Edição 354 | 20 Dezembro 2010

Transformações econômicas no Rio Grande do Sul

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Patricia Fachin

As três últimas décadas da economia gaúcha foram marcadas pelo fenômeno da globalização e, segundo o economista da Fundação de Economia e Estatística - FEE, Octávio Conceição, mudanças estruturais ocorridas no período “foram decisivas para desenhar um novo perfil produtivo, tecnológico, social e institucional” no Rio Grande do Sul

A economia gaúcha pode ser classificada como “um estágio de compasso de espera para o crescimento, mas com poucas iniciativas”, define Octávio Conceição. Na entrevistas a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, ele comenta aspectos abordados na obra Três Décadas de Economia Gaúcha, organizada por ele juntamente com Marinês Zandavali Grando,
Sônia Unikowsky Teruchkin e Luiz Augusto Estrella Faria, e lançado recentemente pela FEE, em quatro volumes.

De acordo com Conceição, a economia gaúcha ainda é marcada pelo agronegócio e, apesar de ter importantes cadeias industriais, precisa investir em tecnologia e na parceria universidade/empresas. Segundo ele, o desenvolvimento da economia regional está associado ao ajuste fiscal, o qual “deve estar enraizado permanentemente em qualquer programa de governo e de qualquer partido”. E argumenta: “Sem este ajuste (...), será impossível desenhar um cenário prospectivo favorável para o crescimento do Rio Grande do Sul”.

Graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Octávio Conceição também é mestre em Economia Rural e doutor em Economia pela mesma instituição, com a tese Abordagem Institucionalista: um estudo do papel das instituições no processo de mudança e crescimento econômico (2000). Atualmente, é professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, membro de corpo editorial da Indicadores Econômicos FEE e membro de corpo editorial da Revista de Economia Política.

Confira a entrevista.



IHU On-Line - Que diagnóstico faz da economia gaúcha nos últimos trinta anos?

Octávio Conceição -
Como salientei na apresentação do novo estudo lançado pela FEE agora em novembro, as transformações vividas pela economia gaúcha ao longo das três últimas décadas assumem características complexas e diferenciadas. O estudo procurou captar todas elas, tentando dar conta de uma enorme agenda de desafios a ser enfrentados pela economia gaúcha. Em linhas gerais, podemos afirmar que atravessamos, nas últimas três décadas, uma fase histórica caracterizada pelo fenômeno da globalização. Esse processo caracterizou-se pela maior abertura aos desafios externos, que nos dias de hoje passou a ser estimulada, pela flexibilização dos mercados e pela fuga para a terceirização, que passou a ser entendida como resposta à modernidade.

A hipótese central que norteia todos os artigos publicados na obra Três Décadas de Economia Gaúcha é que o espaço regional, designado genericamente de economia gaúcha, constitui um ambiente complexo, interativo e dinâmico, cujas transformações estruturais levadas a efeito nas décadas de 1980, 1990 e 2000 foram decisivas para desenhar um novo perfil produtivo, tecnológico, social e institucional. Mais ainda, tais mutações realizaram-se de forma concomitante com a mudança estrutural no ambiente econômico nacional e mundial, as quais, por sua vez, também definiram ou assumiram particularidades idiossincráticas no ambiente regional, dentro dessa nova conformação tecnológica, institucional e social. Do ponto de vista teórico, assume-se que a forma de se compreender essas mudanças passou por reinterpretações, oriundas da reformulação e/ou dos avanços da própria teoria econômica.


IHU On-Line - Como se deu, nos últimos trinta anos, a relação entre crescimento econômico e evolução social no estado?

Octávio Conceição -
Se do ponto de vista social a economia gaúcha, em termos nacionais, tem uma posição relativamente privilegiada, o mesmo não pode ser dito em termos econômicos. Crescemos menos que a economia brasileira e nossa estrutura produtiva precisa ser modernizada, em sintonia com as mudanças tecnológicas. Como o colega Martinho Lazzari salientou em seu texto na abertura do volume II, no período 1981-2009 a economia do Rio Grande do Sul cresceu 75,6%, significando um crescimento anual médio de 2,0%. Durante esses 29 anos, houve crescimento negativo do PIB em 11 deles. As piores quedas aconteceram em 1990 (-6,6%), 1995 (-5,0%) e 2005 (-2,8%). E a maior alta foi a de 1993 (10,8%), seguida pela de 1992 (8,3%). O PIB per capita do Rio Grande do Sul aumentou 25,3% no período 1981-2009, valendo, neste último ano, R$ 18.596. A expansão média foi de 0,8% a.a. Essa taxa informa que seriam necessários 90 anos para duplicar o valor da renda per capita.


IHU On-Line - Como reflete hoje, na economia gaúcha, a reestruturação que iniciou nos anos 1990? Que balanço faz da economia regional atualmente?

Octávio Conceição -
A economia gaúcha hoje tem um caráter marcado pelo agronegócio, embora persistam importantes cadeias industriais modernizadas e modernizadoras. Cabe investir mais em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), tanto no âmbito da parceria universidade/empresas (que ainda é extremamente baixo e precário), quanto no âmbito interno das atividades produtivas na indústria, na agricultura, no setor serviços, e na integração dessas três com o agronegócio. Sem modernização - leia-se avanço tecnológico, organizacional e institucional - jamais poderemos trilhar trajetórias sustentáveis de crescimento econômico e social. Se fosse usar uma palavra para caracterizar a economia gaúcha hoje, a classificaria como em um estágio de compasso de espera para o crescimento, mas com poucas iniciativas. Ela, através dos empresários, governo e trabalhadores, deve buscar seus novos caminhos sintonizados com as mudanças tecnológicas e sociais, as quais, por sinal, pouco avançaram nas últimas três décadas.


IHU On-Line – Percebe na economia gaúcha um novo desenho industrial, especialmente com a consolidação de polos tecnológicos?

Octávio Conceição -
Acho que ainda não, embora esse tipo de iniciativa seja um elemento essencial para o desenho do novo projeto de crescimento para o país e, especificamente, para o Rio Grande do Sul. O passo inicial foi percebido tardiamente, mas encontra-se em plena gestação. Esse esforço deve sintonizar-se de forma crescente e cumulativa com o novo paradigma tecnológico em fase de montagem no mundo e no Brasil. Caberá perceber as novidades e as janelas de oportunidades abertas com esse desafio. Uma vez que estas estejam estabelecidas, a trajetória para inovatividade estará implantada e será irreversível, o que poderá nos garantir desenvolvimento econômico duradouro.


IHU On-Line - A economia nacional cresceu mais de 7% este ano. Nesse cenário, qual a importância da economia gaúcha no cenário nacional?

Octávio Conceição -
A economia gaúcha representa cerca de 7% do produto nacional e é a 4ª maior do país, embora venha perdendo essa posição para o Paraná. O que se pode dizer a respeito da relação da economia brasileira com a gaúcha é que esta última acompanha o movimento do país, ora superando-o, pouco, ora retardando-se. Utilizando os dados do texto referido do Martinho, tem-se que, entre o período 1981-2009, a taxa de crescimento do PIB gaúcho foi de 2,0% a.a., em média, inferior a do brasileiro, que se expandiu a 2,4%. No primeiro período, 1981-1994, a economia gaúcha acumulou um crescimento de 37,0%, enquanto a taxa da economia brasileira foi de 31,7%. Ou seja, nesse período de 14 anos, o Estado cresceu mais que o Brasil. Nos 15 anos seguintes (1995-2009), o PIB do Rio Grande do Sul cresceu 28,2% e o do Brasil expandiu-se 51,0%.

A participação do Rio Grande do Sul no PIB brasileiro, que era de 7,9% em 1985, passou para 8,9% em 1994. Entre 1995 e 2007, o Estado perdeu espaço, chegando ao final do período com uma parcela de 6,6% da produção nacional. Entretanto, a posição do Rio Grande do Sul no ranking dos estados permaneceu inalterada. A economia gaúcha continua sendo a quarta maior do país, embora a diferença em relação à quinta, posição ocupada pelo Paraná em 2007, venha diminuindo nos últimos anos.


IHU On-Line – Como descreve o modelo de desenvolvimento econômico em execução no estado?

Octávio Conceição -
Não se pode falar em modelo de desenvolvimento propriamente dito, porque sua mediação se dá em função da dinâmica econômica brasileira, que, por sinal, tem tido desempenho bastante satisfatório. O país está se modernizando e usufruindo de uma trajetória nova de crescimento econômico com reinserção externa, embora o que vem puxando o crescimento é o consumo doméstico. Está-se construindo um novo país com promissoras janelas de oportunidade que deverão ser mais bem exploradas. E mais importante, com distribuição de renda para os extratos mais pobres da população. O Rio Grande do Sul está com sérias dificuldades na gestão dos recursos públicos do estado, embora o ajuste fiscal operacionalizado no governo que se encerra tenha tentado reverter esse quadro. Um novo modelo a ser seguido deve levar em conta todos esses fatores para traçar uma estratégia para o crescimento de longo prazo. Sem ela ficaremos à mercê das oscilações da conjuntura. Soluções mágicas não caem do céu; são construídas pelos governantes com empenho, criatividade e continuidade.


IHU On-Line - Em 2007, o senhor concedeu uma entrevista à IHU On-Line em que afirma que o estado atravessava uma das piores crises financeiras. Qual é a atual
situação das finanças públicas estaduais?

Octávio Conceição -
Acho que o ajuste fiscal produzido no atual governo foi importante e decisivo, e deverá ser estruturalmente mantido. Sem este ajuste, que em minha visão deve estar enraizado permanentemente em qualquer programa de governo e de qualquer partido, será impossível desenhar um cenário prospectivo favorável para o crescimento do Rio Grande do Sul.


IHU On-Line - Que modelo econômico de desenvolvimento será estabelecido pelo novo governador, Tarso Genro?

Octávio Conceição -
Acho que tal modelo deverá ser formulado pela estrutura do novo governo e pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico a ser criado, tal qual ocorreu no governo federal. A proximidade com a presidente Dilma deveria contemplar melhor a inserção do RS no Brasil de forma mais harmônica e sintonizada. Espero que isto, de fato, ocorra para que o estado recupere parte do espaço perdido em termos econômicos, políticos e sociais.


>> Leia Mais...

Octávio Conceição
já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line.

* “Ainda estamos passando por profundas mudanças estruturais”. Publicada em 7-5-2007

* Da Teoria da Regulação ao atual desequilíbrio financeiro: uma reflexão da economia a partir do pensamento de Michael Aglietta. Publicada em 06-10-2008

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