Edição 383 | 05 Dezembro 2011

Serge Latouche

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Graziela Wolfart | Tradução simultânea de Susana Rocca

No intervalo entre as conferências ministradas na Unisinos no último mês de novembro, o economista Serge Latouche fez uma pausa para falar um pouco sobre sua trajetória pessoal e profissional. Em conversa com a IHU On-Line, regada a um bom chimarrão, Latouche relembrou os principais momentos de sua vida. Com a cuia na mão, ele falou sobre sua caminhada rumo ao conceito do decrescimento, sobre seu dia-a-dia, seu sonho e sobre seu voto nas próximas eleições francesas. Confira:

Nascido em 1940, em Vannes, região da Bretanha , na província de Morbihan, Serge Latouche começa seu relato relembrando da infância no início da Segunda Guerra, e sobre as dificuldades de viver sob a ocupação dos alemães. “Se alguém tivesse me dito que eu terminaria minha vida com uma companheira da Alemanha, jamais teria acreditado”, comenta, entre risos, ao lado dela, que o acompanha em suas conferências.

Ele iniciou seus estudos no famoso Colégio Jesuíta de Vannes. Em 1957 e 1958, foi para Paris fazer os estudos superiores. “Em 1954 a França estava comprometida com a Guerra da Argélia ”, recorda. Ao mesmo tempo em que estudava Ciências Econômicas, Latouche se comprometeu com um dos partidos dos jovens comunistas. “Creio que participei de todas as manifestações em 1957, 1958 e 1962. Naquela época, as manifestações eram muito diferentes das de hoje, porque a polícia era violenta com os manifestantes, dando socos, etc”. Para Latouche, o ano de 1968 estabeleceu um marco na história: “há um antes e um depois de 68. Antes, era tudo mais ‘artesanal’ e depois as manifestações adquiriram um caráter mais sofisticado”. Em todas as manifestações das quais participou – por exemplo, contra a tomada do poder pelo general Charles de Gaulle  -, Latouche nunca foi atingido pelo gás lacrimogêneo. “Mas quando voltei, em 1967 e 1968, o que mais me chocou foi o uso desse gás”.

O professor e pesquisador fez seus estudos, em Paris, em Direito e Ciências Econômicas, inclusive prolongando os cursos para não precisar ingressar no serviço militar, já que naquele momento servir ao exército significava ir para a guerra na Argélia. Mais tarde, no entanto, Latouche prestou serviço militar, de 1962 a 1964, continuando com seus estudos paralelamente. Obteve, então, o diploma de estudos superiores em Ciência Política.

Depois do serviço militar, tentou buscar um trabalho além-mar, porque já tinha começado a desenvolver uma tese sobre os conflitos norte-sul, chamada “pauperização da escala mundial”. Era uma tese marxista, a partir do conceito de Marx da pauperização relativa e absoluta dos trabalhadores. “Eu tinha vontade de sentir a realidade concreta para desenvolver esta tese. Então, decidi sair e tive várias opções de lugares onde havia pistas do que eu buscava, como Índia e Madagascar. Finalmente, encontrei um trabalho na cooperação francesa, durante dois anos, atuando no Congo. Foi um trabalho muito legal, como professor na Escola Nacional de Direito e Administração. As escolas de administração são uma especialidade francesa exportadas para o mundo todo”, explica.

“Quando fui para o Congo, eu era desenvolvimentista”, continua Serge Latouche. “Eu ensinava aos meus alunos que era preciso desenvolver técnicas muito avançadas para a industrialização, mas evidentemente de maneira planificada, na linha do modelo soviético. O paradoxo era que eu tinha levado comigo muitos livros de etnologia da África, pois tinha grande paixão pela etnologia”. 

Em 1967, durante as férias na França, Latouche defendeu sua tese e depois, em 1968, partiu para Laos. Ele relata que a capital de Laos é Vientiane e lá os franceses haviam criado também um Instituto Real de Direito e Administração, porque Laos era um reinado. “Nessa experiência as contradições se tornaram mais fortes ainda para mim, porque em Laos eu trabalhei no Ministério de Planificação e coloquei em dia a contabilidade nacional do país. Mas digo sempre que foi em Laos que perdi a fé na religião da economia”. Laos é um país totalmente particular, explica Latouche. É um país asiático, localizado na Indochina e limitado a norte pela China, a leste pelo Vietnã, a sul pelo Camboja, a sul e oeste pela Tailândia e a oeste por Myanmar. Na época em que o pesquisador estava lá, a população de Laos era de dois milhões de habitantes. “Lá eu vivia tranquilamente, me sentindo um pouco fora do mundo. As pessoas de Laos trabalhavam muito pouco, somente alguns dias ao ano, para cultivar o arroz, principal atividade comercial do país. E no resto do tempo se fazia festa. Afinal, no cultivo de arroz realmente fica-se um tempo sem ter o que fazer, é preciso esperar que cresça. Havia até uma piada que era a seguinte: o camponês laosiano está sentado diante das suas terras sem fazer nada e quando lhe perguntam ‘o que está fazendo?’ ele responde ‘estou escutando o arroz crescer’. Era uma civilização refinada, com bonito artesanato. A única coisa que os habitantes de Laos pediam é que os deixassem viver tranquilos, mas isso era quase impossível”, recorda. Serge Latouche esclarece que havia um rei, na capital, que hoje foi transformada num local de muita visitação turística; um primeiro ministro, que era um príncipe; um membro neutro, para resolver os problemas entre os comunistas e os americanos; e havia duas províncias dirigidas por comunistas. “Com tudo isso, entendi que o desenvolvimento econômico iria destruir toda aquela população, seja pelos comunistas ou pelos americanos. E comecei a refletir sobre o que era o desenvolvimento econômico”.

Naquele momento, Latouche voltou para a França e conseguiu um trabalho na Universidade de Lille, no norte daquele país, onde ficou durante 23 anos. “Quando eu cheguei explodia o movimento de Maio de 1968 . Naquele tempo eu não tinha nenhum vínculo com os partidos políticos e fiquei surpreso com tudo aquilo”, lembra.

Em seguida, vários professores da Universidade de Lille foram para a Universidade de Paris, dentre eles, Latouche também. “Comecei a fazer uma crítica da economia política, num curso de epistemologia e ciências sociais. Minha crítica à economia e ao marxismo era bastante apoiada na Psicanálise. Li muito e trabalhei muito durante uma década e comecei a publicar meus primeiros livros”.

O primeiro livro se chamou Epistemologia e Economia. Abordava o processo com, através e contra o marxismo. “Somente nesse momento me voltei aos problemas do terceiro mundo e dos conflitos entre norte-sul. Comecei a fazer a crítica ao desenvolvimento. E foi aí que encontrei Ivan Illich  e um grande número de pessoas que estavam comprometidas com essa caminhada. A crítica ao desenvolvimento me levou, aos poucos, a criticar o crescimento, referindo-me mais aos países do sul. A passagem da crítica ao desenvolvimento para a crítica ao crescimento foi depois da queda do muro de Berlim, porque se não havia mais um segundo mundo, também não haveria mais um terceiro mundo. Não há mais nada do que um mundo único. E efetivamente com a mundialização se alcançou o triunfo do pensamento único, sem mais separação entre a reflexão sobre o sul e o norte”.

“Ao mesmo tempo”, segue o professor, “ficamos afetados pela crise ecológica. Eu não venho de uma formação voltada para a ecologia. Isso chegou muito tarde na minha reflexão, porque os economistas ignoram totalmente a ecologia e o meio-ambiente. Foi depois de toda essa caminhada, em 2001 e 2002, que comecei essa reflexão sobre a possibilidade de construir uma sociedade alternativa à sociedade do crescimento”.


Cotidiano

Atualmente aposentado, Latouche divide sua vida e seu cotidiano em três partes. Um terço ele passa em sua casa, no sul da França, onde pode trabalhar tranquilo. No outro terço, ministra conferências itinerantes, sobretudo na Itália, com sua companheira. E na terceira parte, viaja entre o norte e o sul. “Quando estou em Paris, tenho um escritório a 200 metros da minha casa, sobre a Montanha Sainte-Geneviève, um lugar inspirador. Trabalho, sobretudo, de manhã. À tarde eu leio, tenho encontros, reuniões, ou vou passear. Depois dedico um tempo para consertos em casa, pois sempre há o que fazer. Quando estou na Itália faço conferências e visito museus”.

Um pai e avô dedicado, Latouche tem três filhos, quatro netos e espera o quinto para algumas semanas.


Um sonho

“Antes de morrer desejo ver a humanidade engajada num caminho sustentável, menos catastrófico”, confessa.


As próximas eleições francesas

Questionado sobre em quem votará nas próximas eleições na França, em 2012, Latouche declara que “no primeiro turno se escolhe e no segundo turno se elimina. Ainda não estou decidido entre Eva Joly , que é dos ecologistas, dos “verdes”, ou o candidato da extrema esquerda. No segundo turno, não haverá mais do que candidatos produtivistas. Considero que o principal será eliminar Sarkozy . Então, sem nenhum entusiasmo, vou votar em François Hollande”. 

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