Edição 326 | 26 Abril 2010

Nem sempre a pedofilia foi considerada algo errado

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges | Tradução: Luís Marcos Sander

Qualificação como crime surgiu na legislação a partir do século XIX, aponta historiador Thomas Lacqueur. Sociedades modernas passaram a compreender a prática como errada porque crianças e jovens não têm condições de formar juízos corretos a respeito

A legislação enquadrou a pedofilia como crime somente a partir do século XIX. De acordo com o historiador Thomas Lacqueur, ela “tende a ser errada nas sociedades modernas porque exige que jovens que, por várias razões, não têm condições de formar juízos corretos nessa e em outras esferas se envolvam em práticas que violam normas comunitárias”. Ele discorda que a sacralização da infância faça com que as crianças se tornem mais “atrativas” sexualmente: “A infância não era sacralizada na Grécia antiga ou nos internatos da Europa do século XVIII, e ambos tinham culturas pedófilas, abertamente e com muita ostentação no primeiro caso”. As afirmações fazem parte da entrevista a seguir, concedida, por e-mail, à IHU On-Line.

Lacqueur leciona na Universidade de Berkeley, Estados Unidos, e é especialista em história social e da medicina. Escreveu, entre outros, Inventando o sexo – corpo e gênero dos gregos a Freud (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001) e Le sexe em solitaire. Contribution à l’histoire culturelle de la sexualité (Paris: Gallimard, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que a pedofilia é uma “coisa errada”?

Thomas Lacqueur - A pedofilia não é uma coisa errada em todos os tempos e lugares. Ela tende a ser errada nas sociedades modernas porque exige que jovens que, por várias razões, não têm condições de formar juízos corretos nessa e em outras esferas se envolvam em práticas que violam normas comunitárias. Ela também está, muitas vezes, vinculada a um mercado pornográfico embaraçoso, e potencialmente prejudicial. Neste contexto, a pedofilia é especialmente problemática e constitui uma forma repreensível de trabalho infantil, que também pode ser prejudicial às crianças.

IHU On-Line - O pensamento de alguém se relacionar com crianças o torna, necessariamente, pedófilo?

Thomas Lacqueur – Não, assim como ter fantasias a respeito de assassinar um chefe odiado ou ter fantasias de estupro não torna a pessoa um assassino, estuprador ou alguém que quer ser estuprado.

IHU On-Line - A sacralização da infância fez com que as crianças se tornassem mais “atrativas” sexualmente? Desde quando existe essa “aura” de sacralidade em torno da infância?

Thomas Lacqueur - Penso que não. A infância não era sacralizada na Grécia antiga ou nos internatos da Europa do século XVIII, e ambos tinham culturas pedófilas, abertamente e com muita ostentação no primeiro caso.

IHU On-Line - Quando surgiu o conceito atual da pedofilia? Antes ela era praticada e não era entendida como crime?

Thomas Lacqueur – A pedofilia era praticada antes de se tornar crime. A prática como crime surgiu na legislação do final do século XIX, sobre a idade em que a pessoa tem condições de dar seu consentimento, embora haja um sentido do common law segundo o qual o sexo com uma criança jovem demais para dar um consentimento baseado no raciocínio é, por definição, estupro.

IHU On-Line - Existe um limite na pedofilia entre amor e violência? Como isso se dá?

Thomas Lacqueur - O amor sem ação é inofensivo. A violência contra os jovens – ou qualquer pessoa – é errada. O limite é, mais uma vez, culturalmente específico demais para se traçar uma linha clara. Ser sodomizado pelo tio materno no início da adolescência seria um ato terrivelmente violento no Brasil, mas é a norma entre algumas tribos do planalto de Papua Nova Guiné. A fala poderia ser violenta em alguns contextos, e não em outros.

IHU On-Line - O pedófilo tem dor de consciência?

Thomas Lacqueur - Em alguns lugares e tempos, sim; em outros, não.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição