Edição 326 | 26 Abril 2010

O último interdito em nossa sociedade

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges | Tradução Benno Dischinger

Roland Chemama, psicanalista francês, debate a pedofilia como um de nossos últimos impedimentos sexuais, e pondera que esta não deveria ser homogeneizada enquanto fenômeno. É preciso diferenciar o poder do Pai daquele exercido pelo violador incestuoso.

A pedofilia não deveria ser homogeneizada, alerta o psicanalista francês Roland Chemama em entrevista exclusiva, concedida, por e-mail, à IHU On-Line. Segundo ele, essa prática não é um sintoma de um mal-estar maior do Ocidente, e sim “o que ela vem indicar sobre a culpabilidade moderna ligada à dificuldade em assumir valores e escolhas morais”. A sexualidade com crianças parece ter sido o último interdito que resta em nossa sociedade: “O homem de idade adulta que é atraído por meninas muito jovens, aquele que procura para si alguns vídeos sem passar ao ato, e o criminoso que mata suas vítimas depois de tê-las violado, não têm grande coisa a ver. Eles tendem, no entanto, cada vez mais, a serem confundidos um com o outro, sem dúvida porque nossa modernidade, que renunciou a censurar a maioria dos prazeres que ontem eram interditos, só conserva este interdito, o da sexualidade com crianças”. Chemama afirma, também, que é preciso diferenciar a autoridade do Pai do tipo de poder exercido pelo pai violador, no caso, incestuoso. “Este não concretiza autoridade, ele solapa toda autoridade paterna possível”. Outro aspecto discutido na entrevista é a possível conexão entre a depressão com as práticas perversas.

Roland Chemama esteve na Unisinos,  em novembro de 2007, quando proferiu uma conferência debatendo aspectos do seu livro Depressão, a grande neurose contemporânea (Porto Alegre: CMC, 2007). Membro da Associação Freudiana Internacional, é organizador de Dicionário de Psicanálise (São Leopoldo: Unisinos, 2007) junto com Bernard Vandermersch.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como a psicanálise compreende o fenômeno da pedofilia?

Roland Chemama - A meu ver, é precisamente lastimável que se tenha chegado a fazer da pedofilia um “fenômeno” no sentido em que se homogeneizaram práticas ou desejos que podem ser muito diversos. O homem de idade adulta que é atraído por meninas muito jovens, aquele que procura para si alguns vídeos sem passar ao ato, e o criminoso que mata suas vítimas depois de tê-las violado, não têm grande coisa a ver. Eles tendem, no entanto, cada vez mais, a serem confundidos um com o outro, sem dúvida porque nossa modernidade, que renunciou a censurar a maioria dos prazeres que ontem eram interditos, só conserva este interdito, o da sexualidade com crianças.

IHU On-Line - Quais são os motivos que conduzem alguém a tornar-se pedófilo?

Roland Chemama - Da mesma forma como “a pedofilia” não deveria ser homogeneizada, assim o que pode clarear a pedofilia dos indivíduos em particular é muito diverso. Encontra-se, sem dúvida, certo número de perversos que escolheram este objeto particular, num apetite de gozo que recusa toda restrição, mas também se encontram muitos jovens adultos tímidos e “complexados” que não ousam dirigir-se a um parceiro adulto e que, pouco a pouco, fazem desta limitação uma coordenada necessária de seu desejo (encontrei diversos “pedófilos” que não chegavam a se distinguir dos adolescentes que eles solicitavam). Enfim, não negligenciemos o grande número de casos em que o sujeito foi ele próprio, em sua infância, vítima de uma violação que ele vai depois repetir, tornando-se o autor.

IHU On-Line - Em que medida a pedofilia é um sintoma de um mal-estar ainda maior na contemporaneidade, inserido na nova economia psíquica do Ocidente?

Roland Chemama - De fato, o verdadeiro sintoma não é aqui a pedofilia, que não parece mais difundida do que em épocas anteriores, mas o que ela vem indicar sobre a culpabilidade moderna ligada à dificuldade em assumir valores e escolhas morais.

IHU On-Line - Considerando os casos de pedofilia no interior da família, como este fato terá sua repercussão na figura do pai como um arquétipo de autoridade e em sua dilapidação como pessoa num contexto específico, familiar?

Roland Chemama - Para falar de pedofilia na família, é preciso introduzir o termo do incesto, que levanta bem outras questões. Além disso, é preciso, sem dúvida, distinguir a autoridade do Pai, a autoridade que tem um valor paternal, do tipo de poder que se arroga o pai violador. Este não concretiza autoridade, ele solapa toda autoridade paterna possível. Além disso, é preciso relevar que aqueles e aquelas que foram vítimas de tal comportamento deploram em particular o fato de que após esse ato eles ou elas não tinham nenhuma pessoa em quem confiar, nenhum recurso possível.

IHU On-Line - Há ligação entre a depressão, como a grande neurose contemporânea, e a pedofilia, como a prática sexual no momento mais condenável?

Roland Chemama - Você parece fazer alusão ao livro que escrevi sob o título Depressão, a grande neurose contemporânea. É verdade que a perda de confiança, quer ela se refira ao pai ou a outra pessoa da geração anterior, tem frequentemente efeitos depressivos. Aliás, não é impossível que práticas pedófilas, como outras práticas perversas, ou ainda como o alcoolismo ou a toxicomania, constituam em certas pessoas maneiras de tentar lutar contra uma depressão fundamental.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição