Edição 315 | 16 Novembro 2009

Ignacio Martín-Baró e a psicologia da libertação

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Patrícia Fachin | Tradução Benno Dischinger

Na opinião de Sol Yañez, as celebrações dos mártires de El Salvador são importantes para recuperar a memória histórica e para garantir que fatos como este não voltem a acontecer

Ignacio Martín-Baró, jesuíta e ex-vice-reitor da UCA, foi assassinado aos 47 anos, e não teve tempo de vislumbrar os rumos que suas pesquisas sobre a psicologia da libertação poderiam tomar. Ele defendia uma psicologia própria para cada país que interagisse com as maneiras de sobrevivência dos excluídos. Seu legado, vinte anos após o martírio, continua vigente, garante Sol Yañez, coordenadora do Fórum Internacional Martín-Baró, em entrevista concedida, por e-mail, à IHU On-Line. “Ele se aprofundou no estudo dos grupos, do trauma psicossocial e animou a criação de redes de conhecimento, de redes sociais e de ações a favor de uma psicologia libertadora”, menciona. Sol Yañez é professora da Universidad Centroamericana José Simeón Cañas de El Salvador (UCA).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quem foi Ignacio Martín-Baró e qual sua participação nos conflitos sociais na década de 80, em El Salvador?

Sol Yañez - Ignacio era jesuíta espanhol, nacionalizado salvadorenho. Psicólogo social e vice-reitor acadêmico da UCA no momento de seu assassinato. Ele estudou os conflitos sociais e políticos na época da guerra e trabalhou junto aos mais excluídos, junto à população civil, a partir de uma psicologia da libertação.

IHU On-Line - Em que consiste a psicologia da libertação de Ignacio Martín-Baró? Quais são suas fontes de inspiração e sua contribuição fundamental?

Sol Yañez - As fontes da psicologia da libertação bebem da Teologia da Libertação, já que era companheiro de Ignacio Ellacuría, e as duas disciplinas se dão numa mesma época. Em seu centro, está a opção preferencial pelos pobres. A partir disso, Martín-Baró defende uma psicologia própria de cada país, contextualizada, que reúna o sentir e as maneiras próprias de sobrevivência dos excluídos, das maiorias populares. Sua contribuição fundamental foi pôr, no centro, as vítimas, os excluídos, e dar-lhes o reconhecimento como pessoas capazes de ter ferramentas de sobrevivência e maneiras que a psicologia deve recolher e valorizar. Ele percebeu que a estrutura desumanizante torna as pessoas doentes, e por isso é importante atendê-las a partir da libertação dos próprios métodos da psicologia e a partir do lugar das maiorias populares.

IHU On-Line - Qual foi o impacto da psicologia da libertação na realidade social, política e cristã da sociedade salvadorenha?

Sol Yañez - Assassinaram Martín-Baró aos 47 anos, quando estava em pleno trabalho de criação de conhecimento e comunicando as bases da psicologia da libertação, não lhe dando tempo de ver os impactos disso. No entanto, lançou uma semente que outras pessoas recolheram e, nos dias de hoje, 20 anos depois, seus delineamentos continuam vigorando.

IHU On-Line - Em que sentido a psicologia da libertação, na perspectiva de Ignacio - Baró, apontou alternativas para enfrentar situações de violência em El Salvador?

Sol Yañez - Seu olhar era direcionado à estrutura, e não à pessoa violenta. Para ele, sem desideologização, sem ir à base e à raiz da trama das relações sociais, não se podia avançar numa sociedade com um tecido social sadio. Ele modificou o olhar sobre a origem da violência, dando a esta um sentido mais estrutural e amplo. Isso se constituiu numa grande contribuição, de modo que, sanando a estrutura, se conseguia sanar os indivíduos e ter relações mais humanas.

IHU On-Line - Vinte anos depois do martírio, as ideias de Ignacio-Baró e a psicologia da libertação ainda refletem na sociedade e na Igreja salvadorenha? Como isso acontece?

Sol Yañez - Vinte anos depois, continua-se falando das ideias e do legado de Martín-Baró porque ele deu sua vida por seus ideais, e isso causou, no povo salvadorenho, um grande impacto e dor. Além disso, as causas das quais ele falava como fatores de violência estrutural continuam vigentes: a pobreza, a impunidade, a linguagem da violência.

IHU On-Line - Que espaço a psicologia da libertação ocupa diante da realidade do inconsciente, dos desafios sociais e da resiliência?

Sol Yañez - A psicologia da libertação ocupa os espaços dos contextos das realidades de cada país, suas lutas, seus acontecimentos, suas resistências, fortalezas e, sobretudo, o espaço das vítimas de violações de direitos humanos.

IHU On-Line - Como a senhora descreve o legado de Ignacio Martín-Baró? Qual é sua atualidade no sentido de investigar a realidade social e política de El Salvador, além de gerar ações práticas neste sentido?

Sol Yañez - O legado de Martín-Baró continua vigente. Ele se aprofundou no estudo dos grupos, do trauma psicossocial e animou a criação de redes de conhecimento, de redes sociais e de ações a favor de uma psicologia libertadora. Sua análise da sociedade e da época da guerra, desde a polarização, a mentira institucionalizada, as estruturas de poder, as relações sociais aberrantes que desumanizavam, continuam vigentes em El Salvador de hoje, um dos países mais pobres e violentos da América Latina.

IHU On-Line - Qual é a importância de recordar e celebrar a memória dos mártires? Como eles e todas as vítimas nos chamam, hoje, à libertação?

Sol Yañez - A importância é recuperar a memória histórica, para que não volte a ocorrer nunca mais. Não podemos esquecer que se cometeu um crime contra a humanidade ao assassinar pessoas cuja contribuição era essencial para um mundo melhor, e também que vinte anos depois esse assassinato continua impune.

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