Edição 197 | 25 Setembro 2006

“A política não é banal, mas o sistema formal de representação política”

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IHU Online

Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição, com a tese Fuga para o Futuro: novos movimentos sociais rurais e a concepção de gestão pública. Leciona na PUC-Minas e é coordenador do Instituto Cultiva e membro do Comitê Executivo Nacional do Fórum Brasil do Orçamento. É autor de Terra de Ninguém: sindicalismo rural e crise de representação. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.


Em entrevista exclusiva concedida por e-mail para a IHU On-Line, Rudá Ricci falou sobre política brasileira e estrutura partidária, PT, intelectuais brasileiros na era Lula, oposição, campanha pelo voto nulo e as próximas eleições de outubro no Brasil. Confira a entrevista a seguir, que foi veiculada nas Notícias Diárias da página do IHU, no dia 20-9-2006.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a sua percepção de que os partidos políticos no País se transformaram em máquinas empresarias em busca do voto?
Rudá Ricci
- Na verdade, minha percepção é que esse é um fenômeno mundial, mas que, no Brasil, tem significado peculiar. Começando pelo Brasil: em nosso país, o empresariamento partidário teve início com a polarização entre PT e PSDB, exigindo uma maior profissionalização da máquina política que, na minha opinião, pode ser denominada de americanização partidária (como na disputa entre Democratas e Republicanos, toda baseada no marketing e no staff técnico). Alguns autores, como Castells , sugerem que o papel do Estado, com a globalização, se limitou à facilitação para investimentos de capital, criando um ambiente seguro para a sua atração. Ora, esta característica acaba por rebater no perfil e papel dos partidos. Um outro autor, Alain Touraine , sugere, ainda, que a política se vinculou à economia globalizada e se apartou da dimensão cultural (dos valores, das tradições). Em síntese: há inúmeros estudos que indicam esta situação em que os partidos se aproximam da lógica empresarial, aumentando o corpo administrativo e o marketing e distanciando-se rapidamente do cotidiano das comunidades e agrupamentos sociais. Enfim, não representam mais nossa vida cotidiana, nossos valores e interesses. Representam as intenções e negociações do corpo administrativo partidário que, aliás, desconhecemos quem são porque nunca aparecem à luz do dia.

IHU On-Line – O que o senhor vê nas estruturas partidárias do Brasil?
Rudá Ricci
- São organizações prósperas, auto-referentes, que disputam entre si o poder político do País, limitados a um círculo restrito, numa esfera acima do homem comum. Estão no que um dia Francisco Weffort  denominou de sistema dual da política (os que votam e não têm poder, e os eleitos que administram a política). Não possuem, contudo, representação real, fincada no dia-a-dia dos cidadãos. Aproximam-se da lógica teocrática: seu poder de uma certeza pré-eleição que o voto apenas confirma como se fosse uma verdade absoluta. Não temos como interferir nos programas partidários ou de governo, nas campanhas, não há vinculação entre nosso desejo e a intenção partidária.

IHU On-Line – O senhor acha correto falarmos hoje em banalidade da política no Brasil?
Rudá Ricci -
A política não é banal, mas o sistema formal de representação política. A política está viva, nas ruas, nas mobilizações sociais, no Fórum Social Brasileiro, na Semana Social Brasileira, na proliferação de Escolas da Cidadania, dos conselhos de gestão pública, no OP Criança. Enfim, a política criativa brasileira continua viva. O problema é a representação formal que rompeu com a lógica desta vida social real, pujante, e se tornou uma prática de gabinete.

IHU On-Line – Qual a sua visão do mandato de Luís Inácio Lula da Silva? O que podemos esperar de um possível segundo mandato da Era Lula?
Rudá Ricci -
Lula não é uma liderança de esquerda e, portanto, não se propõe a criar grandes mudanças no País. Ele é um líder pragmático e popular. O problema central é a senha que ele fixou na relação com o Congresso Nacional: tudo é possível de ser negociado, com cada parlamentar, negociando interesses muitas vezes pequenos. O deputado recém-eleito já sabe qual a lógica da barganha. O segundo problema é que ele sai consagrado das urnas o que deve aumentar seu pragmatismo. Uma conseqüência parece certa: ele tentará fundir o PT com os partidos de esquerda que não conseguirem superar a cláusula de barreira (PSB e PCdoB são dois partidos que são citados nas rodas de Brasília) e avançará, com programas federais, sobre os governos de Aécio Neves  e José Serra, procurando isolar FHC.

IHU On-Line – No seu entendimento, como se portaram os intelectuais brasileiros desde a eleição de Lula?
Rudá Ricci
- Acuados. Alguns se rebelaram e chegaram a exagerar no grau de ataques, quase que pessoais. Este é o caso de Chico de Oliveira . Outros, construíram um discurso tortuoso, como o de Marilena Chauí . Mas a maioria se calou e foi cuidar de sua vida, o que revela que a academia está mais privatista e individualista. Falta espírito público.

IHU On-Line – Que papel a oposição teve neste governo Lula?
Rudá Ricci
- O de contraface do governo, ou seja, uma imagem invertida no espelho. A rigor, não existe oposição, mas disputa por cargos públicos. Não existem projetos alternativos. Perceba como eles (PFL e PSDB) recuaram nos ataques ao governo Lula. Recuaram na prática, já que o discurso continuou raivoso. Uma prática tipicamente publicitária. Outros partidos menores de oposição precisam ainda de uma certa provação eleitoral para termos certeza a que vieram.

IHU On-Line – A população brasileira está mais preparada para enfrentar mais uma eleição?
Rudá Ricci
- Eleição nunca é ruim. É um ritual democrático, embora a democracia não se resuma à eleição. Portanto, estamos sempre preparados. O problema é outro. É como se estivéssemos com fome, mas nos oferecessem um prato de algo que não nos agrada. Fica o conflito entre a fome e a rejeição à comida.

IHU On-Line – Qual a sua interpretação sobre esta Campanha do Voto Nulo?
Rudá Ricci
- Acho algo inútil e equivocado. O voto é a delegação de um poder que é meu. Jogar fora o voto é jogar fora este poder. E, pior, não ataca o centro do problema que é o sistema partidário não representativo. É como se um jogador batesse uma falta e, com a bola batendo na trave, resolvesse destruir a trave. O problema não é o voto, mas o sistema partidário. E não vejo ninguém da campanha pelo voto nulo apresentar uma saída para este problema. É mais um ressentimento infantil, como se quisesse dizer que não está gostando, mas não assume o poder de cidadania. Acho que é uma rebeldia sem causa. O voto é um direito, não um favor. É como deixar de receber o salário porque ele é baixo. Não existe conseqüência racional neste ato. Pelo voto, posso expressar uma intenção, uma mudança, mas não basta: temos que aumentar o poder da cidadania e diminuir o poder dos governos. Temos que aumentar o poder dos conselhos públicos de gestão e responsabilizar as autoridades públicas, exigindo metas políticas e sociais. Temos que aumentar o poder das ruas e do homem comum.

 

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