Edição 341 | 30 Agosto 2010

Dom Távora: um exemplo de trabalho social no Brasil

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Patricia Fachin

A geração de bispos dos anos 1960 “antecipou o que mais tarde foi definido no Vaticano II”, constata Marina Bandeira

Ex-secretária de Dom José Vicente Távora durante a preparação do Congresso Eucarístico Internacional, Marina Bandeira, acompanhou o trabalho dele no Rio de Janeiro a partir de 1954. Segundo ela, Dom Távora promoveu uma série de ações na Juventude Operária Católica – JOC e fez “o primeiro levantamento sério das favelas que então existiam na cidade do Rio de Janeiro”.
Marina também participou do Movimento de Educação de Base – MEB, criado por Dom Távora, do qual foi secretária geral. “Esse foi um projeto fabuloso e beneficiou o Nordeste, Amazonas e Centro-Oeste”, lembra. O MEB constituía-se em um programa de educação por meio do rádio. “Essa atividade foi se aperfeiçoando e chegamos a oferecer aulas de alfabetização e fixação de linguagem. Num segundo momento, se verificava se as pessoas aprendiam a ler e a dar sua opinião sobre algum assunto. A ideia não era criar uma escola de mudos; queríamos que as pessoas aprendessem a falar, a conhecer seus direitos e responsabilidades”, menciona.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Marina comenta que os bispos divergiam sobre o MEB e “queriam que o rádio servisse apenas para ensinar a Ave Maria e, por esse motivo, havia também um ‘choque’ entre alguns bispos e Dom Távora”. Marina lembra também que a perseguição a Dom Távora na ditadura militar “foi algo vergonhoso. (...) Na ocasião, ele já estava doente e o então governador do Sergipe, Seixas Dória, seu amigo, havia sido destituído pelos militares e preso. Sei que foi um momento de sofrimento muito grande para Dom Távora e ele pouco pode fazer para libertar seus colegas que estavam presos”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por quais motivos Dom José Vicente Távora foi transferido de Pernambuco para o Rio de Janeiro? Em que contexto se deu sua transferência?

Marina Bandeira – Dom Távora nasceu em Orobó, no interior de Pernambuco. Depois que foi ordenado padre, rapidamente se destacou em Pernambuco como uma pessoa interessada nos problemas dos operários. Em função disso, ele passou a ser responsável pelos Círculos Operários e promoveu um grande seminário em Goiana, na fronteira de Pernambuco com a Paraíba. O evento foi um sucesso e a partir desse momento ele se projetou como o padre que se entendia com os trabalhadores. Por volta de 1950, o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime Câmara, pediu às autoridades competentes que Dom Távora fosse transferido para o Rio de Janeiro. Na ocasião, Dom Jaime solicitou que ele desenvolvesse um trabalho com os Círculos Operários e com a área social da arquidiocese do Rio de Janeiro. Neste momento, começou a se organizar a Ação Católica Brasileira e, em seguida, Dom Távora organizou a Juventude Operária Católica – JOC, promovendo uma série de ações como, por exemplo, o primeiro levantamento sério das favelas que então existiam na cidade do Rio de Janeiro. A partir dos resultados dessa pesquisa feita em parceria com o pessoal da JOC e com os operários, ele instituiu a Fundação Leão XIII, para a Igreja estimular autoridades públicas a atuarem nas favelas existentes. Ele também criou a Ação Social Arquidiocesana – ASA, que promovia campeonatos de futebol e uma série de atividades de apoio ao trabalhador.
Na época, não existiam comunidades nas favelas como existem hoje, mas somente paróquias próximas a elas. Ele tentava aproximar as entidades religiosas com as favelas, mas principalmente incentivava uma pastoral aberta, fosse católica ou não.

IHU On-Line – Como a senhora conheceu Dom Távora? O que destaca da convivência com ele?

Marina Bandeira - Conheci Dom Távora por intermédio de amigos. Eu tinha trabalhado na BBC, em Londres, como tradutora e locutora júnior e, na época em que o conheci, trabalhava em uma embaixada, no Rio de Janeiro, na área de comunicação. Em determinado período da minha vida, me propus a ter um ano sabático. Nesta ocasião, Dom Távora, na época bispo auxiliar do Rio de Janeiro, insistiu para que eu fosse assistir a uma conferência de Dom Hélder Câmara sobre a organização do Congresso Eucarístico Internacional. Eu disse a ele que tinha mais o que fazer e que não iria perder tempo com isso porque não tinha proximidade com a Igreja. Ele insistiu e convenceu-me a ir. Fiquei admirada com a audácia com que Dom Hélder se propunha a fazer o Congresso Eucarístico Internacional. Eu estava cética e pensava que não tínhamos capacidade de organizar um evento dessa envergadura. Eles pediram minha ajuda e foi assim que eu entrei nessa engrenagem. Dom Távora pediu que eu participasse das reuniões organizadas por Dom Hélder, nas quais ele apresentava um panorama do que estava acontecendo. Fui e vi que as atividades desenvolvidas por eles eram fantásticas. Quando saí dessa reunião, Dom Távora havia me nomeado sua secretária para a comunicação com a imprensa e a partir de então passei a trabalhar diretamente com ele. O encontro Eucarístico foi fantástico e marcou época. Uma das tardes do evento foi dedicada aos operários e, Dom Távora, juntamente com o pessoal da JOC, promoveu um evento belíssimo no Estádio do Maracanã. Depois disso, ele continuou sua atividade de contato com as favelas, o qual facilitou, mais tarde, o trabalho de organização em favelas, coordenado por Dom Hélder. Um belo dia cheguei ao Palácio São Joaquim com a intenção de comunicar Dom Távora de que aquele era meu último dia de trabalho. Para minha surpresa, fiquei sabendo que ele havia sofrido um enfarte; continuei trabalhando.

IHU On-Line – Qual era a relação de Dom Távora com Dom Hélder Câmara?

Marina Bandeira - Dom Távora já estava no Rio de Janeiro há alguns anos, quando veio para a cidade Dom Hélder Câmara. Eles ficaram amigos porque tinham uma visão aproximada sobre diversos assuntos. Quando Dom Jaime Câmara pediu que o então padre Hélder organizasse o Congresso Eucarístico Internacional, em 1955, ele e Dom Távora ficaram mais amigos ainda. Padre Távora ajudava na comunicação com a imprensa, mas sem se descuidar de seu trabalho com os operários; ele apoiava greves e tinha solidariedade com os trabalhadores. Em 1954, a Ação Católica já estava especializada e sob a responsabilidade de Dom Hélder, enquanto a JOC funcionava sob a coordenação de Dom Távora. Nas conversas que tinham com frequência, Dom Hélder e Dom Távora verificaram que, em outros países, os bispos de arquidioceses grandes como a do Rio de Janeiro tinham tarefas distribuídas em regiões da cidade, ou seja, cada bispo auxiliar morava em uma determinada região: zona sul, zona oeste, zona leste etc. para conhecer melhor as comunidades e reuniam-se, uma vez por semana, com o cardeal. Padre Távora levou essa ideia a Dom Jaime, que ficou aborrecidíssimo porque achou que estavam querendo tirar sua autoridade. Esse episódio é muito sério porque, a partir desse momento, Dom Jaime disse que não queria mais Dom Távora como bispo auxiliar – por este motivo ele foi transferido para o Nordeste e, então, nomeado bispo de Aracajú.

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