Edição 345 | 27 Setembro 2010

Pantanal: um ecossistema diversificado

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Patrícia Fachin

Pantanal é o ecossistema mais preservado do Brasil, constata João Vila, técnico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa

Há mais de 30 anos coordenando o mapeamento do desmatamento na região pantaneira, o pesquisador João Vila enfatiza que a partir do resultado do relatório realizado pelo Ministério do Meio Ambiente, este ano, é possível constatar que “houve pouca alteração na vegetação da planície, considerando que ela é utilizada há mais de 200 anos”. Segundo ele, os índices de desmatamento são maiores nas “bordas norte, sul e leste porque estas são áreas que alagam menos e são de fácil acesso à implantação de pastagem”. Os maiores problemas ambientais do Pantanal estão concentrados na parte alta da bacia e, de acordo com Vila, “enquanto a planície é pouco desmatada, cerca de 12 a 13%, aproximadamente 50% da bacia está desmatada. Quanto mais se intensifica o uso da parte superior, mais se acelera a ação de desmatamento”.

Na entrevista que segue, concedida por telefone para a IHU On-Line, o pesquisador acentua que “a maior alteração na vegetação pantaneira não foi ocasionada pela introdução da pastagem, mas pelo alagamento abrupto que ocorreu no baixo Taquari. Esse fato gerou uma mudança drástica na vegetação e na fauna. A inundação foi muito alta e duradoura, por isso essa região está há 30 anos impactada tanto do ponto de vista ambiental como do ponto de vista econômico”.

João Vila é doutor em Engenharia Agrícola pela Universidade Estadual de Campinas.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Qual é a delimitação do Pantanal e suas sub-regiões?

João Vila –
O Pantanal está localizado no centro da América do Sul e abrange os países da Bolívia, Paraguai e Brasil. 80% do território do Pantanal está no Brasil e o restante está distribuído entre os outros dois países. Existem várias denominações para caracterizar o Pantanal, mas a que mais usamos é a de planície alagada. Essa área tem em torno de 138.183 mil Km². Também existe o conceito de bioma, que, segundo a escala do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, atinge uma área de 150 mil km², sem dividir o território em sub-regiões. O trabalho da Embrapa, por sua vez, analisa o Pantanal a partir da planície e suas 11 distintas sub-regiões.

Apesar de todos esses conceitos para analisar o Pantanal, penso que o melhor seja o de planície alagada. Na minha avaliação, o Pantanal não pode ser chamado de bioma porque, via de regra, o bioma está relacionado a um determinado tipo de clima e vegetação. A vegetação do Pantanal é composta por vegetações de diversos biomas. Existe, por exemplo, as florestas estacionais (decíduas e semidecíduas); a influência do Chaco, do Paraguai; o cerrado; e outras espécies presentes da Floresta Amazônica. Além disso, a região pantaneira tem diferentes características. Costumo dizer que a fisionomia do Pantanal é parecida com uma colcha de retalhos: tem lagoas, vazantes, cerrado, chaco, área alagada e não alagada.
 

IHU On-Line - Como caracteriza a fauna e a flora nativas do ecossistema?

João Vila –
Segundo o mapeamento feito pelo Ministério do Meio Ambiente, 15% do Pantanal está desmatado até 2008. Trabalho há mais de vinte anos no Pantanal e não acredito que problemas causados pela fauna exótica na região sejam mais relevantes que aqueles causados pelo desmatamento e implantação de pastagem exótica. Há 15 anos, o peixe Tucunaré (da Bacia Amazônica) foi introduzido na Bacia do Paraguai devido a um acidente nos tanques de criação, causando um problema ambiental. Os mexilhões dourados, parasitas que vêm da Ásia nos cascos dos navios, também geram problemas ambientais. Fora isso, não vejo outras espécies que podem ameaçar a região. Hoje, os planos de governo impedem a introdução de espécies exóticas de fauna na Bacia.  


IHU On-Line - O senhor estuda a questão do desmatamento há 30 anos. Como a biodiversidade do Pantanal foi e está sendo alterada com o passar dos anos? Que fatores contribuem para que isso ocorra?

João Vila –
Coordenei trabalhos para mapeamento do desmatamento na região pantaneira em diferentes períodos. Nesse sentido, publicamos dados para os anos de 1976, 1984, 1991, 1994 e 2002. A partir do resultado desses estudos e do último relatório realizado pelo Ministério do Meio Ambiente, entendo que houve pouca alteração na vegetação da planície, considerando que ela é utilizada há mais de 200 anos. Considero o Pantanal o ecossistema mais preservado do Brasil.

O desmatamento ocorre nas bordas norte, sul e leste porque estas são áreas que alagam menos e são de fácil acesso para a implantação de pastagem. O grande problema do Pantanal não é na planície em si, mas na parte alta da bacia, entorno do Pantanal. Enquanto a planície é pouco desmatada, cerca de 12 a 13%, aproximadamente 50% da bacia está desmatada. Quanto mais se intensifica o uso da parte superior, mais se acelera a ação de desmatamento. Na minha avaliação, a maior alteração na vegetação pantaneira não foi ocasionada pela introdução da pastagem, mas pelo alagamento abrupto que ocorreu no baixo Taquari. Esse fato gerou uma mudança drástica na vegetação e na fauna. A inundação foi muito alta e duradoura, por isso essa região está há 30 anos impactada tanto do ponto de vista ambiental como do ponto de vista econômico. Nesta área, existiam cerca de 300 propriedades.


IHU On-Line - No caso específico da região pantaneira, como o senhor percebe as políticas de zoneamento na área? Pode falar especificamente sobre seu estudo de caso na bacia hidrográfica do alto rio Taquari MS/MT?

João Vila –
Participei do zoneamento ambiental da bacia hidrográfica do alto rio Taquari, no qual apresentamos as suas vocações e fragilidades. Cabe ao poder público decidir o que fazer nesta área. Em termos de questão ambiental, a Bacia do Alto Paraguai ganhou muito porque ela foi retirada do zoneamento da cana, ou seja, nela não se poderá expandir a plantação da cana-de-açúcar e não podem ser instaladas novas usinas na região. Não existem grandes indústrias dentro do Pantanal. Existem empresas de cimento e siderurgia em Corumbá e também mineradoras que há mais de 100 anos extraem ferro e manganês.


IHU On-Line - Qual é a importância da Bacia do Alto Paraguai, do Araguaia e a Bacia do Paraná para o Aquífero Guarani?

João Vila –
As bacias são muito importantes porque há uma grande área de recarga nos limites dessas três bacias, mas especificamente na sub-bacia do rio Taquari. Participei de um estudo nas nascentes do rio Araguaia e, aparentemente, não há nenhum impacto significativo que atinja o lençol freático advindos de agrotóxicos. De qualquer modo, é possível que isso venha a ocorrer. Por isso, todas as indústrias e atividades que geram impacto ambiental devem ser monitoradas. 


IHU On-Line - Qual é a importância de áreas úmidas como o Pantanal para o equilíbrio do ecossistema e, nesse sentido, sua função em períodos de chuvas e secas?

João Vila –
As áreas úmidas têm seus pulsos de inundação e também são importantes para o regime de evaporação. No período chuvoso, essa água fica na planície e demora de dois a quatro meses por ciclo para ser totalmente escoada. As inundações são importantes para a vida silvestre, para a reposição da pesca, para a vegetação e até mesmo para o gado que vive nessa região.
 


IHU On-Line - Qual a influencia do Pantanal para o desenvolvimento ambiental do Brasil?

João Vila –
Temos duas áreas importantes no país: a Amazônia e o Pantanal, que é a segunda área úmida depois da Amazônia. A preservação dessas áreas ajuda a conservar toda a biodiversidade do país.
O que ampara o Pantanal não é um Código Florestal, mas sim as inundações que ocorrem todos os anos. É caro instalar fazendas na região, colocar pasto plantado, manejar o gado adequadamente e obter lucro, como na parte alta. No dia em que não haver inundações, as pessoas utilizarão o Pantanal, irão desmatá-lo e construir empresas.

O Pantanal é conservado pela água e pelas pessoas que vivem na região, que aprenderam a conviver com ele. No Pantanal, a natureza dominou o homem, tanto é que os fazendeiros têm de viver de acordo com um regime determinado pela água, o que faz com que o gado não ultrapasse a lotação permitida. É um ambiente em que o homem vai vivendo de acordo com o que a natureza pode oferecer para ele.

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