Edição 328 | 10 Mai 2010

Vale do Sinos é o principal polo exportador de calçados do país

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Patricia Fachin

Na avaliação do economista Achyles Barcelos, a indústria de calçados do Vale do Sinos desempenhou e ainda desempenha um importante papel não só para a região como para o estado e o país

“Num horizonte previsível de tempo, o setor calçadista do Vale do Sinos vai continuar desempenhando um papel proeminente na região pelo peso que ele tem. Contudo, a sua perspectiva de crescimento vai depender da sua capacidade em se manter competitivo frente à concorrência externa, particularmente da China e de outros países asiáticos”. A constatação é do economista e professor do curso de Economia da Unisinos, Achyles Barcelos.

Na entrevista que segue, concedida, por telefone à IHU On-Line, ele diz que a retomada do crescimento no setor no último ano se deve “às barreiras de importação aos calçados chineses, estabelecidas pelo governo brasileiro como forma de proteger a indústria brasileira de calçados”. Aliado a isso, o pesquisador menciona o aumento das exportações brasileiras de calçados, que passaram de “US$ 384,6 milhões no primeiro trimestre de 2009, para US$ 423,6 milhões no primeiro trimestre de 2010”. Segundo ele, isso “permite um certo crescimento, principalmente para as empresas do Vale do Sinos, que são exportadoras”.

Achyles Barcelos é graduado e mestre em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. De seus trabalhos acadêmicos, destacamos a dissertação de mestrado, intitulada A concentração econômica da indústria de calçados do Vale do Sinos, e a tese de doutorado, Modernização e competitividade da indústria de calçados brasileira. É de sua autoria a edição 47 dos Cadernos IHU ideias, intitulada O desenvolvimento econômico na visão de Joseph Schumpeter.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual foi e qual é, hoje, a contribuição da indústria do calçado para o desenvolvimento regional do Vale do Sinos?

Achyles Barcelos – A indústria de calçado do Vale do Sinos desempenhou e ainda desempenha um importante papel não só para a região como também para o Estado e o País.

Uma dimensão importante dessa contribuição do setor para o Rio Grande do Sul foi o seu papel na incorporação ao mercado de trabalho e de consumo de milhares de gaúchos. No início da exportação de calçados, por volta de 1970, muitos gaúchos provenientes do interior do Rio Grande do Sul se dirigiram para as cidades de São Leopoldo, Campo Bom, Novo Hamburgo, Sapiranga e outros municípios da região, em busca de ocupação e melhorias de condições de vida. A maioria desses trabalhadores vivia no campo, em minifúndios com baixo rendimento e com um padrão de consumo limitado a essas condições de vida.

Para o país, a atividade calçadista do Vale propiciou a geração de divisas, dado que o Rio Grande do Sul e o Vale, em particular, se constituíram no principal polo brasileiro exportador de calçado. Embora o seu ritmo de crescimento hoje não seja o mesmo daquele dos "anos dourados”, o setor ainda desempenha um papel relevante na reprodução da vida material de um grande contingente de gaúchos. Em 2008, estavam empregados no setor calçadista do estado 106 mil trabalhadores. Esse número representou, naquele ano, 15,9% do total de ocupados com carteira assinada na indústria em transformação do Rio Grande do Sul. Mas essa importância da indústria do calçado já foi mais expressiva no estado. Em 1994, ela representava 25,1%, ou seja, 1 em 4 gaúchos trabalhando na indústria de transformação do Rio Grande do Sul estava ocupado na indústria de calçado.

Essa perda de importância deve-se, além da diversificação da base produtiva e ao crescimento de outros setores, ao deslocamento de empresas do Vale para o Nordeste brasileiro a partir da metade da década de 1990, gerando empregos naquela região. Embora o estado do Rio Grande do Sul seja o principal empregador individual na indústria de calçado do país, de acordo com os dados da MTE/RAIS , três estados do nordeste - Ceará, Bahia e Paraíba - já detinham 31,7% do emprego no setor, em 2008.

IHU On-Line - O setor calçadista esteve em crise em 2007 e começa a dar sinais de melhoria na região do Vale do Sinos. Qual é o panorama atual da indústria calçadista na região? De que maneira a produção calçadista para o mercado interno ou externo interfere nos resultados do setor?

Achyles Barcelos - O setor calçadista do Vale do Sinos se constitui, ainda, no principal polo exportador de calçados do país. Entretanto, ele tem sido pressionado competitivamente por dois fatores: a taxa de câmbio e a concorrência chinesa. Cada vez que o câmbio se valoriza, as exportações de calçados do Vale se veem prejudicadas no exterior porque se tornam mais caras frente a outros concorrentes. É o caso de perda de participação do setor no mercado norte americano por causa dos calçados chineses. Ainda há penetração no mercado brasileiro de calçados provenientes da China. De 2004 a 2008, a importação total de calçados pelo Brasil saltou de US$ 62,3 milhões para US$ 307,6 milhões (em termos de pares de calçados, passou de 8,9 milhões, em 2004, para 39,3 milhões, em 2008). No ano de 2008, as compras oriundas da China representaram 84% de todos os pares de calçados por nós importados. Essa tendência crescente de importação foi interrompida com as barreiras à compra dos calçados chineses, estabelecidas pelo governo brasileiro como forma de proteger a indústria brasileira de calçados. Foi estabelecida, a partir de setembro de 2009, uma alíquota de US$ 12,47 por par de calçados importados. Em março de 2010, essa alíquota foi elevada para US$ 13,85 e com duração de cinco anos. Essa proteção à indústria brasileira de calçado estabelecida pelo governo é um fator que permite um certo fôlego para a indústria. 

IHU On-Line – É isso que caracteriza a retomada de crescimento no setor?

Achyles Barcelos - Essa medida ajuda porque evita a importação. Outro fator é o aumento das exportações brasileiras de calçados. Elas passaram de US$ 384,6 milhões no primeiro trimestre de 2009, para US$ 423,6 milhões no primeiro trimestre de 2010. Esse é um fator que permite um certo crescimento, principalmente para as empresas do Vale do Sinos, que são exportadoras. Outro elemento que pode estar estimulando essa performance do setor é o crescimento da economia brasileira. Quer dizer, esse desempenho da economia brasileira tem estimulado o mercado interno devido ao aumento do emprego e da massa salarial. Como o calçado é um bem de consumo, o efeito renda deve ter uma repercussão positiva nas vendas do setor. Diria que tem três elementos que impulsionam o crescimento: a redução das importações, o aumento das exportações e, no mercado interno, o aumento do consumo.

IHU On-Line - A partir do setor calçadista, o senhor prevê crescimento econômico para a região? Que perspectiva vislumbra para o setor?

Achyles Barcelos - Num horizonte previsível de tempo, o setor calçadista do Vale do Sinos vai continuar desempenhando um papel proeminente na região pelo peso que ele tem. Contudo, a sua perspectiva de crescimento vai depender da sua capacidade em se manter competitivo frente à concorrência externa, particularmente da China e de outros países asiáticos - aí incluiria o Vietnã, que já é o segundo fornecedor de calçado no mundo. Competir apenas tendo como fator os custos baixos de produção está sendo e será cada vez mais difícil para os calçadistas do Vale do Sinos. A sua manutenção e expansão nos mercados dependem da competência do setor em desenvolver novos atributos de competitividade para os calçados produzidos na região. Isso consiste na ideia de desenvolver um estilo próprio. O importante é conseguir vender no mercado externo com outro atributo que não apenas o preço baixo. Esse é um longo processo.

IHU On-Line - O município de São Leopoldo está se destacando em função do Tecnosinos. A partir desse novo empreendimento, é possível vislumbrar uma mudança de paradigma no setor econômico do Vale do Sinos?

Achyles Barcelos - A região, com o tempo – e isso é natural –, diversificou a sua estrutura produtiva. Atualmente, São Leopoldo e Novo Hamburgo formam uma base metal-mecânica forte na região. O parque tecnológico vem contribuir como um passo importante para a região ingressar em setores produtivos dinâmicos em termos de crescimento, que são esses setores vinculados à tecnologia da informação. Empresas como SAP, HT Mícron e outras instaladas no parque representam um fator importante para a diversificação produtiva.

IHU On-Line – As empresas do setor calçadista terão de inovar no sentido de buscar mão-de-obra mais qualificada?

Achyles Barcelos - Essa questão dá margem para uma ampla discussão. O setor veio, ao longo do tempo, trabalhando de forma subcontratada para empresas no exterior, que encomendavam sapatos do Vale em grande quantidade em função do preço baixo. Com isso, se tem um perfil de mão-de-obra para essa atividade. Agora, esse é o ponto: quando as empresas procuram desenvolver outros atributos de competitividade, qual é o perfil de mão-de-obra requerido para atender essas novas exigências? Não tenho resposta para essa indagação, pois ainda estou iniciando uma pesquisa sobre o assunto. Mas, muito provavelmente deve mudar.

IHU On-Line – Se surgem no Vale empresas que oferecem melhores condições salariais, as pessoas tendem a se qualificar para atuar nesses novos segmentos?

Achyles Barcelos - As pessoas não têm preferência em si pela empresa calçadista. Às vezes, isso está mais relacionado ao fato de ter ou não um emprego. Os mais jovens preferem ingressar em outras atividades, e algumas empresas, individualmente, já manifestaram a necessidade de que precisariam pagar salários melhores. Mas, para elevar o salário, é preciso entrar num segmento de calçado em que o valor agregado do sapato seja maior. É difícil pagar salários mais elevados, atuando num segmento de calçados em que o preço baixo é o seu fator de competitividade, porque aí o custo começa a pesar muito. Com o desenvolvimento de outros atributos para a competitividade, é provável que os salários se elevem. Ao desenvolver um design próprio, as empresas precisam ter um departamento com estilistas, modelistas, e esse é um pessoal que recebe uma remuneração maior. A atenção à qualidade do calçado também requer habilidades maiores por parte do trabalhador, e isso tende a elevar o patamar de sua qualificação.

IHU On-Line - Em que cidades do Vale do Sinos o setor calçadista ainda é predominante e qual a potencialidade nesses municípios?

Achyles Barcelos – Segundo dados da MTE/RAIS de 2008, no município de Dois Irmãos, 45% do emprego estava na indústria de calçados; em Sapiranga, esse número aumenta para 57,4%; e em Nova Hartz, para 74,7%. Cidades vizinhas do Vale, como Igrejinha, 57,5% do emprego está no setor calçadista; Parobé tem 61,5%, Rolante, 58,9%, e Picada Café, 65,3%. Esses números são significativos e, para esses municípios, a indústria de calçado é fundamental. Então, quando o setor entra em crise nessas cidades, o impacto negativo é muito forte porque a vida econômica da região depende da atividade calçadista. Aqueles municípios que eram tradicionais na produção de calçados como Novo Hamburgo, São Leopoldo e Campo Bom diversificaram a sua matriz produtiva. Em Novo Hamburgo, o emprego do calçado representa 12,6% do total do emprego no município em 2008. Já em São Leopoldo, a atividade de calçado praticamente desapareceu. De 52 mil empregados, apenas 318 estão na indústria de calçado. Como se observa, o calçado continua sendo um setor importante no Vale do Sinos.

Leia mais...

>> Achyles Barcelos já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Ela está disponível na nossa página eletrônica (www.ihu.unisinos.br).
O impacto sobre o setor calçadista continuará sendo negativo”. Publicada na edição número 224, intitulada Os rumos da Igreja na América Latina a partir de Aparecida. Uma análise do Documento Final da V Conferência, de 20-6-2007.

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