Edição 357 | 11 Abril 2011

McLuhan, da filosofia pop ao ostracismo

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Anelise Zanoni

Para Francisco Rüdiger, doutor em Sociologia, a técnica se tornou, em sua forma alienada, objeto de crença do homem contemporâneo

Observada superficialmente, a técnica, aperfeiçoada por meio da máquina, deveria ser objeto facilitador das relações e do tempo. Inserida na cultura de massa, sob o vértice de ferramentas cada vez mais sedutoras, ela é capaz de intimidar a reflexão. Surge nesse processo o que Francisco Rüdiger chama de “a inibição da reflexão crítica e independente, o incentivo estrutural de nossa época à banalidade”.
Nesse mundo paralelo criado com a modernização, o pesquisador acredita que o interessante será saber se, no futuro, haverá indivíduos capazes de estabelecer uma relação crítica e independente com a técnica.
Em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, Rüdiger faz uma análise sobre o pensamento de Marshall McLuhan, o qual considera “o filósofo pop” cujas ideias caíram no ostracismo. Para ele, o pesquisador canadense se converteu em “guru de uma nova geração, porta-voz do espírito do tempo, filósofo ‘da’ comunicação de massas e suas tecnologias”. Dentro desse contexto, o que se percebe é “a dependência imanente do homem moderno aos meios tecnológicos”.
Graduado em Comunicação e História, Francisco Rüdiger é doutor em Ciências Sociais pela USP e professor titular da faculdade de Comunicação Social da PUCRS. Seus estudos concentram-se no campo da crítica à indústria cultural e nos estudos sobre pensamento tecnológico e cibercultura. Entre seus livros, destaca-se Cibercultura e Pós-Humanismo (Edipucrs, 2008).
Confira a entrevista.

IHU On-Line – Na época em que lançou os primeiros livros, McLuhan fez previsões pontuais sobre a era da tecnologia. Como o senhor analisa as obras do autor tendo em vista o momento em que vivemos hoje?

Francisco Rüdiger – McLuhan começou a carreira como acadêmico tradicional, mas no começo dos anos 1960 seu pensamento passou por uma reviravolta. O crítico da cultura e o historiador dos meios de comunicação se converteram em filósofo pop. A cultura de massa, inicialmente alvo de sua análise crítica, passou a ser o clima em que seu pensamento começou a respirar. McLuhan se converteu em guru de uma nova geração, porta-voz do espírito do tempo, filósofo “da” comunicação de massas e suas tecnologias. Depois que passou sua onda, no final dos anos 1970, suas ideias caíram no ostracismo, passando a ser alvo de uma reapropriação mais serena, embora não menos radical, em vários centros de reflexão intelectual, mas, sobretudo, na Alemanha e, mais recentemente, na América do Norte. Atualmente ele é visto como um dos principais precursores da chamada teoria das mídias, uma corrente segundo a qual o pensamento e a cultura não valem pelo que têm de conteúdo, mas pelos veículos (e a tecnologia dos veículos) que os agenciam historicamente.

IHU On- Line – Pode-se interpretar que McLuhan acreditava na evolução das culturas a partir dos reflexos da tecnologia. Como os novos modelos estão afetando o pensamento do homem contemporâneo?

Francisco Rüdiger – As tecnologias de informação são logotécnicas: elas interferem diretamente na própria linguagem, tornando-se especializada e responsável por processamentos de informação cada vez mais automáticos e opacos à humanidade. O resultado é uma tendência à contenção do pensamento reflexivo mais elaborado, à inibição da reflexão crítica e independente, ao incentivo estrutural de nossa época à banalidade intelectual, ao pensamento fragmentado e estéril, etc.

IHU On-Line – Essa mudança de pensamento justificaria o fato de o homem ter tanta dificuldade de viver sem alguns artefatos como o computador e o telefone celular?

Francisco Rüdiger – O homem é produto da história. A história dos últimos quatro séculos está marcada pelo avanço das tecnologias sobre todos os campos da vida. Os que chegam ao mundo são recebidos por uma ordem que se articula cada vez mais, entre outras bases, pelos seus maquinismos e aparatos. Origina-se daí, sem que ele perceba, a dependência imanente do homem moderno aos meios tecnológicos: estes estruturam seu mundo, para não dizer que estruturam cada vez mais o próprio modo de ser humano.

IHU On-Line – Em sua opinião, vivemos uma aldeia global, como a profetizada por McLuhan, ou em grupos que cada vez se segmentam mais graças às redes sociais?

Francisco Rüdiger – A aldeia global significa que o mundo está interligado em escala planetária, mas o que tende a predominar pelos seus canais e vias de circulação são o pensamento provinciano, as ideias imediatas, as preocupações locais, o espírito aldeão, a mediocridade ordinária. As redes sociais são foros de exposição e discussão de tópicos canhestros, em sua maior parte. A consciência global que, apesar de tudo, cresce, é bloqueado em seu potencial transformador, do seu eventual cosmopolitismo, por uma dinâmica social e histórica que tende a prender nossa consciência no imediato, nas relações cotidianas mais banais, num culto do eu bastante pobre do ponto de vista espiritual.

IHU On-Line – Há mais de três décadas McLuhan descreveu os efeitos da TV sobre o homem. O senhor considera esse efeito semelhante ao da internet na vida das pessoas?

Francisco Rüdiger – A televisão tradicional obedecia a uma lógica pautada, no imediato, pela concentração do polo emissor em poucas vozes. A internet ruma em sentido contrário, caracterizando-se pelos movimentos de muitos para muitos, ao menos imediatamente. O fundamental me parece ser que, tanto num esquema como no outro, o essencial continua a depender do indivíduo e das oportunidades que ele eventualmente pode ter para fazer frente a estas situações coletivas e, a partir dos recursos que encontra nos meios de comunicação existentes, embora não só neles, constituir-se em figura capaz de conduzir a própria vida de maneira mais consciente e independente.

IHU On-Line – Como podemos avaliar o efeito da mídia com o surgimento das convergências midiáticas?

Francisco Rüdiger – As convergências, em sentido tecnológico, não têm, em si mesmas, efeito algum. Os efeitos que podemos tentar analisar nascem dos processos de apropriação e emprego dos recursos com elas surgidos por parte dos sujeitos. Milhões usarão o YouTube para postar vídeos idiotas e expressar seu simplorismo. Sempre haverá, entretanto, aqueles que encontrarão neste ambiente a chance de compartilhar materiais audiovisuais raros e valiosos, que serão de grande auxílio para outros poucos desenvolverem ainda mais sua formação política, moral e intelectual, por exemplo.

IHU On-Line – Quais seriam os novos desafios do homem – daqui a alguns anos – em relação à técnica?

Francisco Rüdiger – Para mim, o homem está já tomado pela técnica e, por isso, os desafios que ele tem pela frente não são os da técnica, mas os tecnicamente configurados. A técnica se tornou, em sua forma alienada, através da máquina, objeto de crença do homem contemporâneo. Daqui a alguns anos, o interessante será saber se ainda há indivíduos capazes de estabelecer uma relação crítica e independente com a técnica em número significativo socialmente. Mas também nada impede que o fetichismo tecnológico sucumba diante de outro irracionalismo, na medida em que este for capaz de tocar no que desperta nossas paixões mais profundas e, por extensão, nossos impulsos mais loucos, do ponto de vista histórico.




Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição