Edição 379 | 07 Novembro 2011

10 anos do PPG em Filosofia da Unisinos: desafios, avanços e perspectivas

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Márcia Junges e Thamiris Magalhães

Ao longo de sua primeira década de existência, o curso ganhou o respeito da comunidade acadêmica filosófica brasileira. Planos de expansão incluem a primeira disciplina oferecida totalmente em inglês e o lançamento de uma especialização sobre História da Filosofia

O coordenador do PPG em Filosofia da Unisinos, Adriano Naves de Brito, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, afirma que nessa década de curso há muitas conquistas a serem comemoradas. Nos próximos anos, no entanto, os planos para seu aperfeiçoamento são ainda maiores. “Lançamo-nos nessa próxima década com o ímpeto da internacionalização. Muitos são os desafios que teremos de enfrentar nesse campo, inclusive o da língua, mas vamos nos preparando para isso. Já em 2012, iremos oferecer a primeira disciplina totalmente em inglês e esperamos que a experiência possa ser repetida pelo menos uma vez ao ano e depois intensificada”. Essa será, segundo o docente, uma oportunidade importante de aprendizagem para os professores e alunos.

Adriano Naves de Brito é, desde 2005, professor titular da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. É doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Estudou, no âmbito do doutorado, na Universidade de Bielefeld, Alemanha, país em que também cumpriu estágio pós-doutoral, na área da filosofia, na Universidade de Tübingen. Concluiu o mestrado pela UFRGS, tendo feito, durante o curso, intercâmbio discente na Unicamp. Coordena o Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unisinos e dirige a Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica - SBFA. Em sua pesquisa atual, investiga, a partir das teorias e literatura recentes, o valor na interseção com o interesse, a normatividade a partir da interação humana e sob a luz do modelo do funcionamento da linguagem humana, e a liberdade, numa perspectiva imanente, naturalizada e evolucionista.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Na última entrevista que concedeste à IHU On-Line, afirmavas que a filosofia analítica, tal como concebida tradicionalmente, esgotou-se. Contudo, continuam a interessar os “exercícios filosóficos com caráter preponderantemente lógico, como a metafísica analítica, derivada da lógica modal”. Qual é a relevância dessas discussões e o que elas apontam de temas candentes no pensamento filosófico?

Adriano Naves de Brito –
Antes de tudo, vale a pena reiterar algo que indiquei na entrevista passada , a saber, que o conceito de filosofia analítica é hoje muito menos preciso na sua delimitação da produção filosófica do que o foi na sua origem, de sorte que hoje os polos antes em disputa, filosofia analítica e filosofia continental, estão  muito mais entretecidos do que a história dessa oposição poderia antecipar. E isso se deve a que as questões colocadas à filosofia levam-na (hoje, assim como no seu nascimento, vale frisar) a explorar zonas metodológicas no cruzamento de diversas tradições, no caso contemporâneo, também no cruzamento da fenomenologia com a análise lógica. Há, pois, entrecruzamentos importantes e que são feitos mediante o enfrentamento de problemas. Diferente disso é o trabalho historiográfico que se dedica a questões de interpretação de textos e à reconstrução do universo filosófico dos autores. Não obstante a importância desse trabalho em torno da história da filosofia, ele vai se tornando menos dominante na produção da área.
Retomando a sua questão, a chamada filosofia analítica começou definida pelo método de análise lógica da linguagem como instrumento de elaboração de teorias filosóficas. Exemplos eloquentes disso são os artigos intitulados Sobre o sentido e a referência, de Frege e Da denotação, de Russell, além do livro Tractatus logico-philosophicus, de Wittgenstein. Com esse método, a filosofia ganhou um poderoso aliado para revisitar seus temas tradicionais, avaliar seus resultados e propor soluções alternativas. Isso foi feito em profusão no século XX. Ocorre que o método, como é natural, foi sendo enriquecido pelas ciências que sempre foram vistas como aliadas pela tradição analítica e tal método chegou a um esgotamento quanto à sua capacidade de fazer avançar a filosofia sem uma conexão ainda mais profunda com as ciências. A situação atualmente é exatamente essa. Discute-se, em vários seminários pelo mundo, que a “filosofia de poltrona” (armchair philosophy) pode contribuir com a investigação de temas candentes como a mente e a ética aplicada, para citar apenas dois. Do lado dos defensores da filosofia de poltrona estão justamente os que, fortemente amparados nos instrumentos lógicos, fazem metafísica em sentido clássico. Essa, como mencionei, é uma discussão em curso. De minha parte, sou um naturalista em filosofia e defendo um modelo de conhecimento filosófico não apriorista, mas amparado e em diálogo com as ciências empíricas. A propósito dessa discussão, em novembro deste ano, dias 24 e 25, vamos realizar aqui na Unisinos um workshop justamente sobre esse tema, com o título: “Novos horizontes metodológicos à pesquisa em Filosofia”. Quem se interessar, que venha e participe. São todos bem-vindos.


IHU On-Line – Conforme Bertrand Russell, a filosofia é uma espécie de “Terra de ninguém”, campo intermediário entre a ciência e a teologia. Pensando na época em que vivemos, profundamente marcada pela técnica e pelo relativismo, o que é a filosofia e quais são suas peculiaridades?

Adriano Naves de Brito –
A filosofia é terra de ninguém porque é um empreendimento por terra incógnita. Uma investigação na fronteira do conhecimento. Assim que essa fronteira é conquistada, ela se move adiante, para além desses limites conquistados. Com isso ela e as ciências com as quais está mais e mais imbricada exploram e conquistam novas terras, mas também redefinem a geografia do conhecimento, ressituando o que já era conhecido. Nesse sentido, a filosofia não é hoje muito diferente do que tem sido sempre.


IHU On-Line – Não viver em segurança, mas também não ficar paralisado pela hesitação é o benefício que a filosofia oferece àqueles que a estudam, ponderava Russell. O que é ser filósofo hoje?

Adriano Naves de Brito –
É imiscuir-se nos assuntos indecididos; é costurar as linhas divisórias entre os campos do conhecimento e é se arriscar por terras desconhecidas do conhecimento humano em diálogo e parceria com as ciências, com a observação, com a argumentação e sem apego excessivo às concepções estabelecidas. Por óbvio que há diferenças circunstanciais entre o que o filósofo faz atualmente e o que fizeram seus congêneres em outros momentos históricos, mas não há uma diferença fundamental entre o que é ser filósofo hoje e o que o definiu na sua origem grega. O seu interesse pelo conhecimento o define.


IHU On-Line – Em que medida a filosofia continua a ser a disciplina que Kant apontava como ocupada com quatro grandes questões: a metafísica, a religião, a ética e a antropologia?

Adriano Naves de Brito –
Essas questões cobrem regiões muito amplas e profundas das inquietações humanas e isso não mudou. É possível, contudo, identificar, ao longo da história da filosofia, que um peso diferente foi dado a cada uma delas, à exceção da ética, na respostas que foram sendo formuladas. Se houve épocas em que o eixo sobre o qual se sustentavam as respostas, esse estava na metafísica; em outras, ele esteva na religião. A antropologia veio ocupando este lugar com peso crescente desde a modernidade e hoje, creio, é o campo no qual a disputa em torno dos problemas filosóficos vai ser decidida. Vivemos um momento em que se consolida a passagem da metafísica residual da filosofia moderna à antropologia. Essa exercida, cada vez mais, com recursos da biologia, da psicologia, da neurologia, da economia e de tantas outras ciências do homem. Conseguimos, nesse século, reunir um cabedal de conhecimentos que nos permitem realizar grande parte do que almejavam os pensadores do século XIX, quando estabeleceram as bases das ciências humanas. Estamos mais bem aparelhados do que em qualquer período histórico para conhecer o homem e, num conceito que nos remete a Aristóteles, tentar lhe proporcionar uma vida boa.


IHU On-Line – O que caracteriza a história do PPG em Filosofia da Unisinos nessa primeira década de atuação?

Adriano Naves de Brito –
Essa foi a década da construção do PPG em Filosofia. Sob a liderança do Pe. Marcelo Aquino, unida à disposição pioneira do colegiado da Filosofia daqueles anos iniciais, preparou-se o projeto que foi exitosamente implementado em 2001, com a abertura da primeira turma do mestrado. As primeiras dissertações foram defendidas dois anos depois, num ritmo mantido até hoje. Com isso se fechou a primeira fase de construção do Programa. O próximo passo foi a busca pela aprovação do doutorado, já previsto no projeto inicial, mas que dependia da consolidação do mestrado. Em 2007, então sob a liderança do professor Inácio Helfer, o doutorado foi aprovado e a primeira turma começou os seus estudos em 2008. As primeiras teses serão defendidas no início do próximo ano, concluindo o processo de implantação plena do Programa. Nesses dez anos de muito aprendizado, o PPG em Filosofia da Unisinos também teve de aprender a se despedir de alguns pioneiros, aos quais muitíssimo se deve. Márcia Tiburi, José Nedel e Mario Fleig deixaram o colegiado e o docente Carlos Roberto Cirne-Lima deixou as atividades regulares de docência para nos acompanhar como Professor Emérito, título raramente concedido pela instituição. Novos valores humanos foram paulatinamente agregados ao grupo que se prepara para, nos próximos dez anos, se consolidar como um dos melhores centros de pesquisa em filosofia do país. Uma menção especial deve ser feita à integração entre a pós-graduação e a graduação de Filosofia durante estes últimos dez anos. Graduação e gós-graduação estreitaram seus laços até o ponto de construírem um só colegiado e formarem, a partir daí, um único núcleo de filosofia com todos os níveis de formação, da licenciatura ao pós-doutorado. A liderança do professor Celso Candido Azambuja na graduação, continuada desde o início desse ano pelo docente Alfredo Culleton, foi decisiva para esse avanço. Fechamos, pois, os dez anos, como um núcleo de ensino maduro, que soube vencer desafios e enfrentar mudanças, mas que o fez buscando sinergia, sustentabilidade e inovação. Acima de tudo, porém, esse grupo sempre manteve o foco na excelência e na tarefa de oferecer a melhor formação possível a todos os seus discentes.


IHU On-Line – Como a Unisinos se situa em termos de pesquisa em relação à filosofia no Brasil?

Adriano Naves de Brito –
Nesses dez anos de construção, o PPG em Filosofia da Unisinos ganhou o respeito da comunidade acadêmica filosófica brasileira. Nossa trajetória esteve sempre marcada pela lealdade às regras institucionais dos órgãos de avaliação e pela disposição de, pelo mérito, receber as licenças que nos eram necessárias para implantarmos plenamente o projeto gestado no início dessa década. Foi também uma trajetória de incessante procura pela qualificação e pela excelência acadêmica, e que tem sido paulatinamente reconhecida em nível nacional. Mediante a editora, mantemos um fluxo de publicações na área que é referência em qualidade. Nossas revistas se profissionalizaram e avançamos a passos firmes para a internacionalização do periódico Filosofia Unisinos. Nossos docentes estão profundamente integrados às atividades da filosofia no Brasil, seja na direção de entidades acadêmicas, seja na organização de eventos ou na inserção no debate filosófico. Tudo isso nos tem colocado como atores importantes na filosofia brasileira. Não somos um curso tradicional no país, mas temos buscado primar por sermos os que desejam inovar, mediante a experimentação de modelos, temas e processos novos na filosofia, sem, contudo, descuidar da tradição na qual estamos inseridos e na qual nossos alunos buscarão se posicionar.


IHU On-Line – Quais são os planos, objetivos para o futuro desse curso da Unisinos?

Adriano Naves de Brito –
Lançamo-nos nessa próxima década com o ímpeto da internacionalização. Temos clareza que o processo de integração da vida acadêmica nacional com nossos congêneres no exterior é caminho necessário e sem volta. Muitos são os desafios que teremos de enfrentar nesse campo, inclusive o da língua, mas vamos nos preparando para isso. Já em 2012, iremos oferecer a primeira disciplina totalmente em inglês e esperamos que a experiência possa ser repetida pelo menos uma vez ao ano e depois intensificada. Será uma oportunidade importante de aprendizagem para nossos professores e alunos. Também em 2012, começamos o curso de Especialização História da Filosofia: os clássicos e suas obras em profunda integração com a pós-graduação. Nesse curso, em modelo singular e experimental na instituição, vamos oferecer aos discentes uma sólida formação em história da filosofia mediante a leitura minuciosa de obras clássicas. Retomaremos, no próximo semestre, as ofertas de vagas na graduação com um bacharelado premium, num modelo inovador e caracterizado pelo acompanhamento personalizado do aluno desde o início do curso por um orientador. No campo da pesquisa, a instalação de vários laboratórios com recursos conquistados pela área de humanidades junto à Finep, em movimento inédito no país, nos há de colocar em condições de interagir em termos mais simétricos com os grupos de pesquisa no exterior. Merece destaque o laboratório de Ciências Cognitivas que nos dará condições de abordar os grandes e atuais temas relacionados às pesquisas do cérebro e seus desdobramentos para as questões filosóficas. Finalmente, no campo da aplicação do saber filosófico e no espírito do trabalho interdisciplinar, esperamos submeter em 2013 uma proposta de mestrado profissional em Ética Aplicada, que, se bem sucedido, será o primeiro do gênero no país.


IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Adriano Naves de Brito –
Estivemos, neste ano de comemorações, promovendo uma série de conferências sob o título geral PPG Filosofia Unisinos: 10 anos. Fecharemos esta série com o XIV Colóquio de Filosofia, nos dias 8, 9 e 10 de novembro. Conclamamos a comunidade da Unisinos a vir celebrar conosco ao modo que mais cabe à academia, com boa discussão, boa crítica e, oxalá, muito boa filosofia.

 

Leia mais...

Confira outras entrevistas concedidas por Adriano Naves de Brito à IHU On-Line.

* IHU Repórter. Edição nº 211, revista IHU On-Line, de 12-03-2007

* Cirne-Lima, um filósofo com grande respeito pelas ciências. Revista IHU On-Line nº 261, de 09-06-2008

* Ética e sentimentos morais. Cadernos IHU Ideias número 52, em autoria com Thomas Kesselring

* O esgotamento da filosofia analítica. Revista IHU On-Line nº 363

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