Edição 357 | 11 Abril 2011

Ecologia da mídia e a percepção do mundo

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Anelise Zanoni

Jornalista, Sonia Montaño acredita que fazer uma ecologia de qualquer meio de comunicação é compreender que ele traz consigo maneiras diferentes de perceber o mundo

Para a jornalista e pesquisadora Sonia Montaño, faz-se necessário, a fim de compreendermos parte da obra de McLuhan nos dias atuais, fazer uma ecologia da mídia. Ou seja, compreender que o meio traz em si um modo de perceber o mundo, um ambiente.

A explicação estaria na própria teoria do autor: “quando ele diz que o meio é a mensagem, é o mesmo que dizer que o meio cria um ambiente, e esse é o verdadeiro ‘efeito’ de uma mídia ou tecnologia”, afirmou a jornalista em entrevista por e-mail à IHU On-Line. Em uma cultura virtualmente tecnológica, a web, as tecnologias móveis e o audiovisual vão adquirindo direções diversas. “Vivemos em uma cultura em que a produção, a distribuição e a recepção da maior parte do conteúdo são mediadas por softwares”, explica Sonia.

Mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos, Sonia Montaño apresentará o artigo Metodologia das molduras e ecologia audiovisual no congresso anual de Edmonton, no Canadá, terra de McLuhan, de 23 a 26-06-2011. A pesquisa, feita em parceria com a professora doutora Suzana Kilpp, apresenta uma metodologia de análise produtiva para o audiovisual da web. Atualmente a jornalista cursa doutorado em Ciências da Comunicação na Unisinos e é professora visitante no Curso de Comunicação Digital da mesma instituição.


Confira a entrevista.


IHU On-Line – Depois de produzir um artigo sobre ecologia audiovisual, a senhora apresentará a pesquisa no congresso anual de Edmonton, no Canadá. Quais as expectativas das pesquisadoras ao apresentá-lo na terra de McLuhan?

Sonia Montaño –
Teremos uma experiência de intercâmbio e debate com pesquisadores do mundo inteiro que estão tentando pensar a contemporaneidade desde o campo da comunicação e da mídia e socializar também o trabalho de nosso grupo de pesquisa, chamado Audiovisualidades e tecnocultura: comunicação, memória e design (www.tecnoculturaaudiovisual.com.br).


IHU On-Line – Qual sua análise sobre o meio e a mensagem na sociedade contemporânea?

Sonia Montaño -
Uma das formas como podemos compreender o meio e a mensagem hoje a partir de McLuhan é fazendo uma ecologia da mídia. Quando ele diz que o meio é a mensagem é o mesmo que dizer que o meio cria um ambiente e esse é o verdadeiro “efeito” de uma mídia ou tecnologia. Mas esse novo ambiente introduzido por um novo meio é tão imperceptível como a água para o peixe, dizia McLuhan. Fazer uma ecologia de qualquer meio é compreender que o meio traz consigo um modo de perceber o mundo, um ambiente. A escrita, por exemplo, é um meio cujo ambiente domina ainda hoje nossos modos de percepção. “Uniformidade, continuidade e linearidade são valores do homem tipográfico”, dizia McLuhan. A história, o pensamento histórico, assim como a ciência e a técnica são invenções da escrita, do ambiente que dela emana e nos envolve. Estamos dominados pelo pensamento lineal. A escrita, neste caso, é uma imagem lineal, porque tendemos a ver tudo em linha, até metaforicamente seguimos “uma linha” de pensamento ou de raciocínio, uma linha de ação. Inclusive um novo meio, como a web, o denominamos com termos da escrita como “página”, “etiquetas”, “arquivos” e critérios biblioteconômicos de organização. Contudo, sempre no novo estágio de uma tecnologia ou do meio tendemos a vê-lo conforme o meio anterior. Inclusive chamamos de “sítio” um espaço tridimensional. Então, a mensagem de qualquer meio não é a que ele diz formalmente como mensagem e, sim, o ambiente, a cultura, os modos de percepção e cognição que ele instaura.


IHU On-Line - No caso dos audiovisuais, como a mensagem hoje é transmitida e compreendida tendo em vista a necessidade da instantaneidade?

Sonia Montaño -
Com a web e as tecnologias móveis – tanto aquelas que permitem acessar como capturar, editar e “publicar” imagens –, o audiovisual vai adquirindo um trânsito muito grande em direções muito diversas. Ele se torna um meio de conectividade global e instantâneo. A nanotecnologia e as possibilidades da cultura sem fio permitem que microcâmeras nos limites interiores dos corpos humanos e nos limites exteriores das viagens espaciais transmitam imagens em tempo real. Imagens audiovisuais produzidas das mais diversas formas transitam em ocasiões globais como nas copas do mundo ou nas grandes catástrofes como a que estamos vivendo no Japão. Mas também ocasiões banais, como usuários que transmitem suas vidas durante as 24 horas do dia, inclusive dormindo, são imagens que povoam nossas plataformas de vídeo na web. O imperativo de transmitir tudo audiovisualmente para qualquer usuário de qualquer parte do mundo parece ser a ordem do dia.

Além disso, o design dos novos produtos tende a ser cada vez mais transportável e ter “alta fidelidade” – termo que, curiosamente, hoje está muito mais ligado às tecnologias audiovisuais que as relações humanas – de imagem e som. Em fim, o audiovisual e as possibilidades de transmitir ao vivo ou compartilhar vídeos desde qualquer ponto do planeta e a qualquer momento está moldando nossa sociedade, criando um ambiente que, ao parecer, tem o trânsito e a conectividade, o fragmento e a instantaneidade como característica de um ambiente que está sendo instaurado pelo novo meio. A partir disso, o modo de compreender a mensagem audiovisual também muda e é atravessada pela instantaneidade, pela ideia de um audiovisual aberto, fragmentado que pode e deve receber intervenção, ser copiado, parodiado, remixado e reenviado, tuitado, compartilhado.


IHU On-Line - Como o grupo percebe a metodologia da especificidade tecnocultural de cada meio de comunicação?

Sonia Montaño -
Hoje a cultura deve ser pensada junto com a técnica. Como diz um autor contemporâneo, Lev Manovich,  se a eletricidade e o motor a combustão tornaram possível a sociedade industrial, similarmente o software permite a sociedade da informação global. Eu, por exemplo, estou usando um software para responder a estas perguntas e as enviarei usando outro software. Vocês editarão e a distribuirão usando softwares e alguém estará lendo-a, também mediado por um software. É possível que, se alguém gostar, tuite alguma frase ou envie a um amigo e tudo isso será possível via algum software. Vivemos em uma cultura em que a produção, distribuição e recepção da maior parte do conteúdo são mediadas por softwares. A tecnologia é usada desde o controle de uma sinaleira na rua à renovação do estoque nos grandes supermercados e o envio de mísseis de um lugar a outro, ou nas formas de reprodução produzidas em laboratório. Contudo, nessa cultura movida a software, fragmentada, conectiva, em trânsito, há uma reciclagem de restos culturais para operar sobre a produção de sentidos identitários atribuídos a tudo, as pessoas, a sociedade aos fatos. Particularmente, isso acontece no audiovisual e já diversas pesquisas sobre cinema, TV e internet o demonstraram. Longe de “mostrar” o mundo contemporâneo, o audiovisual cria mundos audiovisuais através de uma sobreposição de molduras.

Molduras são territórios em que pessoas, fatos, conceitos são significados e tensionados. Essa foi a conclusão da pesquisa de doutorado da professora Suzana Kilpp , que propôs a metodologia das molduras, um procedimento de desconstrução do audiovisual e dos modos em que ele constrói seus mundos. O fato de vivermos em uma sociedade em que enxergamos as pessoas, conhecemos lugares, sabemos de acontecimentos por meio de imagens e os transmitimos e os comunicamos por imagens técnicas faz com que essa imagem técnica seja a experiência de mundo mais frequente. Assim, urgem metodologias que nos ajudam a analisar essas imagens.


IHU On-Line - Você fala na necessidade da instantaneidade das pessoas e cita o fato de alguns quererem registrar suas vidas 24 horas por dia. Como você analisa o efeito dos meios (citados por McLuhan) sobre reality shows como Big Brother?

Sonia Montaño -
Na verdade, a instantaneidade não seria propriamente uma necessidade, é um fato tecnológico. Tuitamos ou mandamos um email e quase instantaneamente pode ser acessado em qualquer parte do planeta. Nesse ambiente, a principal necessidade que há, pelo menos enunciativamente, é a conectividade. Estar conectados parece ser a urgência contemporânea, ao ponto que Bauman a vê como o centro dos laços sociais: passamos de relacionamentos a conexões, de estar engajados a estar conectados, ficamos perdidos, em “lugar nenhum” quando o celular fica sem bateria ou fora de área. A multiplicação dos reality shows,na última década, dentro da produção televisiva, insiste na fórmula vida cotidiana+câmeras. Um conjunto de pessoas convivendo num local, regidas por normas muito estritas da produção do programa, mais algumas provas para realizar, mais uma série de ambientes com algumas atividades possíveis, muitas câmeras e um prêmio a ganhar na dinâmica de eliminações semanais é a formula que, mais ou menos, se repete nesses programas.

 

Leia mais...

>> Sonia Montaño já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira.

* O impacto ambiental do consumo de carne. Entrevista especial com Sérgio Greif e depoimento de Sonia Montaño. Publicada nas Notícias IHU On-Line, de 05-11-2007

* O programa Linha Direita: a sociedade segundo a TV Globo. Edição nº 3 dos Cadernos IHU Ideias

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