Edição 345 | 27 Setembro 2010

O Valério morreu

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Álvaro Valls

Recebemos e publicamos o artigo escrito pelo filósofo Álvaro Valls, professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Filosofia da Unisinos. No texto, ele presta uma homenagem ao colega e também amigo Valério Rohden, falecido em 19-09-2010.

Recebemos e publicamos o artigo escrito pelo filósofo Álvaro Valls, professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Filosofia da Unisinos. No texto, ele presta uma homenagem ao colega e também amigo Valério Rohden, falecido em 19-09-2010.

Valls é doutor em Filosofia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha). Professor titular do PPG-Filosofia da Unisinos, é pesquisador do CNPq, presidente do Grupo de Estudos sobre as obras de Kierkegaard nesta instituição e um dos fundadores da Sociedade Kierkegaard do Brasil (Sobreski). Traduziu algumas obras desse filósofo direto do dinamarquês, publicadas na coleção Pensamento Humano, pela Editora Vozes, e está finalizando a tradução de uma obra de Theodor Adorno para a Editora UNESP. De sua produção bibliográfica, citamos Entre Sócrates e Cristo (Porto Alegre: Edipucrs, 2000) e O que é Ética? (São Paulo: Brasiliense, 1983). Com Jorge Miranda de Almeida, escreveu Kierkegaard (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007).

Confira o artigo.

No fim de semana retrasado, a comunidade filosófica brasileira foi abalada pela notícia da morte do Prof. Valério Rohden, titular aposentado da UFRGS e que nos últimos tempos andava lecionando voluntariamente nos estados vizinhos, de Santa Catarina e do Paraná. Faleceu em Curitiba, enfartado, aos setenta e poucos anos. Morreu, pois, como viveu: dando cursos de filosofia. A maioria dos que o conheceram liga seu nome ao do filósofo alemão Immanuel Kant , cujas obras traduziu ao longo de várias décadas. Muita gente não saberia grande coisa sobre a vida do Valério: onde nasceu, qual sua religião, seu partido político, seu time preferido e talvez nem o nome dos três filhos (Rafael, André e Marcos) ou da esposa Vera. Valério não tratava de assuntos pessoais, tratava de filosofia. Seus interesses sempre foram os do esclarecimento: a razão e a liberdade. Estudou em Roma e em Heidelberg, na década de 1960, e no período de caça às bruxas houve gente querendo cassá-lo como comunista, mas sem êxito. Talvez por estar fora do país, nos estudos de pós-graduação, escapou das cassações da primeira década da ditadura. Foi, assim, o elo de ligação entre o departamento de filosofia do tempo dos Brito Velho, Fiori , Dom Antônio  e Gerd , e o novo grupo que ajudou a formar nos anos 70, com Álvaro, Trindade, Ozomar, Maria Regina, De Boni , Muriel , Dênis  e outros. Se nos anos 70 o Departamento permaneceu vivo, e fugindo da mediocridade, já no início dos 1980 Valério, um eterno lutador, conseguiu dois grandes feitos. Trouxe de volta os que haviam sido cassados (Fiori, Cirne Lima , Stein  e Brum Torres ), e criou o curso de pós-graduação, primeiro o mestrado e poucos anos depois o doutorado. Ainda era professor da UFRGS quando nosso PPG Filosofia chegou à nota 5 da CAPES.

Valério era um líder sem charme barato e distante do tipo carismático, mas arrastava os colegas por ser incansável na luta por aquilo em que acreditava. Ligado à cultura alemã, providenciou a vinda de Flickinger , Kesselring  e Türcke , entre outros. Atuava na AEBA (dos ex-bolsistas) e no Instituto Goethe, cujo auditório acabou transformado num verdadeiro palco da Filosofia. Importante, pois nos anos 70 o curso fora para o Campus do Vale, afastado da cidade. Os debates filosóficos promovidos no Goethe colocaram Porto Alegre na rota de grandes pensadores como Habermas , Tugendhat , Apel , Lefort , Castoriadis , Hösle, e levaram a nossa juventude a enfrentar muitas noitadas de chuva e frio para se deliciar com aquela matéria que os militares consideravam inútil e subversiva. Valério forçava todo o mundo trabalhar, e discutir da maneira mais racional que fosse possível. Acreditava na razão, na reflexão, na argumentação, na filosofia velha e nova, nos gregos e nos alemães, nos latinos e nos franceses. Nos últimos anos lia Cícero  junto com Kant. E acreditava na filosofia brasileira. Foi fundador da ANPOF (Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia) e seu Presidente. Kantianamente cosmopolita, promoveu intensos contatos com os países vizinhos, como a Argentina e, ultimamente, a Venezuela.

Valério foi, tal como também a professora Rejane, dos primeiros filósofos bolsistas do CNPq (hoje são mais de 100). Valorizou os que tinham pós-graduação, e sempre defendeu junto à Associação dos Docentes e à Reitoria da UFRGS as políticas que favorecessem a pesquisa. Tinha afinidades com pesquisadores de outras áreas da UFRGS preocupados em trabalhar sério, mais do que em agradar os colegas. Neste sentido era um típico alemão.

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