Edição 377 | 24 Outubro 2011

Alternativa agroecológica contra os agrotóxicos e transgênicos

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Thamiris Magalhães

O modelo desse tipo de agricultura é um caminho para uma alimentação saudável, diz o docente da UnB Fernando Ferreira Carneiro

Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o pesquisador alerta que desde os últimos três anos o Brasil já é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, “em função de todo esse modelo que privilegiou a grande propriedade, a monocultura para exportação”. Além disso, Fernando Carneiro diz que as notificações por agrotóxicos no Brasil não refletem a realidade da população. “O sistema ainda é muito precário de notificações, pouco utilizado; os médicos, em sua maioria, não têm inclusive formação adequada para identificar os casos. Existe até medo de se notificar uma intoxicação por agrotóxicos”. Ele diz que “segundo a própria Organização Mundial da Saúde - OMS, os estudos feitos em outros países indicam que, geralmente, a cada uma notificação, têm 50 outras que não o foram, em função de todas essas dificuldades”. E afirma: “Não temos ideia do real grau de impacto na saúde da população de trabalhadores com relação ao uso de agrotóxicos no Brasil”.

Fernando Ferreira Carneiro possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, especialização em Vigilância em Saúde Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestrado em Ciências da Saúde, pelo Instituto Nacional de Salud Pública de México e doutorado em Ciência Animal, pela UFMG. Possui experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em vigilância em saúde ambiental e saúde no campo, atuando principalmente junto aos movimentos sociais na luta por melhores condições de saúde e ambiente. Foi consultor do Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Saúde e servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Atuou como coordenador geral de vigilância em saúde ambiental do Ministério da Saúde. Atualmente é professor adjunto da Universidade de Brasília - UnB. É pesquisador no Núcleo de Estudos de Saúde Pública da UnB e participante da Unidade de Pesquisa de Saúde, Trabalho, Ambiente e Desenvolvimento. É membro do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e do Programa de Ciências da Saúde da UnB. Faz parte do GT de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - Abrasco e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A que atribui o crescente uso de agrotóxicos no Brasil?

Fernando Ferreira Carneiro – É uma questão histórica, ligada à opção que o Brasil fez quanto a seu modelo de desenvolvimento para o campo. Há mais de 30 ou 40 anos, quando se inicia o que foi denominado “revolução verde”, principalmente na época da ditadura, o Brasil decidiu modernizar o campo sem fazer reforma agrária. Essa estratégia foi denominada como a modernização conservadora da agricultura. Então, tiveram vários planos de desenvolvimento, conduzidos pelo governo, de acertar créditos baratos, em que obrigava o agricultor a comprar um pacote tecnológico para receber esse crédito, e o pacote colhia os agrotóxicos. Então, ao longo de décadas, foi se mudando a cultura, muitas vezes ancestral, em que camponeses também utilizavam outras soluções, a própria biodiversidade, para eliminar ou reduzir o risco de pragas. E esses agricultores foram entrando num ciclo vicioso de dependência com os agrotóxicos. Desde os últimos três anos, o Brasil já é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, em função de todo esse modelo que privilegiou a grande propriedade, a monocultura para exportação. Esses sistemas são muito instáveis, porque tentemos imaginar grandes extensões de terra com uma só espécie. Então, eles exigem grande aplicação de agrotóxico, muito uso de água etc., e o que acontece é que isso está resultando em uma contaminação não só dos alimentos, mas também dos trabalhadores que atuam nessas áreas, nas comunidades que vivem próximo, já que 30% da aplicação de agrotóxicos no Brasil são por aeronaves.

Enfim, estamos hoje nessa situação por causa de uma política de Estado comprometida com interesses do grande capital, principalmente do capital internacional, e com a adoção dos transgênicos. E isso tem se intensificado, uma vez que os transgênicos disponibilizados no mercado são justamente para garantir ainda maior uso de agrotóxicos, porque os transgênicos são resistentes ao próprio agrotóxico que é vendido no pacote. Além disso, a economia brasileira está atualmente se reprimarizando. O que significa isso? O Brasil atualmente é a sétima economia mundial, mas baseada em exportação de commodities agrícolas e minerais. Então, mais de 50% de nossa pauta exportadora são de produtos primários. Estamos voltando a ser o que éramos há 30, 40, 50 anos. E isso tem impacto na saúde das pessoas e no ecossistema, na medida em que esse caminho adotado pelo Brasil não é um caminho, por exemplo, da agroecologia, dessa grande agricultura que tem ficado mecanizada para a exportação. Nós estamos nos transformando no maior produtor de alimentos do mundo, mas a um custo social e ambiental muito alto. E isso é uma questão muito importante, porque o mundo todo está de olho no Brasil, porque nosso país está virando um grande exportador de produtos primários. Eles são manufaturados e industrializados nos grandes países, e voltam mais caros para nós. Estamos vivendo quase o mesmo dilema dos tempos de Colônia.

IHU On-Line – Qual o impacto dos agrotóxicos na agricultura? É possível uma agricultura sem o uso de agrotóxico? Qual seria a alternativa?

Fernando Ferreira Carneiro – A agricultura tem mais de dez mil anos; a implantação dos agrotóxicos existe desde os últimos 1960. Possível é. A própria história da humanidade mostra isso. O que a gente tem observado também é que se critica muito que a agricultura agroecológica não teria a capacidade de escala para abastecer os mercados. Mas se analisarmos informações do censo agropecuário do IBGE, por exemplo, iremos perceber, e isso está comprovado, que quem garante o alimento para a população brasileira é justamente a agricultura familiar, que se baseiam em pequenas propriedades e que está em torno de 60%. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea mostram que praticamente 87% da mandioca vêm da agricultura familiar; 70% do feijão; 46% do milho consumido no Brasil; 58% do leite e 59% dos suínos. Agora, quando falamos de soja a situação é diferente. 84% dela são de agricultura não familiar. 79% do trigo são não familiares. Além disso, 84% dessa soja não servem para alimentar nosso povo; estão alimentando os bois nos EUA, na Europa ou na China. Então, o que os censos do IBGE têm nos mostrado é que existe uma possibilidade real dessa agricultura familiar, agroecológica, de alimentar a nossa população. Para a conversão do modelo da revolução verde houve muito subsídio governamental, o que a gente não vê hoje. No Ministério do Desenvolvimento Agrário não existe um programa de incentivo à agroecologia. Então, percebemos que existe uma ausência de políticas, o que eu chamaria de “políticas de estado inteligentes”, porque a tendência hoje no mundo é olhar para ver a diversidade; cuidar para que os fatores de risco associados às mudanças climáticas sejam minimizados e o governo brasileiro não tem proposto políticas públicas e nem mostrado uma preocupação para fazer políticas que obstruam essa tendência quase que destrutiva da agricultura de grande escala.

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