Edição 379 | 07 Novembro 2011

O papel da comunicação e da mídia de massa na crise da superprodução – informação, reflexão e ideologia: o caso da crise imobiliária irlandesa

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Henry Silke

Há uma crescente relação simbiótica entre empresas, redes de comunicação e meios de comunicação de massa. Empresas dependem de redes de comunicação e da mídia em diversas maneiras: na conduta de seus negócios, na sua necessidade de obter informações sobre o mercado, para a publicidade e criação de (novos nichos de) mercado e como um aparato ideológico que age para adaptar economias de mercado e defender os interesses de classe.

Na realidade, argumenta-se que os meios de comunicação tornaram-se parte integral do processo econômico, em vez de simplesmente informar sobre essas questões. Além disso, empresas de comunicacão de massa estão se transformando, cada vez mais, em corporações multinacionais cujo interesse está investido nos vários mercados e sociedades sobre os quais elas noticiam. O presente artigo explora o papel da mídia e das redes de comunicação junto à crise de superproducão, mais espeficicamente a irlandesa. Tal crise tem suas raízes na natureza [de dependência] semiperiférica do país e na sua economia doméstica fraca. Todavia, a situação atual é consequência de uma crise fundada na superproducão de imóveis, impulsionada pela especulacão e encorajada pela mídia e pela política governamental pró-cíclica.

A crise de superprodução descreve como, no modo de produção capitalista, cada produtor busca aumentar a sua mais-valia (ou o lucro) ao desenvolver suas forças de produção (inovação), que levam a um aumento na escala de produção e uma correspondente (e às vezes repentina) queda dos preços. Além disso, como a distribuição da riqueza excedente está inclinada a favor da classe capitalista minoritária, as classes trabalhadoras (no sentido mais amplo) carecem de dinheiro para comprar o que elas próprias produzem. Essa contradição existente entre a produção social e a apropriação privada é, para Marx, uma das contradições básicas do sistema capitalista.

A classe capitalista, ao mesmo tempo, possui uma constante necessidade de encontrar novas áreas de investimento, que alimentam a produção de crédito e a atividade especulativa, e que podem agir de forma a ampliar e alongar o processo de superprodução. Por fim, é somente com a destruição da riqueza que o valor (?) retorna para o produto e mercado. Os meios e redes de comunicação desempenham um papel importante na crise de superprodução, primeiramente na divulgação de informações para os agentes do mercado, a natureza reflexiva e dialética de como os atores respondem a informações de mercado e, por fim, como um aparelho ideológico que age para adaptar o mercado ao que a pesquisa descreve como um mecanismo orientado para o mercado.

A contradição da superprodução combinada com a inflação dos preços (movido pela especulação e pelos créditos) é a chave para a crise irlandesa. Por exemplo, em 1995 uma casa de segunda mão de preço mediano custava 4.1 vezes o salário médio industrial. Em 2007, o custo subiu 11.9 vezes. Os especuladores aceleraram a produção e mantiveram os preços subindo, atuando no que poderia ser descrito como um mercado imobiliário “fictício”. Em 2007, 28% das hipotecas eram empréstimos especulativos. O mercado imobiliário começou a declinar em 2007 e a crise irlandesa acelerou ao lado da crise de crédito internacional.
A resposta do governo de 2007 à crise foi dupla. Por um lado, ele embarcou em uma política de austeridade com redução de todos os gastos do governo, incluindo os salários de funcionários públicos. Paralelamente, ele deu um “cheque em branco” aos setores financeiros e bancário, tanto na recapitalização como na nacionalização de dívidas incobráveis e bancos à falência. A política do governo colocou a Irlanda em um ciclo deflacionário. O novo governo eleito em fevereiro de 2011 (apesar da retórica pré-eleitoral) adotou a mesma política.

A mídia irlandesa desempenhou um papel crucial junto ao mercado imobiliário irlandês: em primeiro lugar, muitos jornais diários e de domingo incluem, como forma de informação e publicidade, cadernos de imóveis (property supplements?) lucrativos e periféricos. Aliás, empresas irlandesas de mídia fizeram relevantes investimentos em websites designados à listagem de propriedades. Em segundo lugar, a mídia agiu de uma maneira ideológica na qual questões da habitação eram vistas através de uma ótica descrita pela pesquisa como uma estrutura orientada para o mercado, em vez de, por exemplo, ver a habitação como uma questão social.

Este texto, como parte singular de minha pesquisa de tese de doutorado, vem explorando a cobertura do periódico Irish Times nas questões ligadas à habitação e à propriedade no período que antecedeu a eleição de 2007. As principais tendências encontradas são as seguintes: uma estrutura predominantemente orientada para o mercado, incluindo o privilégio do valor de troca estar acima do valor de uso; um viés produzido pelos bancos, hipotecas, imobiliárias e construtoras cujas declarações foram reportadas de maneira indiscriminada. Na seção de notícias, políticos também foram citados incluindo alguns de natureza crítica e de oposição, embora eles fossem a minoria. Não houve nenhuma fonte oriunda de compradores de imóveis ou locatários de imóveis privados (fontes de valor de uso). Questões estruturais, tais como superprodução, excesso de zoneamento, custo crescente dos terrenos e habitações foram completamente ignorados. A pesquisa vai continuar a explorar o papel ideológico da imprensa na esfera política pós-crash; entrando em coordenação com o Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transancional e da Cultura do Capitalismo - Nieg (parte integrante do Cepos), comprovando a ausência de explicações causais óbvias para a bolha imobiliária e seus derivativos.

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