Edição 319 | 14 Dezembro 2009

Info-ricos e info-pobres: desigualdade midiatizada

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Márcia Junges e Graziela Wolfart | Tradução Graziela Wolfart

Washington Uranga recupera conceito de Aníbal Ford e critica concentração da propriedade dos meios de comunicação, o que ameaça a construção de um consenso a partir da diferença. A cidadania passa pelo exercício pleno do direito à comunicação, defende.

Parafraseando o pesquisador argentino Aníbal Ford, o jornalista uruguaio Washington Uranga frisa que a concentração da propriedade dos meios de comunicação “limita o acesso, as possibilidades de circulação de informação e restringe o número de meios e de fontes”. Poder-se-ia falar, inclusive, em “info-ricos” e “info-pobres”, neologismo que se refere àquelas pessoas providas ou desprovidas do direito da informação. “O direito à comunicação não pode ser exercido em sua integralidade se a propriedade dos meios se restringe a poucas mãos” disse em entrevista exclusiva, por e-mail, à IHU On-Line. Uranga se mostra cético quanto ao surgimento ou renovação da sociedade latino-americana em função da midiatização. “Creio que a ‘midiatização’ é um dado mais importante em uma sociedade que está marcada pela pobreza e, sobretudo, pela desigualdade”. Em sua opinião, a comunicação “pode ser concebida como o espaço do diálogo, do encontro, da construção do consenso desde a diferença”. A cidadania, diz o jornalista, requer “o exercício integral do direito à comunicação”.

Washington Uranga, jornalista, docente e pesquisador na área da Comunicação, é diretor de pós-graduação da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires e exerce a docência tanto na graduação como na pós-graduação em Comunicação nas Universidades de Buenos Aires, La Plata, Catamarca, Cuyo, Patagonia Austral e Comahue (Argentina) e Andina Simón Bolívar (Bolívia). É, também, colunista do jornal Página/12 e assessor do Ministro de Desenvolvimento Social da Argentina.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Tomando em consideração o contexto latino-americano, em que aspectos a comunicação fomenta um diálogo entre as culturas?

Washington Uranga – Creio que está vindo à tona, pouco a pouco, uma nova cultura política, em que a perspectiva do diálogo, desde a diferença e a diversidade, vai ganhando espaço. Assim, aparecem como manifesto também as declarações do reeleito presidente da Bolívia, Evo Morales,  e do presidente eleito do Uruguai, José "Pepe" Mujica.  Evo Morales ganhou as eleições por esmagadora maioria. Não obstante, uma de suas primeiras declarações foi para convocar o diálogo entre todos os bolivianos e bolivianas. Uma atitude similar teve Mujica. Está claro que, ainda, temos que caminhar muito até o diálogo entre culturas. Mas o espaço da política é um âmbito fundamental. Penso também que se abre um espaço importante no aspecto intercultural, no reconhecimento da identidade e do território indígena. A nação indígena, por tanto tempo dominada, hoje se levanta com dignidade para dialogar de igual a igual, para aportar sua visão de mundo, a riqueza de sua tradição. É outro âmbito positivo. Preocupa-me o diálogo intergeracional. Mas esse também é um âmbito de diálogo entre a cultura dos "nativos digitais" e aqueles que há tempo transitam neste mundo. Mas o mais importante é que o diálogo intercultural é condição imprescindível para a construção da paz. É nisso temos que trabalhar. 

IHU On-Line - Quais são as peculiaridades de se fazer e pensar a comunicação, considerando o multiculturalismo de nosso continente e a era digital que vivemos?

Washington Uranga – É necessário pensar a comunicação como o âmbito do público. E, nesse sentido, temos que ter em conta duas dimensões. O espaço público da comunicação é um âmbito de luta simbólica pelo poder. É esse lugar onde se disputa o sentido, a construção do discurso hegemônico. É âmbito de enfrentamentos, em particular em uma sociedade que podemos definir como "midiatizada". Mas, ao mesmo tempo, a comunicação pode ser concebida como o espaço do diálogo, do encontro, da construção do consenso desde a diferença. Penso a comunicação, sobretudo, como fenômeno humano e social. O desenvolvimento tecnológico e a digitalização são acentos, particularidades de época, que aprofundam algumas questões, mas não variam o aspecto fundamental.

IHU On-Line - Ainda pensando no contexto da América Latina, como a midiatização proporciona um modo de ser em rede comunicacional? Há um traço em comum entre a comunicação desses diversos países?

Washington Uranga – A América Latina e o Caribe representam um grande mosaico, também no aspecto comunicacional e no desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação. Podemos dizer que há dados comuns: concentração da propriedade em poucas mãos e convergência tecnológica, entre outros. Reforço o que citamos anteriormente: a midiatização dos processos sociais. A isso se pode agregar que as novas gerações, as dos mais jovens, vão se construindo e edificando sobre a cultura digital. São "nativos digitais". E isso supõe não só um modo de comunicação, mas um modo de conhecimento diferente. Há uma nova epistemologia vinculada à comunicação e ao desenvolvimento de novas tecnologias. Este é um dado que temos que ter em conta, sobretudo na reformulação dos sistemas educativos.
 
IHU On-Line - Que sociedade latino-americana está surgindo a partir da midiatização?

Washington Uranga – Não creio que a sociedade latino-americana se renove ou surja em particular da "midiatização". Creio que a "midiatização" é um dado mais importante em uma sociedade que está marcada pela pobreza e, sobretudo, pela desigualdade. Nesta realidade, também há, como bem assinalou o pesquisador argentino Aníbal Ford,  "info-ricos" e "info-pobres". A sociedade latino-americana atual está saindo de tempos difíceis no âmbito político. Estão se construindo novos atores políticos que aportam a cultura do diálogo e da paz. Isso ajuda também uma comunicação mais fluída, mais acessível, que se instala a partir do desenvolvimento tecnológico e infocomunicacional.

IHU On-Line - Como a concentração de propriedade se traduz em exclusão na comunicação?

Washington Uranga – Retomo o que afirmava antes: há "info-ricos" e "info-pobres". A concentração da propriedade limita o acesso, as possibilidades de circulação da informação, restringe o número de meios e de fontes. O direito à comunicação não pode ser exercido em sua integralidade se a propriedade dos meios se restringe a poucas mãos. Necessitamos diversidade de meios, pluralidade de fontes, e acesso garantido para todos os cidadãos e cidadãs. A condição cidadã requer hoje o exercício integral do direito à comunicação.

IHU On-Line - De que forma está sendo combatida a concentração dos meios de comunicação social nas mãos de minorias que detêm, igualmente, o poder econômico em suas mãos? O que os movimentos sociais tem feito nesse sentido?

Washington Uranga – Há processos políticos que têm permitido que, em alguns países, como Uruguai, Colômbia e Argentina (para citar só alguns exemplos) se aprovem normas que apontam no sentido de garantir o direito à comunicação, gerando processos de desconcentração e “desmonopolização”. Mas nada é suficiente. É necessário manter uma atitude de compromisso e militância constante para lutar contra a concentração e os monopólios. Entendo que os movimentos sociais têm que crescer em consciência nesta matéria. Muitos deles se limitam à crítica ao sistema, mas é necessário também trabalhar de forma positiva na construção de alternativas. Há aqui uma tarefa pendente.  

IHU On-Line - Quais são os limites das políticas de comunicação? O que deveria ser implementado para oferecer mais protagonismo aos atores sociais?

Washington Uranga – Necessitamos normas, estruturas legais que tornem possível o exercício efetivo do direito à comunicação. Mas são necessários também espaços de diálogo e de construção coletiva. Parece-me que são muito importantes os conselhos ou comissões onde as audiências, e também as organizações sociais, possam ter voz, opinião e incidência no desenho de políticas de comunicação. Também seria necessário implementar observatórios e auditorias de comunicação como as que já funcionam em grande parte do continente.

IHU On-Line - Quais são os grandes temas que norteiam o Mutirão da Comunicação de 2010? Quais são as medidas concretas que devem surgir a partir dessa discussão?

Washington Uranga – Não posso dizer quais são as medidas ou propostas concretas que devem surgir do Mutirão. O evento é uma grande construção coletiva e queremos escutar os participantes, os conferencistas e os painelistas. Eles marcarão o rumo. A respeito dos grandes temas: como diz o título, são os processos de comunicação, o diálogo entre culturas na sociedade e a busca do exercício efetivo do direito à comunicação em meio a uma sociedade latino-americana e caribenha que temos que construir de maneira mais justa e em paz.

Leia mais...

Washington Uranga já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Ela está disponível na página eletrônica do IHU (www.ihu.unisinos.br)

* A concentração da propriedade e os excluídos da comunicação. Notícias do Dia 27-04-2009; 

* A reabertura do caso Angelelli, bispo assassinado pela ditadura militar argentina. Notícias do Dia 04-08-2008; 

* O que é fazer política? Novas reflexões sobre a crise política argentina. Notícias do Dia 01-08-2008;

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