Edição 330 | 24 Mai 2010

“O mercado somente funciona com a ‘mão visível’ do Estado”

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Graziela Wolfart, Márcia Junges e Patricia Fachin

Há relação entre cenário atual na Europa com o “modelo social europeu”, mas sobretudo um desdobramento da crise financeira internacional de 2008-09, aponta o economista Fernando Ferrari. De acordo com ele, o modelo de “bem-estar social” precisa ser reconsiderado

“Eu diria que, em parte, a atual crise fiscal e financeira dos países do PIIGE (anagrama para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) está relacionada ao chamado "modelo social europeu", mas entendo que ela é predominantemente um desdobramento da crise financeira internacional de 2008-09”. A afirmação é do economista Fernando Ferrari na entrevista exclusiva que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. Em seu ponto de vista, é preciso reconsiderar o modelo de "bem-estar social". E completa: “As críticas que se fazem ao sistema de proteção social não são somente à Europa, mas às economias de bem-estar social (ou daquilo que ainda restou) como um todo. São críticas daqueles que entendem que deve haver um Estado Mínimo, responsável somente pela segurança e aos direitos à propriedade privada”. Ele explica que Estado e mercado são duas instituições interdependentes: “o mercado somente funciona com a ‘mão visível’ do Estado”.

Fernando Ferrari Filho é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), e pós-doutor pela University of Tennessee System (1996). Atualmente, é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicou, nos Cadernos IHU ideias nº 37, o artigo As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Pensando no endividamento causado pelo chamado “modelo social europeu” que rumos a economia mundial pode começar a tomar a partir deste episódio? Qual é a novidade que ele traz?

Fernando Ferrari - Eu diria que, em parte, a atual crise fiscal e financeira dos países do PIIGE (anagrama para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) está relacionada ao chamado "modelo social europeu", mas entendo que ela é predominantemente um desdobramento da crise financeira internacional de 2008-09. Por quê? Porque, por um lado, as políticas monetárias e, principalmente, fiscais, implementadas nos países desenvolvidos (em especial Estados Unidos e países da zona do euro) acabaram gerando desequilíbrios fiscais expressivos. Nesse particular, países não tão dinâmicos, como os países do PIIGE, acabam tendo dificuldades para gerenciar seus desequilíbrios fiscais. Por outro, o sistema financeiro europeu foi contagiado pela crise do subprime, bem como houve, também, inflação de ativos nos países da zona do euro, em especial na Espanha (setor imobiliário) e na Irlanda (setor de tecnologia), entre outros.

IHU On-Line - A demonstração de fraqueza do euro deixa transparecer que sinal em relação ao modelo econômico e social mundial?

Fernando Ferrari - No momento em que os países da zona do euro passam por um processo de ajuste fiscal para que as metas fiscais estabelecidas pelo Tratado de Maastricht  sejam cumpridas, com certeza, o modelo de "bem-estar social" deverá ser reconsiderado. A questão central é que países como a Inglaterra, a Alemanha e a França, em menor escala, têm condições de passar por um processo de austeridade fiscal, ao passo que países como a Grécia, a Espanha e Portugal, menos pujantes economicamente e com uma distribuição de renda menos equânime, não podem prescindir de políticas fiscais contracíclicas.
 
IHU On-Line - Como vê iniciativas como a da união monetária europeia? Como projetos assim podem funcionar sem uma disciplina fiscal comum e sem uma "governança econômica"?

Fernando Ferrari - Além dos problemas fiscais e financeiros que os países da zona do euro enfrentam, há uma outra questão a ser considerada: a adesão, em um futuro próximo, dos países do leste europeu na zona do euro criará dificuldades adicionais para a zona do euro. Por quê? Porque quando os referidos países aderirem ao euro, a "governança econômica" (associada ao Pacto de Estabilidade e Crescimento) será colocada em xeque sempre que houver turbulências econômicas, pois a economia da zona do euro tornar-se-á bastante heterogênea (em tamanho, performance, inserção externa etc.).  
 
IHU On-Line - Quais as principais críticas que vêm sendo feitas ao sistema de proteção social da Europa e quais as consequências que essa rede tem provocado no cenário econômico da zona do euro?

Fernando Ferrari - As críticas que se fazem ao sistema de proteção social não são somente à Europa, mas às economias de bem-estar social (ou daquilo que ainda restou) como um todo. São críticas daqueles que entendem que deve haver um Estado Mínimo, responsável somente pela segurança e aos direitos à propriedade privada. As críticas são direcionadas tanto aos programas de saúde, como direito universal do governo Obama, quanto aos programas sociais (Bolsa Família) do governo Lula da Silva. No mundo pós-crise do subprime, espero e torço para que a ideia de Estado Mínimo perca, definitivamente, espaço.
 
IHU On-Line - Quais as contribuições que o governo Lula pode oferecer no sentido de pensar um novo modelo, alternativo ao capitalismo neoliberal?

Fernando Ferrari - A solução parcial para a crise financeira (considero parcial, pois ainda há desdobramentos delas) está relacionada à operacionalização de políticas fiscal e monetária contracíclicas e à intervenção do Estado. Ademais, a reestruturação do sistema monetário internacional (redefinição do papel da moeda universal, controle de capitais etc.) é fundamental para que economias monetárias, inerentemente instáveis, possam conviver com crises financeiras. Estado e mercado são duas instituições interdependentes: o mercado somente funciona com a "mão visível" do Estado.
 
IHU On-Line - Que pensadores clássicos da economia podem ajudar a pensar em alternativas ao modelo econômico e social que rege a Europa e o mundo hoje? Como seria esse modelo novo? 

Fernando Ferrari - Na área da Economia, com certeza, as ideias e proposições de J. M. Keynes são uma referência. Em termos de modelo, talvez a rearticulação do nacional-desenvolvimentismo, contextualizado em mundo global, seja interessante. Nesse particular, as proposições apresentadas pelo ex-Ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira  são interessantes. Enfim, regulação dos mercados financeiros e ações dos Big Governamnet e Big Bank (expressões cunhadas por H. Minsky ) devem fazer parte da "institucionalidade" do modelo econômico alternativo.

Leia mais...

Confira outras entrevistas concedidas por Fernando Ferrari Filho à IHU On-Line.

* Uma política econômica única e exclusivamente para controlar a dinâmica inflacionária. Revista IHU On-Line nº 204, de 13-11-2006;

* Programa de aceleração do crescimento. Um ano depois. Notícias do Dia 23-01-2008;

* A “mão invisível” do mercado não funciona sem a “mão visível” do Estado. Revista IHU On-Line nº 276, de 06-10-2008.

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