Edição 326 | 26 Abril 2010

Os efeitos do leilão de Belo Monte deverão ser nulos

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Graziela Wolfart e Patricia Fachin

Roberto Smeraldi repercute o leilão de Belo Monte e declara que o mesmo tinha de ser anulado e reconvocado, por estar suspenso pela justiça.

Na opinião do jornalista Roberto Smeraldi, as empresas Odebrecht e Camargo Corrêa saíram ganhando com o leilão de Belo Monte, pois, segundo ele, “elas têm interesse em entrar não como investidoras, mas como executoras, aí são pagas pelos serviços que prestam. E sem elas vai ser difícil para o governo executar um projeto desta magnitude”. Na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line, Smeraldi analisa os principais episódios que envolvem a realização do leilão de Belo Monte e critica a postura da imprensa em relação à divulgação dos fatos: “é paradoxal que dedicaram páginas à ‘guerra de liminares’, mas nenhum deles explicou sequer qual era o objeto da liminar que suspendia o leilão enquanto ele acontecia”.

Roberto Smeraldi é jornalista e diretor da entidade Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. Também assessora instituições brasileiras e internacionais, como o Banco Mundial, agências das Nações Unidas e o Ministério do Meio Ambiente.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Na manhã do dia 20-4, a imprensa anunciava que o leilão de Belo Monte estava suspenso. Mas, no mesmo dia, a liminar que suspendia o leilão foi cassada. Em sua opinião, o que aconteceu?

Roberto Smeraldi - São duas coisas diferentes. Aquela liminar, concedida ao Ministério Público, foi cassada por volta do meio-dia, quando foi concedida outra, para nossa ação civil, que só foi cassada 6 horas depois do leilão. Portanto, o leilão tinha de ser anulado e reconvocado, por estar suspenso pela justiça. A liminar  relacionada com nossa ação já estava publicada às 13h no site da justiça federal, e o leilão ocorreu às 13h24min.

IHU On-Line - Como explicar a posição da justiça nesse caso?

Roberto Smeraldi - Havia diferente entendimento entre o juiz federal no Pará e o desembargador no Tribunal Regional Federal de Brasília. Este último ia sair do cargo dois dias depois e já havia declarado, em anterior decisão, que estava a favor da obra independentemente de irregularidades, porque ela era importante, portanto, iria cassar as liminares em geral. O raciocínio dele era como se você justificasse que passou com farol vermelho porque tinha pressa de chegar ao trabalho, caso contrário sofreria um prejuízo financeiro. Ele usou a mesma lógica na decisão dele: mesmo que tenha irregularidades, para evitar prejuízo financeiro vale tudo.

IHU On-Line - O senhor pode nos explicar como foi organizado o leilão para a concessão do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte? Quem são as empresas que estavam no leilão?

Roberto Smeraldi - Os dois consórcios eram baseados em estatais do mesmo grupo, Eletrobras . Isso já mostra o contexto. E aí cada um trazia uma empreiteira. As duas grandes, Odebrecht e Camargo, ficaram fora. Outra, a Andrade, resolveu ficar no leilão, mas sem oferecer ágio algum, para perder mesmo, e assim ficou fora. Sobrou o consórcio com a Queiroz, que acabou levando por falta de opção, mas agora não tem como tocar a obra.

IHU On-Line - Por que a Odebrecht e outras grandes empresas não participaram do leilão?
Roberto Smeraldi -
Porque elas fizeram o projeto, e sabiam que a taxa de retorno do empreendimento era inviável. Agora ficou público que ela é até inferior ao valor dos juros do empréstimo do BNDES, conforme documento das próprias estatais Furnas e Eletrosul .

IHU On-Line - O senhor disse que, nessa negociação, quem saiu ganhando foram as empresas Odebrecht e Camargo Corrêa. Por quê?

Roberto Smeraldi - Porque elas têm interesse em entrar não como investidoras, mas como executoras, aí são pagas pelos serviços que prestam. E sem elas vai ser difícil para o governo executar um projeto desta magnitude.

IHU On-Line - O senhor disse ainda, no Twitter, que o leilão é viciado, nulo, destinado a morrer. Pode nos explicar essa ideia?

Roberto Smeraldi - Se ocorreu sob embargo da justiça, como tudo indica até o momento, seus efeitos deverão ser nulos.

IHU On-Line - O senhor disse também que falta entendimento, na imprensa, da dinâmica econômica e jurídica do leilão de Belo Monte, que “ninguém sacou o que realmente aconteceu”. Pode nos dizer o que houve, de fato, em relação a este episódio?

Roberto Smeraldi - Economicamente, não sacaram que o preço de R$ 78 da energia é fictício, o custo real é mais que o dobro disso. E juridicamente não entenderam que um edital de leilão não pode conflitar com a licença da obra leiloada. Duas questões-chave.

IHU On-Line - Em sua opinião, quais os próximos capítulos do caso Belo Monte? Quais os rumos que serão tomados nessa questão a partir de agora?

Roberto Smeraldi - Por um lado, o governo tentará ter novos participantes no consórcio porque os atuais não garantem a obra. Pressionarão politicamente mais ainda os fundos de pensão das estatais, por exemplo. E deverão negociar bastante com Odebrecht e Camargo para elas tocarem as obras, algo preocupante na conjuntura particular do país nos próximos meses. Por outro lado, este caminho vai ser interrompido muitas vezes pela justiça, seja pelas irregularidades do licenciamento, seja por aquelas do leilão. Os custos vão subir, muito, e o governo procurará fazer o contribuinte bancar esses custos adicionais.

IHU On-Line - O que a grande imprensa deixou obscuro nesse leilão?

Roberto Smeraldi - Coisas básicas. Por exemplo, é paradoxal que dedicaram páginas à "guerra de liminares", mas nenhum deles explicou sequer qual era o objeto da liminar que suspendia o leilão enquanto ele acontecia.

Leia mais...

Roberto Smeraldi já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira: 

* Faltou liderança na COP-15, publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 11-01-2010;  

* “Copenhage não vai representar muita coisa”, publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 09-10-2009.

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