Edição 315 | 16 Novembro 2009

O processo de conferência nacional como um grande organizador de pautas

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Graziela Wolfart e Márcia Junges

Para Gerson Almeida, secretário nacional de articulação social da Presidência da República, empresários, entidades do movimento social e governo nunca antes tinham sentado para discutir a questão da comunicação.

Ao refletir sobre a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação, o secretário nacional de articulação social Gerson Almeida considera que ela tem a seguinte característica: “construir um espaço público de debate, de diálogo, de discussão entre partes que tradicionalmente não têm essa oportunidade de sentar sobre a mesma mesa, sobre o mesmo plenário e exercitar o processo de construção de acordos”. Na entrevista que aceitou conceder, por telefone, para a IHU On-Line, Gerson explica que “a conferência não tem o objetivo de consolidar apenas consensos ou acordos. Ela, sobretudo, propõe-se a ser um espaço que oportunize o processo de escuta um do outro, de discussão e esforço honesto e sincero para buscar as possibilidades das aproximações. Às vezes é possível e às vezes não”. E completa: “a primeira conferência é um debate que não é muito comum ou usual de ser feito por um público maior, então tem uma demanda reprimida significativa. À medida que o debate vai se processando, ele acaba concentrando e definindo melhor as prioridades de cada setor”.

Gerson Luiz de Almeida Silva é sociólogo, secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade do Rio Grande do Sul - UFRGS, obteve pela mesma instituição o título de mestre em Sociologia. Foi consultor da Unesco e secretário municipal de governo de Porto Alegre de 1994 a 1996; de 1998 a 2000; e de 2001 a 2002. É organizador do livro Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental nas Cidades – Estratégias a partir de Porto Alegre (Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais os principais pontos que devem ser discutidos na Conferência Nacional de Comunicação?

Gerson Almeida - Há três eixos  que foram deliberados como os temas que vão ordenar a discussão da Conferência. Um é a produção de conteúdo, e aí entra o debate sobre o conteúdo nacional, sobre produção independente, incentivos, financiamentos, tributação, órgãos reguladores, enfim, é um eixo que abriga inúmeros temas. O segundo eixo é referente aos meios de distribuição, e aí entra a questão da televisão aberta, rádio, tanto comunitárias quanto as das redes maiores, Internet, banda larga, fiscalização, sistema de outorga etc., também envolvendo diversos temas. E o terceiro eixo é relativo à cidadania, aos direitos e deveres. E aí entra a questão da democratização da comunicação, a participação social da comunicação, a questão da inclusão social, da liberdade de expressão, do acesso à cultura e educação, e a diversidade cultural ou religiosa. São três eixos, mas cada um deles abriga um rol muito diversificado e amplo de temas, que estão todos sendo discutidos agora no processo de conferências estaduais.  

IHU On-Line - Quais temas o senhor imagina que levantarão mais polêmica e poderão ter um consenso mais dificultado?

Gerson Almeida – Há um certo consenso entre todas as partes de que o processo de convergência tecnológica está exigindo uma atualização do marco regulatório. O marco atual já teve algumas alterações, mas não conseguiu acompanhar o processo intenso de produção de novas tecnologias na área da comunicação. Os meios de produção e transmissão de informação hoje diversificaram e amplificaram muito. Qualquer pessoa hoje tem seu blog, seu Twitter,  produz músicas com aparelhos bem mais acessíveis do que outrora. Esse é um tema sobre o qual há acordo da necessidade de se discutir. Há divergências sobre o mérito das questões. E esse é um tema que tende a ser polêmico, a gerar debates. A própria questão do conteúdo nacional da produção desses meios é sempre um tema polêmico. A propriedade de entidades produtoras de conteúdo, se tem que ser nacional, e em que medida, a propriedade intelectual, exatamente por essas novidades tecnológicas, está sofrendo alterações. A ideia da competição também é outro aspecto interessante do primeiro eixo, que são temas que tendem a ser bastante polêmicos. O papel das rádios e TVs comunitárias também sempre é uma questão delicada, ou seja, tende a se expressar. Essa relação do privado com o estatal, ou uma terceira ideia, que é a dos meios públicos, bem como os órgãos reguladores, também acredito que são temas importantes. E, no último eixo, a questão geral da democratização da comunicação, da participação social na comunicação, a própria questão da inclusão digital, de mais sujeitos na produção da comunicação, tendem a ser temas que vão ser polemizados. Até porque, como é a primeira conferência nacional, é natural que haja um número de temas que apareça de forma muito forte, mais em função da ausência de espaços públicos para debate de forma mais larga, para além do círculo dos especialistas ou das pessoas diretamente interessadas. A primeira conferência é um debate que não é muito comum ou usual de ser feito por um público maior, então tem uma demanda reprimida significativa. À medida que o debate vai se processando, ele acaba concentrando e definindo melhor as prioridades de cada setor. 

IHU On-Line - Qual a importância da realização de conferências estaduais prévias à Confecom?

Gerson Almeida – Os processos de conferência nacional acabam criando uma dinâmica muito intensa, que envolvem o âmbito municipal, regional no mesmo estado, o âmbito estadual e acaba no federal. Inclusive temos conferências livres, virtuais. O processo da conferência de comunicação acabou tendo um ar mais limitado, por várias razões. Entre as quais houve um processo muito longo de construção do regimento interno. Nunca empresários, entidades do movimento social e governo tinham sentado para discutir um tema desses. Foi um processo bonito, rico, democrático, mas também difícil e longo. Então, no caso, mesmo com essas dificuldades e limitação de tempo, em todos os estados deverá haver conferência de comunicação. A maioria delas convocada pelo próprio governo estadual. Algumas delas, na medida em que o governo não teve tempo ou interesse, a Assembleia Legislativa do estado convocou, que é a segunda instância, e poucos estados, talvez dois, no máximo três, que a comissão organizadora nacional vai delegar a uma comissão local a convocação. Mas seja por que meios, teremos conferencias em todos os estados, o que já é uma expressão do sucesso e do vigor da conferência nacional. Em todos os estados em que já houve conferência, mostrou-se um debate intenso, rico e diversificado. Há um interesse forte de vários setores que tradicionalmente não tinham espaço para discutir o tema. Agora, também, surpreendentemente, há muitos acordos e muitos temas que são comuns a todos os setores. A conferência tem essa característica: construir um espaço público de debate, de diálogo, de discussão entre partes que tradicionalmente não têm essa oportunidade de sentar sobre a mesma mesa, sobre o mesmo plenário e exercitar o processo de construção de acordos. Ao mesmo tempo em que é um exercício também de debate, conversa e discussão, mas que, às vezes, consolida opiniões diferentes sobre o tema. O que é igualmente importante democraticamente. 

IHU On-Line - Como o senhor acha que serão conciliadas as demandas dos empresários, do governo e da sociedade civil?

Gerson Almeida – Não será fácil, pois em todos os temas há opiniões e interesses que podem não ser comuns. Mas, na medida em que os temas vão ganhando concretude, é possível ir chegando a aproximações maiores, se eventualmente não se obter um consenso. Mas tenho certeza de que o exercício da conversa, do debate, desde que se construa um ambiente de debate sério, honesto, mesmo que duro, mas um debate profícuo, criará um processo que, quando inicia, tem um ponto de encontro entre as partes mais distante do que quando termina. Há um processo de aproximação que, em alguns casos, pode produzir um acordo, ou mesmo que demarcando divergências, elas já estão mais trabalhadas e processadas, não são tão antagonistas como parecia no primeiro momento. A conferência não tem o objetivo de consolidar apenas consensos ou acordos. Ela, sobretudo, se propõe a ser um espaço que oportunize o processo de escuta um do outro, de discussão e esforço honesto e sincero para buscar as possibilidades das aproximações. Às vezes é possível e às vezes não.   

IHU On-Line - Quais os maiores desafios para a democratização da comunicação no Brasil hoje?

Gerson Almeida – Há um aspecto importante de toda a ideia de democratização que serve também para a comunicação, mas não apenas para ela. Primeiro: assegurar acesso a todos. Então, tem uma dimensão de universalização do acesso que, apesar de ter avançado muito no Brasil, ainda tem uma longa caminhada pela frente. Outro aspecto da democratização é a diversidade da produção. Esse é um desafio para o marco regulatório, ou seja, como assegurar que esse objetivo de universalizar o acesso e a diversidade seja viabilizado. Esse é um princípio geral inclusive que não diferencia governo de setores sociais ou empresariais.  

IHU On-Line - Qual o papel dos movimentos sociais na Confecom e na luta pela democratização da comunicação?

Gerson Almeida – É fundamental. A história demonstra que sem movimento social nada avança. Se não há movimento social, não há pauta pública. E aí, não tendo pauta, não se exerce a grande virtude do processo democrático, que não tem um ponto final. Quem é capaz de dizer quando a democracia chegou ao fim, que não consegue avançar ou evoluir? Pautas sociais são históricas também. Os movimentos sociais são fundamentais porque são eles que organizam a pauta, que acaba produzindo avanços e melhores soluções para todas as áreas. Para a Conferência, eles foram fundamentais.  

IHU On-Line - Como o senhor avalia as críticas feitas ao governo em função de sua postura em relação à Confecom?

Gerson Almeida – As críticas que eventualmente aparecem são totalmente legítimas. Mas não são todas justas. Por exemplo, o próprio presidente convocou a conferência, e o governo, desde o início, empenhou-se para que ela fosse realizada, e vai ser. Nós também tínhamos a convicção de que a melhor possibilidade era que o processo da conferência fosse realizado de forma tripartite: envolvendo os governos, os movimentos sociais/sociedade civil, e o setor empresarial.  

IHU On-Line - Em que medida a Confecom pode inspirar a elaboração de novas políticas públicas para a área da comunicação no Brasil?

Gerson Almeida – Em grande medida. O governo do presidente Lula, desde 2003, já realizou quase 60 conferências. Muitas delas pela primeira vez, como é o caso desta conferência de comunicação. E todas as conferências, mesmo que não tenham um papel imperativo no governo federal ou no congresso, ao produzir encaminhamentos, tornam-se um norte que acaba organizando e articulando as políticas públicas, incidindo fortemente sobre elas. O processo de conferência nacional é um grande organizador das pautas. O interessante é que há um interesse internacional muito grande na nossa conferência. Temos recebido várias demandas de observadores internacionais que estão encantados em ver que no Brasil se faz um processo dessa forma sobre um tema que também nos seus países, muitas vezes, não é debatido. Isso mostra que a democracia brasileira não tem limites de discussão, nenhum assunto é proibido.

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