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Márcia Junges | Tradução Benno Dischinger
A pedofilia não deveria ser homogeneizada, alerta o psicanalista francês Roland Chemama em entrevista exclusiva, concedida, por e-mail, à IHU On-Line. Segundo ele, essa prática não é um sintoma de um mal-estar maior do Ocidente, e sim “o que ela vem indicar sobre a culpabilidade moderna ligada à dificuldade em assumir valores e escolhas morais”. A sexualidade com crianças parece ter sido o último interdito que resta em nossa sociedade: “O homem de idade adulta que é atraído por meninas muito jovens, aquele que procura para si alguns vídeos sem passar ao ato, e o criminoso que mata suas vítimas depois de tê-las violado, não têm grande coisa a ver. Eles tendem, no entanto, cada vez mais, a serem confundidos um com o outro, sem dúvida porque nossa modernidade, que renunciou a censurar a maioria dos prazeres que ontem eram interditos, só conserva este interdito, o da sexualidade com crianças”. Chemama afirma, também, que é preciso diferenciar a autoridade do Pai do tipo de poder exercido pelo pai violador, no caso, incestuoso. “Este não concretiza autoridade, ele solapa toda autoridade paterna possível”. Outro aspecto discutido na entrevista é a possível conexão entre a depressão com as práticas perversas.
Roland Chemama esteve na Unisinos, em novembro de 2007, quando proferiu uma conferência debatendo aspectos do seu livro Depressão, a grande neurose contemporânea (Porto Alegre: CMC, 2007). Membro da Associação Freudiana Internacional, é organizador de Dicionário de Psicanálise (São Leopoldo: Unisinos, 2007) junto com Bernard Vandermersch.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como a psicanálise compreende o fenômeno da pedofilia?
Roland Chemama - A meu ver, é precisamente lastimável que se tenha chegado a fazer da pedofilia um “fenômeno” no sentido em que se homogeneizaram práticas ou desejos que podem ser muito diversos. O homem de idade adulta que é atraído por meninas muito jovens, aquele que procura para si alguns vídeos sem passar ao ato, e o criminoso que mata suas vítimas depois de tê-las violado, não têm grande coisa a ver. Eles tendem, no entanto, cada vez mais, a serem confundidos um com o outro, sem dúvida porque nossa modernidade, que renunciou a censurar a maioria dos prazeres que ontem eram interditos, só conserva este interdito, o da sexualidade com crianças.
IHU On-Line - Quais são os motivos que conduzem alguém a tornar-se pedófilo?
Roland Chemama - Da mesma forma como “a pedofilia” não deveria ser homogeneizada, assim o que pode clarear a pedofilia dos indivíduos em particular é muito diverso. Encontra-se, sem dúvida, certo número de perversos que escolheram este objeto particular, num apetite de gozo que recusa toda restrição, mas também se encontram muitos jovens adultos tímidos e “complexados” que não ousam dirigir-se a um parceiro adulto e que, pouco a pouco, fazem desta limitação uma coordenada necessária de seu desejo (encontrei diversos “pedófilos” que não chegavam a se distinguir dos adolescentes que eles solicitavam). Enfim, não negligenciemos o grande número de casos em que o sujeito foi ele próprio, em sua infância, vítima de uma violação que ele vai depois repetir, tornando-se o autor.
IHU On-Line - Em que medida a pedofilia é um sintoma de um mal-estar ainda maior na contemporaneidade, inserido na nova economia psíquica do Ocidente?
Roland Chemama - De fato, o verdadeiro sintoma não é aqui a pedofilia, que não parece mais difundida do que em épocas anteriores, mas o que ela vem indicar sobre a culpabilidade moderna ligada à dificuldade em assumir valores e escolhas morais.
IHU On-Line - Considerando os casos de pedofilia no interior da família, como este fato terá sua repercussão na figura do pai como um arquétipo de autoridade e em sua dilapidação como pessoa num contexto específico, familiar?
Roland Chemama - Para falar de pedofilia na família, é preciso introduzir o termo do incesto, que levanta bem outras questões. Além disso, é preciso, sem dúvida, distinguir a autoridade do Pai, a autoridade que tem um valor paternal, do tipo de poder que se arroga o pai violador. Este não concretiza autoridade, ele solapa toda autoridade paterna possível. Além disso, é preciso relevar que aqueles e aquelas que foram vítimas de tal comportamento deploram em particular o fato de que após esse ato eles ou elas não tinham nenhuma pessoa em quem confiar, nenhum recurso possível.
IHU On-Line - Há ligação entre a depressão, como a grande neurose contemporânea, e a pedofilia, como a prática sexual no momento mais condenável?
Roland Chemama - Você parece fazer alusão ao livro que escrevi sob o título Depressão, a grande neurose contemporânea. É verdade que a perda de confiança, quer ela se refira ao pai ou a outra pessoa da geração anterior, tem frequentemente efeitos depressivos. Aliás, não é impossível que práticas pedófilas, como outras práticas perversas, ou ainda como o alcoolismo ou a toxicomania, constituam em certas pessoas maneiras de tentar lutar contra uma depressão fundamental.