Edição 345 | 27 Setembro 2010

Conservar: o desafio do Pantanal

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Patrícia Fachin

É difícil estimar os efeitos a longo prazo das intervenções feitas no Pantanal, mas, observando outros ecossistemas brasileiros, é possível perceber o empobrecimento e “um sentimento de arrependimento por parte da sociedade, com diversas tentativas de reverter a situação depois do entusiasmo do ‘desenvolvimento’”, assinala o biólogo Carlos Roberto Padovani

Vários fatores ameaçam a integridade do Pantanal como área natural. Entretanto, a “ocupação humana de forma desordenada e suas consequências é, sem dúvida, a principal”, enfatiza Carlos Roberto Padovani, em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail.

Para o pesquisador, o avanço da fronteira agrícola do cerrado no planalto que circunda o Pantanal e o desmatamento dentro do ecossistema, para a implantação de pastagens exóticas para a produção bovina e exportação de carvão para empresas siderúrgicas, são atividades preocupantes e ameaçam a preservação da região. Apesar dessas interferências, Padovani menciona que o Pantanal ainda está “em bom estado de conservação, se comparado aos demais biomas ou ambientes naturais do Brasil e do exterior”. De qualquer modo, adverte, “precisamos pensar em qual seria o limite aceitável de supressão da vegetação natural para conservar o Pantanal como ambiente natural, garantindo sua biodiversidade e os serviços ambientais que o mesmo vem prestando gratuitamente para a sociedade”.
Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Padovani é mestre em Biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA. Atualmente é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Quais as características específicas do Pantanal mato-grossense?

Carlos Roberto Padovani -
O Pantanal difere de outros pantanais, ou de outras áreas úmidas do planeta, primeiro porque não é um pantanal no sentido estrito da palavra, ou um pântano, mas sim uma imensa planície que parte do ano está seca e parte do ano está inundada. Apenas algumas áreas do Pantanal ficam permanentemente inundadas.


IHU On-Line - Que motivos fazem com que o Pantanal perca o status de uma das últimas fronteiras naturais do planeta?

Carlos Roberto Padovani -
São várias as ameaças à integridade do Pantanal como área natural. A ocupação humana de forma desordenada e suas consequências é, sem dúvida, a principal. O avanço da fronteira agrícola do cerrado no planalto que circunda o Pantanal, sem os devidos cuidados como o manejo adequado dos solos, aumentou os processos erosivos naturais e, consequentemente, tem provocado o assoreamento dos rios no Pantanal.

É preocupante o desmatamento dentro do Pantanal para implantação de pastagens exóticas e aumento da produção bovina, assim como para exportação de carvão a empresas siderúrgicas. Embora exista legislação proibindo a implantação de usinas de álcool com extensas áreas de plantação de cana-de-açúcar no planalto, são recorrentes as tentativas de modificação ou eliminação da legislação para permitir esse tipo de empreendimento. O mesmo se aplica às investidas contra o Código Florestal, a nível nacional e que também provocará efeitos na cobertura vegetal da bacia.
A implantação de usinas hidroelétricas no planalto é também preocupante, pois tem o potencial de alterar o pulso de inundação do Pantanal.


IHU On-Line - Quais são as causas e os efeitos da alteração da cobertura vegetal no Pantanal para o ecossistema e para as populações?

Carlos Roberto Padovani -
A principal causa é o aumento da produção bovina. Essa atividade existe na região há mais de dois séculos, mas tem sofrido pressão econômica para competir com outras áreas de produção bovina no país.

Embora ainda modesto, o desmatamento no Pantanal, se conduzido sem os devidos limites, provocará perda dos recursos naturais e da biodiversidade. Os efeitos em longo prazo são difíceis de serem estimados, mas o que se observa para outras áreas no Brasil e em outros países, é o empobrecimento dos ecossistemas e um sentimento de arrependimento por parte da sociedade, com diversas tentativas de reverter a situação depois do entusiasmo do “desenvolvimento”. Esse arrependimento não é devido a questões românticas sobre a natureza, mas devido à escassez de recursos naturais que comprometem a nossa qualidade de vida e das gerações futuras. Problemas de conflito pelo uso da água cada vez mais escassa e de pior qualidade são apenas um dos exemplos do desenvolvimento não sustentável.


IHU On-Line – Qual é a atual situação ambiental do Pantanal em termos de conservação?

Carlos Roberto Padovani -
A maior parte do Pantanal é de propriedade privada onde a pecuária extensiva é a principal atividade econômica. Considerando isso, conservação seria um termo mais adequado que preservação, embora deva haver um esforço para que as áreas com pouca ou nenhuma atividade humana sejam preservadas.
Eu e outros colegas da Embrapa Pantanal participamos de um trabalho financiado e coordenado por ONGs, o qual mostrou que a taxa de aumento de supressão da vegetação natural entre 2002 e 2008 foi de 2,4%. A área total de supressão da vegetação no Pantanal para 2008 foi de 13,4%. Esse valor significa que o Pantanal ainda está em bom estado de conservação, se comparado aos demais biomas ou ambientes naturais do Brasil e do exterior. Mas significa também que precisamos pensar em qual seria o limite aceitável de supressão da vegetação natural para conservar o Pantanal como ambiente natural, garantindo sua biodiversidade e os serviços ambientais que o mesmo vem prestando gratuitamente para a sociedade. Temos que ter consciência de que, quando falamos de supressão da vegetação ou comumente “desmatamento”, não é apenas a vegetação que está sendo eliminada, mas também toda a fauna que não consegue migrar para outras áreas, sem contar os processos ecológicos de interação entre os organismos. É muito mais complexo do que parece e ignoramos isso. Ademais, a reconstrução de ambientes naturais para garantir recursos naturais perdidos é extremamente dispendioso para a sociedade. A conservação e uso consciente dos ambientes naturais tem mostrado ser o melhor caminho a longo prazo.


IHU On-Line - Que modelo de desenvolvimento econômico é compatível com o ecossistema pantaneiro?

Carlos Roberto Padovani -
Aquele que conserve a maior parte do Pantanal e os principais processos hidrológicos e ecológicos, além das atividades econômicas tradicionais. A pecuária extensiva tradicional tem se mostrado sustentável e isso não significa que ela deva ficar estagnada, mas, sim, ser agregada a inovações que a mantenha rentável dentro dos princípios do desenvolvimento sustentável.


IHU On-Line - De que maneira os problemas ambientais do pantanal se transformam também em problemas sociais e econômicos para a população da região pantaneira?

Carlos Roberto Padovani -
Do ponto de vista econômico, na medida em que as alterações ambientais advindas das atividades humanas provocam problemas sociais e econômicos que superam o lucro obtido pelo uso dos recursos naturais. Mas há também os aspectos éticos da relação sociedade/natureza e de quem está ganhando com isso. No modelo de desenvolvimento usual, frequentemente os lucros se concentram numa pequena parcela da sociedade ou são desigualmente distribuídos. Observa-se que o uso da terra, após a remoção da cobertura vegetal natural, é deficiente, mal administrado. Assim, ao invés de trazer os benefícios econômicos, argumento usado como justificativa para a eliminação da vegetação natural e todo o potencial de aproveitamento da mesma, transformam-se em áreas subaproveitadas ou degradadas.

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