Edição 197 | 25 Setembro 2006

O farol da crítica do cinema brasileiro

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IHU Online

Em um tempo em que a reflexão anda em baixa no jornalismo diário o espaço das sextas-feiras, no Jornal Comércio, de Porto Alegre, funciona como uma trincheira de resistência da crítica cinematográfica no País para Hélio Nascimento. O texto sobre cinema que encontramos na sua coluna no JC vem sendo desenvolvido desde os anos 1960, consolidando um local onde o jornalismo cultural pode, enfim, fugir á superficialidade, á desinformação e ao modismo.

Um dos livros publicados por Hélio Nascimento chama-se O Reino da Imagem, Edição da Prefeitura de Porto Alegre, em 2002.  Leia a seguir a entrevista exclusiva que a IHU On-Line realizou por telefone com o jornalista Hélio Nascimento, um dos maiores críticos de cinema do Brasil que falou da produção atual do cinema brasileiro, crítica de cinema, distribuição, televisão-cinema e documentários.

IHU On-Line - O senhor acredita que o cinema brasileiro atual já apresenta uma variedade de assuntos que fogem um pouco aos temas sociais e à violência, como Carandiru e Cidade de Deus?
Hélio Nascimento
- O que temos notado é que essa diversificação se manifesta em produtos comerciais, em filmes construídos na popularidade de astros da televisão, comediantes, atores, quando não em filmes de classe média, calcados em novelas de tevê. O que lamentamos muito, eu particularmente, é que essa dificuldade que o cinema brasileiro tem de filmar a classe média, a classe mais alta também, ela se manifesta em concessões indesculpáveis da tevê. Iluminação, gestual e maquiagem de tevê, isso torna a coisa muito artificial. Alguns filmes, inclusive, são produzidos por uma rede de televisão. São feitos em 35 milímetros, mas com técnica de televisão. Vemos, então, muitos primeiros planos, iluminação exagerada e depois quando vemos o projeto no cinema se torna um filme muito artificial. Essa diversificação pode existir, mas não no bom sentido. Isso está diluindo a qualidade daqueles filmes, alguns citados, que procuram abordar a questão social.

IHU On-Line - Como o senhor vê os documentários feitos no País?
Hélio Nascimento
- Houve uma fase muito boa dos documentários. Sobretudo em um documentário, que eu acho maravilhoso chamado Edifício Master (2002), de Eduardo Coutinho. Se olharmos esse documentário, que conta com mais ou menos umas 30 entrevistas, vamos notar que involuntariamente ele aponta um caminho para o cinema brasileiro, que é a concessão de personagens, porque, de cada personagem que surge no filme, nós temos uma história Há praticamente um roteiro pronto, indicando que o cinema brasileiro tem de fazer filmes com base em personagens e não fundamentado em idéias de diretores que pode existir, mas não deveria ser imposto. Acho que qualquer tipo de mensagem ou constatação tem que emanar dos personagens e não apenas ser colocado no filme. Tem de ser algo natural, não imposto.

IHU On-Line - O senhor está observando alguma inovação no campo cinematográfico nestes últimos filmes que entraram no circuito de exibição nacional?
Hélio Nascimento
- Infelizmente a fase do cinema brasileiro não é boa. O que estamos vendo são filmes produzidos mediante recursos oriundos de renúncia fiscal. São filmes que já estão pagos e, mesmo que se constituam em grandes fracassos de bilheteria como Gaijin 2 (2005) que não fez 100 mil espectadores ou um documentário como Mensageiras da Luz – Parteiras da Amazônia (2004), que não teve 200 pessoas que o viram no País. Quer dizer, não importa que façam 30, 3 mil ou 90 mil espectadores, esses filmes já estão pagos com recursos públicos. Então, há gente que apóia esse tipo de coisa. Eu não vejo assim, esse tipo de filme tira qualquer tipo de responsabilidade dos produtores. Não importa se o filme vai falar ao público, se vai ou não encontrar o seu público, o filme já está pago, ele já existe. Então podemos brincar de cinema à vontade, pode fazer filme para nós mesmos, para os seus amigos, para os colegas de profissão, pode discuti-los em festivais, em simpósios. Mas público, que é bom, é raro.

IHU On-Line - Como explicar o problema de filmes que passam com sucesso em São Paulo e Rio de Janeiro não serem exibidos no circuito gaúcho? Ainda é o problema da distribuição?
Hélio Nascimento
- De um modo geral, os filmes brasileiros hoje são lançados simultaneamente nas praças maiores. São poucos, é muito reduzido o número de filmes nacionais realizados por diretores de algum renome que não sejam lançados em Porto Alegre. O problema é que alguns filmes, quando são lançados no Rio de Janeiro ou São Paulo, vão tão mal de bilheteria que os exibidores aqui dão um jeito de não cumprir a obrigatoriedade com eles. Mas isso não é a regra geral.

IHU On-Line - Que filme nacional o senhor viu ultimamente que lhe causou boa impressão?
Hélio Nascimento
- Mesmo sendo acusado de ser um pouco intransigente, acho que esse ano eu não vi nenhum filme brasileiro que realmente me interessasse muito, que me deixasse entusiasmado. Isso eu digo com alguma tristeza, pois o que nos deixa realmente alegre é ver um bom filme nacional. Eles, porém, estão ausentes nos últimos tempos. Acho que está havendo uma dificuldade muito grande em construir personagens reais, verossímeis. O cineasta brasileiro anda com dificuldade de filmar o cotidiano da classe média. Filmes como Cidade de Deus (2002) e Carandiru (2003) são filmes bem feitos e tal. Mas para falar com toda a franqueza, o filme brasileiro de que eu mais gostei destes últimos tempos foi o Os Dois Filhos de Francisco (2005), do Breno Silveira, pois tinha nesse filme os personagens, e além de se basear em fatos verídicos, o filme foi muito bem feito. Também foi importante por ser um filme voltado ao grande público, até para aquele que não gosta da música dos dois biografados. Mesmo porque a música não estava tão presente, só no final do filme. Eu acho que é um filme notável, com várias seqüências primorosas. E claro, o filme do Eduardo Coutinho, Edifício Master. Esses dois filmes são obras realmente de exceção num panorama que anda muito desalentador. Os filmes estão maniqueístas, ingênuos, filmes de crítica muito superficial, muito lugar comum, muita televisão, muita ingenuidade com relação aos personagens marginais. O cinema brasileiro, e de resto, não só o cinema brasileiro, a cinematografia atual não anda passando uma boa fase. O que não quer dizer que não haja bons filmes às vezes. De um modo geral, o cinema está desestimulante. Eu acho que uma das causas para esse momento fraco do cinema brasileiro é que os filmes estão pagos.

IHU On-Line - E a crítica cinematográfica como anda?
Hélio Nascimento
- Em primeiro lugar, os jornais têm muito pouco espaço, como, por exemplo, os jornais do Rio de Janeiro. Sexta-feira, que é dia de estréias, os editores colocam 20 ou 30 linhas para o crítico dizer se o filme é bom ou ruim. Não dá para fazer mais nada do que isso. Segundo, eu vejo algumas tentativas frustradas de fazer humor, de fazer piada, como se o cinema deixasse de ser uma coisa séria. Realmente é lamentável que o espaço para a crítica de cinema tenha sido muito reduzida nos últimos anos. O que eu tenho notado também é uma falta de profundidade, mas isso pode ser pela falta de espaço. Não vamos atacar ninguém. É que os jornais não estão dando tanta importância como davam antes à crítica. Não tem havido mais a tentativa de interpretação dos filmes, de olhar o filme com uma visão da realidade. Ficam apenas falando dos atores, da filmografia do diretor e passam por cima do resto. Para uma palavra, com as exceções que sempre existem, a crítica está muito superficial nos dias atuais.

IHU On-Line - O cinema brasileiro vive de ciclos ou já está concretizado entre os filmes populares, na maioria produzidos pela Globo Filmes, que atingem boa bilheteria no País?
Hélio Nascimento
- Esses filmes estão indo bem, os filmes produzidos pela tevê. Inclusive o último filme do Daniel Filho, Se eu Fosse Você (2006), passou de um milhão de espectadores. E o documentário Mensageiras da Luz – Parteiras da Amazônia, fez 135 espectadores. Os dois filmes recordistas no Brasil eram Tubarão (1975) e Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), ambos superaram 12 milhões de espectadores. Depois veio o Titanic (1997), e fez 18 milhões. Hoje, um filme como este do Daniel Filho com 1 milhão e 300  mil espectadores e alguns filmes norte-americanos faz quatro ou cinco milhões de público. Então, diminuiu muito a freqüência. E o cinema brasileiro não vai muito bem, não. Inclusive alguns filmes da Globo com inserções e chamada nas telenovelas não estão funcionando.

 

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