Edição 363 | 30 Mai 2011

O esgotamento da filosofia analítica

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Anelise Zanoni e Patricia Fachin

Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unisinos, Adriano Naves de Brito, o movimento analítico, caracterizado pela linguagem mediante recursos lógicos, está ultrapassado

Em plena contemporaneidade, a filosofia analítica, como a concebida tradicionalmente, esgotou-se. A opinião é do filósofo Adriano Naves de Brito, que justifica a afirmativa explicando que, mesmo assim, o movimento analítico ainda encontra “exercícios filosóficos com caráter preponderantemente lógico, como a metafísica analítica, derivada da lógica modal”.

Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, ele justifica que “seus efeitos estão profundamente entretecidos nos movimentos de conexão da filosofia atual com as ciências”. Para ele, esse movimento, que pode ser muito claramente percebido na Europa, “é comum há muito mais tempo nos EUA e vai se aprofundar devido ao alcance que os recursos de investigação do cérebro permitem à investigação dos temas que foram caros à tradição analítica (e filosófica)”.

Coordenador do Programa de Pós-Graduação da Unisinos, o professor e filósofo Adriano Naves de Brito é doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, fez estágio pós-doutoral na Universidade de Tübingen, na Alemanha. Dirige a Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica – SBFA. Investigou obras teóricas de Hume e Kant e dedicou-se à filosofia da linguagem contemporânea, área na qual estudou as teorias da referência de nomes próprios, confrontando as posições fregeana e kripkeana.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - A filosofia analítica contemporânea deu conta da relação entre linguagem, pensamento e mundo? Para o senhor, ela explica suficientemente essa questão?

Adriano Naves de Brito -
Não, ela não deu conta desta relação, mas contribuiu muito para esclarecê-la mediante procedimentos de análise não empíricos, isto é, sem os recursos que as neurociências começam a explorar nesse início de século. A filosofia analítica contemporânea, como tradicionalmente concebida, esgotou-se. Entretanto, seus efeitos estão profundamente entretecidos nos movimentos de conexão da filosofia atual com as ciências. Esse movimento, que pode ser muito claramente percebido na Europa, já é comum há muito mais tempo nos EUA e vai se aprofundar devido ao alcance que os recursos de investigação do cérebro permitem à investigação dos temas que foram caros à tradição analítica (e filosófica).


IHU On-Line - Poderia explicar a relação entre linguagem e ideologia, entendida como visão de mundo?

Adriano Naves de Brito –
Se esta questão diz respeito ao modo como um grupo se expressa e à maneira isso influencia a sua visão do mundo, então esse é um fenômeno conhecido. No entanto, ele é muitas vezes superdimensionado, fazendo crer que o dialeto, digamos, de um grupo humano seja “o determinante” de sua visão de mundo. De fato, para usar uma expressão de Wittgenstein,  a forma de vida desse grupo é muito mais determinante e influencia a linguagem que ele usa. Mas também os elementos característicos da espécie humana são fundamentais, de sorte que um grau de comunicação entre todos os seres humanos é sempre possível e, até, inevitável.


IHU On-Line - É possível fazer relação entre os achados da filosofia analítica com a educação regular (ensino de idiomas nas escolas)? Quais seriam essas contribuições?

Adriano Naves de Brito -
A filosofia analítica tangencia com a linguística, mas não a substitui. Esses são temas muito mais afetos àquela disciplina do que à filosofia analítica.


IHU On-Line - Para o senhor, é possível termos algum conhecimento do mundo sem que este seja balizado pela linguagem? Quer dizer, sem que seja representado em termos linguísticos? Há conhecimento fora da linguagem, segundo os filósofos analíticos?

Adriano Naves de Brito -
Sim, há e isso me parece evidente. Os outros animais são, se quisermos uma prova convincente, muito bons conhecedores do meio em que vivem. A ideia de que somente seres conscientes podem conhecer foi um exagero do qual a filosofia foi e, em muitos aspectos, tem sido a causa. A própria consciência é um fenômeno sobre o qual muito se saberá neste século e, ouso afirmar, mais do que em todos os outros que nos antecederam. Ver-se-á, afinal, que ele não é um epifenômeno, mas algo que está relacionado com o que somos e dividimos com os outros seres vivos, com os outros animais e, em especial, com os mamíferos de vida social complexa.


IHU On-Line - Qual a relação entre as filosofias continental e analítica na atualidade? Que tipo de diálogo há entre elas?

Adriano Naves de Brito -
Como mencionei antes, a denominação “filosofia analítica” é, em grande medida, anacrônica. O movimento analítico, que foi caracterizado pela análise da linguagem mediante recursos lógicos, foi fecundo, mas, na minha opinião, esgotou-se, mesmo que ainda se encontrem exercícios filosóficos com caráter preponderantemente lógico, como a metafísica analítica, derivada da lógica modal, a qual, aliás, se confrontada com os princípios dos fundadores da chamada filosofia analítica no início do sec. XX, pareceria algo escandaloso. Não obstante aquele esgotamento, a formação e o rigor que a filosofia analítica exigia de seus representantes, deu à filosofia a possibilidade de conversar com a ciência em termos mais simétricos, de conversar com a ciência do séc. XX. Esse tipo de abordagem, que nunca foi prerrogativa só dos analíticos, tem misturado a tal ponto os limites entre o que eram as correntes analítica e continental, que hoje faz sentido apenas falar de uma filosofia que se ocupa da história das ideias, ainda muito dominante no Brasil, graças à tradição filosófico-historiográfica francesa que está na origem da filosofia profissional brasileira, e outra que se ocupa com problemas, sem que a diferença entre continentais e analíticos seja esclarecedora.


IHU On-Line - Filosofia da linguagem e filosofia analítica são termos equivalentes?

Adriano Naves de Brito -
Não são, já que não se pode substituir um pelo outro em qualquer uso. Estão, contudo, muito ligados. De fato, a filosofia analítica tem de ser caracterizada como um movimento que fez análise da linguagem e a fez de um modo específico, com uma ferramenta específica, a lógica contemporânea. A linguagem, no entanto, está claro, é um fenômeno extremamente complexo e não se deixa apreender somente pela lógica. A estruturação lógica da linguagem é um de seus aspectos. O fenômeno da linguagem tem de ser investigado por várias ciências. A filosofia tem aí um papel a cumprir, mas tem de dialogar com os outros saberes.


Leia mais...

Confira outras entrevistas concedidas por Adriano Naves de Brito à IHU On-Line.

* IHU Repórter. Edição número 211, Revista IHU On-Line, de 12-03-2007

* Cirne-Lima, um filósofo com grande respeito pelas ciências. Revista IHU On-Line número 261, de 09-06-2008

* Ética e sentimentos morais. Cadernos IHU Ideias número 52, em autoria com Thomas Kesselring

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