer teologia; dinamizadora de seu exercício intelectual, a OPP encontra sua expressão “afetiva” em sua vida pessoal e pastoral, conforme atestam a maneira despojada de viver e as múltiplas formas de assessorias (cursos, encontros, etc.), bem como a sua colaboração direta e continuada em meios populares, notadamente em Vespasiano, na periferia de Belo Horizonte, Minas Gerais.

IHU On-Line – Qual a relação e a contribuição de Libânio junto às Comunidades Eclesiais de Base?

Pedro Rubens – Fica difícil mensurar a contribuição de um teólogo como Libânio nas Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, tanto pela amplidão de sua atuação (direta e indiretamente) como pela complexidade da realidade que batizamos de CEBs. Por exemplo, ele contribuiu diretamente em vários encontros intereclesiais, em momentos diversos: antes (assessorias), durante (participação) e depois (escritos). Essas formas de participação e, sobretudo, essa relação com o “povo das CEBs”, por sua vez, contribuíram significativamente em sua maneira de fazer teologia: docência, conferências e escritos. Portanto, houve uma relação de mão dupla e, nesse passo, seria interessante escutar o próprio Libânio sobre o assunto. 

IHU On-Line – Como o senhor avalia a importância do pensamento e da teologia de Libânio para o diálogo inter-religioso?

Pedro Rubens – A maneira como Libânio faz teologia poderia contribuir para qualquer diálogo, sobretudo pela sua capacidade de fazer sínteses e valorizar o que é central em cada experiência, comunicando-a de forma simples e apaixonante. Nesse passo, várias análises feitas da situação religiosa no contexto brasileiro, por exemplo, poderão preparar o terreno para avançar, antes do diálogo propriamente dito, na pré-compreensão da experiência do outro, seja ela definida como religião, religiosidade, espiritualidade ou fé (para fazer um tipo de distinção que é bem típica de Libânio). Dito isso, não creio que as maiores contribuições do autor sejam nesse domínio, tão importante quanto complexo.

IHU On-Line – Levando em conta o atual contexto eclesial e social, que perspectivas se abrem a partir de Libânio?

Pedro Rubens – A fecundidade do pensamento de Libânio é expressiva e simplesmente impressionante: eis um primeiro grande aporte do nosso teólogo, sobretudo se considerarmos, como se deve, o contexto de um país como o Brasil, onde a produção teológica ainda é bastante tímida e inexpressiva. Embora professor e pesquisador acadêmico reconhecido, Libânio fez uma opção clara, a saber: oferecer permanentemente a uma gama variada de leitores, uma releitura da realidade social e eclesial da fé cristã. Isso não significou tornar-se um “vulgarizador” ou palestrante de “aula espetáculo”, pois manteve continuamente sua relação com o ensino, a pesquisa e o acompanhamento de estudantes. Nesse exercício da “profissão teólogo”, Libânio é um descortinador de horizontes, antecipando-se a várias situações e não deixando a teologia brasileira sem uma palavra pública, embora sempre situada. Reafirmo, enfim, a grande contribuição de uma teologia como “comunicação simpática”, sempre atenta à mudança do contexto e sensível a entrar em relação de empatia com os mais diferentes públicos. Afinal, não seria a comunicação, ad intra e ad extra, um dos problemas cruciais da Igreja e do cristianismo? Em todo caso, com essa qualidade primeira, Libânio fez ecoar nos quatro cantos do Brasil a voz da Igreja e da teologia pós-conciliar, graças aos inúmeros cursos, palestras e escritos. Além da gratidão e homenagem bem merecidas ao mestre, não seria despropositado desejar que nesse 50º aniversário do Vaticano II, a obra e a vida de Libânio despertassem o aprofundamento deste “novo Pentecostes”, ainda em fase de recepção.

Leia mais...

>> Pedro Rubens já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Confira:

“O papel social da religião mudou”. Entrevista publicada na IHU On-Line número 302, de 03-08-2009, disponível em http://bit.ly/LHX8Dx.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição