Edição 197 | 25 Setembro 2006

Em qual país é esta eleição?

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Reproduzimos a seguir o artigo de Washington Novaes, publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo em 22-9-2006.

Novaes é jornalista especializado nas questões ambientais. Bacharel em Direito e jornalista há mais de 45 anos, já foi repórter, editor, diretor e colunista em várias das principais publicações brasileiras, entre as quais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Última Hora, Correio da Manhã, Veja e Visão. Na televisão, foi editor-chefe do Globo Repórter, editor do Jornal Nacional e comentarista do programa Globo Ecologia e de telejornais das redes Bandeirantes e Manchete. Ganhou, entre outros, o Prêmio de Jornalismo Rei de Espanha, o troféu Golfinho de Ouro e o Prêmio Esso Especial de Meio Ambiente. Também foi consultor do primeiro relatório nacional sobre biodiversidade. Participou das discussões para a Agenda 21 brasileira. Atualmente, é colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Popular, de Goiânia. Entre suas publicações destacam-se A década do impasse: da Rio-92 à Rio + 10. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. Xingu: Uma flecha no coração. São Paulo: Brasiliense, 1985. A quem pertence à informação? Petrópolis: Vozes, 1996.

Novaes concedeu a entrevista O que está em jogo na Convenção do Clima em Montreal, à IHU On-Line edição número 167, de 5-12-2005 e a entrevista O século XX foi o mais quente da história da Terra. Ambas estão disponíveis para download na página do IHU, www.unisinos.br/ihu.

É inquietante observar que, a poucos dias das eleições para presidente da República, governos dos Estados, parlamentos federais e estaduais, as mal chamadas questões ambientais - as que dizem respeito ao meio físico, concreto, em que vivemos - continuam, como nos pleitos anteriores, tão distantes das discussões que se travam que se pode, no final das contas,perguntar: mas em que país se disputam essas eleições? Será em Plutão, que acaba de ser rebaixado, nem planeta mais é?

Muitas vezes tem sido citado aqui o pensamento do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, segundo quem os problemas que ameaçam a sobrevivência da espécie humana são as mudanças climáticas em curso e a insustentabilidade dos padrões mundiais de produção e consumo. Se é assim, essas questões deveriam estar no centro das discussões sobre o futuro do País. Mas não estão.
Qual é, por exemplo, a estratégia brasileira para enfrentar mudanças climáticas? Não está na pauta. Mas já começamos a sofrer com elas, inclusive em áreas que - estas, sim - geram preocupações: estamos perdendo partes de safras por causa de secas, inviabilizando culturas por causa do aumento da temperatura; estamos tendo custos cada vez mais altos com inundações, deslizamentos de terras, inviabilização de rodovias.

Qual é a situação nacional num modelo global que já consome mais recursos e serviços naturais do que são repostos pelo planeta? Também já consumimos além da reposição, dizem os relatórios internacionais. Mas temos uma situação privilegiada em relação a vários recursos - água, biodiversidade, solo, níveis de insolação. Só que nem sequer pensamos em adequar nosso consumo, muito menos em conceber uma estratégia que coloque a situação privilegiada - abundância dos fatores escassos no nível planetário - como fundamento central da ação nacional. E nem discutimos isso numa campanha eleitoral, para que a sociedade possa informar-se, exigir novas posturas e estratégias.

E como é assim, não conseguimos discutir e formular políticas adequadas para a Amazônia, por exemplo, que coloquem em primeiro plano não a devastação para exportar madeiras e outros produtos primários - ou subsidiados -, em vez de termos uma política que coloque antes de tudo o conhecimento científico e o aproveitamento da biodiversidade mais rica do mundo - cessando com o desmatamento e as ameaças de mudanças climáticas e comprometimento de fluxos hidrológicos. Ou uma política de conservação, que privilegie áreas indígenas (o caminho mais eficaz para a conservação) e permita o pagamento às populações de baixa renda para fiscalizarem e atuarem na preservação.

Quando a discussão ameaça aproximar-se do concreto - como é o caso da questão do abastecimento nacional de energia elétrica -, quase invariavelmente toma logo um desvio em que se tenta qualificar a preocupação com a conservação de recursos como “obstáculo ao desenvolvimento”. Sem sequer discutir qual é o modelo energético nacional, suas alternativas, as possibilidade de conservar energia, em lugar de ampliar a potência instalada. O Cenário Tendencial preparado pela Unicamp para o WWF e divulgado há poucos dias diz que “a adoção de um cenário elétrico sustentável poderá gerar economia de R$ 33 bilhões para os consumidores e diminuir o desperdício de energia elétrica em até 38% até o ano de 2020”. É muito. E isso seria possível com maior eficiência na geração e transmissão de energia, racionalidade no consumo e aumento da utilização de fontes renováveis de energia, como biomassa, eólica, solar e de pequenas hidrelétricas. Mas, se é assim, como não se discute com a sociedade no momento em que as forças políticas assumem compromissos de planejamento? Principalmente com esse estudo dizendo que por esse caminho será possível criar 8 milhões de empregos e estabilizar a emissão de gases do efeito estufa?
E quando se fala em biomassas, é indispensável dizer à sociedade que caminhos serão trilhados. Vai-se associar a geração de biomassas para a produção de energia à agricultura familiar e ao esmagamento na fonte de produção (para agregar valor), de modo a descentralizar a geração de renda? Ou se vai seguir no velho modelo de concentrar a renda nuns poucos megaprodutores?
E na questão dos recursos hídricos, por onde vamos caminhar - no momento em que chegamos ao contra-senso de minguar a água nas Cataratas do Iguaçu, de racionar o fornecimento em Curitiba e Manaus (no encontro dos Rios Negro e Solimões, formando o Amazonas !)? E tudo isso num país que tem 12% da água superficial do planeta. Vamos continuar dizendo que se fará a transposição de águas do Rio São Francisco para atender às necessidades de milhões de vítimas da seca - quando sabemos que a água transposta jamais chegará às microcomunidades isoladas, que são as principais vítimas da seca, e que se destinará primordialmente aos macroprojetos de exportação de frutas, camarões e pouco mais?

Não conseguimos sequer colocar na pauta do debate temas como o da gripe aviária - que continua a ser gravíssima ameaça, capaz de produzir prejuízos de até US$ 2 trilhões, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMC) - ou da debilidade do nossos sistema de defesa sanitária na área de carnes, ameaçando um dos principais itens de exportação e o próprio consumidor interno.
Seguimos como se, no concreto, estivéssemos no melhor dos mundos e só precisássemos nos ocupar de juros, taxas de crescimento da economia, balanço de pagamentos e adjacências. Tudo isso é importante. Desde que haja chão consistente por baixo. Temos?

 

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