Edição 316 | 23 Novembro 2009

A cultura do excesso e alguns mitos da interatividade

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Rodrigo Jacobus

Coluna do grupo de pesquisa CEPOS

Entre as mudanças decorrentes da chamada Revolução Informacional, dois aspectos marcantes circundam os debates em torno do tema: a multiplicação dos meios e fluxos comunicacionais, e o surgimento de inúmeros canais de interatividade que supostamente possibilitam maior participação das audiências. Mas até que ponto estas transformações estão operando no sentido de ampliar o debate público e promover o desenvolvimento humano?

A carga de transformações da chamada Revolução Informacional vem interferindo significativamente no modus vivendi das sociedades contemporâneas. Novas rotinas são estabelecidas nas relações sociais, compondo um quadro de incertezas oriundo da necessidade de adequação à velocidade intrínseca ao crescente desenvolvimento tecnológico. Paul Virilio,  em sua obra A arte do motor, antevê mazelas decorrentes dos novos tempos, em que a midiatização generalizada ocupa papel determinante, e a reflexão, calcada no raciocínio e na memória, cede lugar a um agir condicionado por reflexos. A redução dos espaços que definem as distâncias reais e físicas rompe com a grandeza natural do mundo e associa-se à lei do menor esforço, introduzindo um consumo desmedido de invenções que tendem a aumentar a velocidade de tudo. No encalço desta lógica, cujo discurso propõe eficiência, pressupõe-se maior aproximação interpessoal e participação interativa. Na prática, a cultura do excesso corrompe as possibilidades e potenciais do ferramental tecnológico.

O ritmo resultante dessa combinação acelera o viver de modo questionável. A voracidade da produção atravessa a esfera pública e gera uma recepção desenfreada da densa carga informacional, de modo que o ganho temporal acaba tomado pela própria lógica que o criou, ocupando-se de modo muito mais quantitativo que qualitativo. Junto à expansão dos espaços comunicacionais, cujo desenvolvimento está diretamente associado à crescente popularização da Internet e à consequente digitalização dos meios, é inegável que se ampliam as possibilidades de produção e participação. Em contrapartida, as relações humanas são cada vez mais marcadas pelo efêmero e o fugaz, conduzindo a uma espécie de isolamento físico que caracteriza uma das principais faces do chamado hiperindividualismo. Se, por um lado, há uma crescente qualificação técnica que expande as capacidades humanas a limites nunca imaginados, por outro, há uma redução dos vínculos com a realidade, estabelecendo-se uma atomização que se amplifica na mesma medida em que a tecnologia enquanto bem de consumo invade os cotidianos.

Há um abismo entre o avanço tecnológico e a nossa capacidade de avaliar e lidar com a real necessidade de tantas opções. A cultura do excesso tende a contaminar os debates com discursos publicitários excessivamente otimistas, que relativizam as contradições e omitem o fato de que a exagerada fartura de inovações é imanente ao modo de produção capitalista, movido por uma carga de intencionalidades que atuam como o grande motor dos motores de Virilio. Assim, se as novas tecnologias ampliam e dinamizam a nossa capacidade de interação e acesso à informação, não obstante podem agir modestamente no sentido de promover a reflexão. A imposição cultural da lógica quantitativa em detrimento da qualitativa, a supervalorização do avanço técnico em lugar do conteúdo, e a submissão da audiência à lógica do mercado abrem demasiado espaço à entorpecente indústria do entretenimento e à reafirmação cíclica do culto ao hedonismo. O amanhã é tratado com certa indiferença, sob a ótica de um despretensioso olhar vislumbrado, conformado com as possíveis consequências da produção em um modelo com tendências centralistas e monopolistas.

Entre as consequências mais graves deste nebuloso caminho, há o risco eminente de um colapso social tal qual Saramago  alertou em seu Ensaio sobre a cegueira. Uma quebra no fluxo a que estamos habituados pode jogar a sociedade no caos e rapidamente esmagar os projetos civilizatórios sob orientação hegemônica do capitalismo. E, neste caso, é grande a possibilidade de uma convulsão social sem precedentes, pois a grande maioria não está preparada para uma repentina interrupção cultural. Os estímulos a que estamos sendo submetidos nos tornaram irresponsavelmente dependentes da estrutura oferecida, e esta se tornou mais importante que nós mesmos. Urge a necessidade de um rompimento de caráter distributivo e organicamente orientado para uma nova lógica, mais próxima do pensamento sistêmico e orientada pela solidariedade e pelo bem-estar social para além de discursos políticos eleitoreiros e falaciosos.

A diluição informacional inerente à Internet tende a comprometer a visibilidade massiva, mas sugere uma falsa aparência de participação efetiva. Em termos de interferência na esfera pública, por exemplo, é preciso aceitar que o movimento em torno dos inúmeros blogs independentes ainda é incapaz de competir com a influência da grande mídia monopólica, que continua concentrando as maiores audiências em torno do viés mercadológico. Assim, é necessário valorizar as alternativas descentralizadoras, mas também é preciso resgatar o envolvimento da sociedade civil na elaboração do próprio rumo, ampliando o debate público em torno de temas comuns à grande maioria e combatendo a excessiva diluição das informações veiculadas. É preciso reconsiderar a lógica de produção da mídia e buscar a formação de redes que compartilhem objetivos, rompendo com a ideia de audiência enquanto produto e fomentando a participação real dos receptores para muito além do papel de meros consumidores.

* Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação (FABICO/UFRGS). Atua na comunicação comunitária como colaborador junto à Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária do Rio Grande do Sul (ABRAÇO-RS) e radiocoms de Porto Alegre e Região Metropolitana. É membro do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS/UNISINOS). E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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