Edição 309 | 28 Setembro 2009

Entendendo a evolução a partir das lianas neotropicais

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Márcia Junges e Graziela Wolfart

Lucia Lohman explica que as lianas apresentam um papel-chave na estruturação e regeneração das florestas tropicais

Uma das conferencistas do IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin, realizado na Unisinos de 9 a 12 de setembro de 2009, a professora Lucia Garcez Lohmann, da USP, foi responsável pelo tema “Desvendando um dos mistérios de Darwin: A história das lianas neotropicais”. Em entrevista exclusiva concedida, por e-mail, para a IHU On-Line, ela busca explicar o interesse de Charles Darwin em pesquisar as plantas trepadeiras, entre elas, as lianas neotropicais, sobre as quais diversas perguntas evolutivas ele não conseguiu responder. A professora esclarece que as “lianas contribuem com grande parte da diversidade e biomassa de florestas tropicais, bem como constituem importantes fontes de alimentos para animais. Além disso, elas também desempenham um papel fundamental no funcionamento de ecossistemas, pois são importantes para a transpiração das florestas e sequestro do carbono”. E ainda acrescenta que o livro de Darwin The movements and habits of climbing plants, publicado em 1875, “gerou perguntas que incentivaram o estudo das florestas tropicais, especialmente da Amazônia”.

Lucia Garcez Lohman é professora do Departamento de Botânica da Universidade de São Paulo desde 2004, além de pesquisadora associada do Missouri Botanical Garden e pesquisadora associada do New York Botanical Garden. Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo, mestrado e doutorado em Ecologia, Evolução e Sistemática pela University of Missouri-St.Louis, e pós-doutorado pelo CCSD (Center for Conservation and Sustainable Development) do Missouri Botanical Garden. Tem experiência na área de Botânica, com ênfase em Sistemática Vegetal, atuando principalmente em filogenia, evolução, biogeografia, ecologia evolutiva e conservação, desenvolvendo trabalhos especialmente com a família Bignoniaceae.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que as lianas neotropicais são um dos mistérios de Darwin?

Lucia Lohman - No livro The movements and habits of climbing plants, publicado em 1875, Darwin descreve vários aspectos associados à biologia das lianas, em particular aspectos associados aos mecanismos de crescimento destas plantas, e levanta diversas perguntas evolutivas que ele não conseguiu responder. De fato, várias questões levantadas permaneceram sem resposta até recentemente.

IHU On-Line - O que ele descobriu sobre essas plantas trepadeiras que se conecta com a teoria da evolução?

Lucia Lohman - O trabalho de Darwin sobre as plantas trepadeiras teve como base experimentos associados à forma de crescimento e desenvolvimento de possíveis adaptações para o hábito trepador. Este trabalho ecológico levou Darwin a realizar várias perguntas sobre como estas formas de vida tão inusuais teriam evoluído e sobre as forças evolutivas que teriam atuado neste sentido. No entanto, estas perguntas evolutivas não puderam ser respondidas por Darwin, dado que o mesmo ainda não dispunha de ferramentas suficientes para tal.

IHU On-Line - Essas descobertas estavam expressas na Origem das espécies?

Lucia Lohman - Não, a Origem das espécies não tratou as plantas trepadeiras especificamente, pois Darwin ainda não tinha nem iniciado sua pesquisa com plantas trepadeiras na época da publicação da Origem das espécies (em 1859).

IHU On-Line - Poderia dar mais detalhes sobre o contexto em que ele pesquisou essas plantas?

Lucia Lohman - O interesse de Darwin nas lianas neotropicais se iniciou com a publicação de um artigo científico por Asa Gray (então professor em Harvard) sobre a biologia das plantas trepadeiras em 1858. Após ler este artigo, Darwin se interessou pelas trepadeiras e solicitou sementes dessas plantas à Asa Gray. Darwin iniciou, então, uma série de experimentos com estas plantas, os quais levaram à publicação do livro The movements and habits of climbing plants em 1875.

IHU On-Line - Como se dá a interação entre as lianas e os outros tipos de árvores nas comunidades florestais? Há uma relação simbiótica ou parasitária?

Lucia Lohman - Lianas apenas utilizam árvores como fonte de apoio, não extraindo delas nenhum tipo de nutriente. Desta forma, a interação entre lianas e árvores não é parasitária nem simbiótica. Além disso, lianas apresentam um papel-chave na estruturação e regeneração das florestas tropicais. Elas competem com árvores e alteram a maneira através das quais as próprias árvores competem entre elas. Lianas contribuem ainda com grande parte da diversidade e biomassa de florestas tropicais, bem como constituem importantes fontes de alimentos para animais. Além disso, elas também desempenham um papel fundamental no funcionamento de ecossistemas, pois são importantes para a transpiração das florestas e sequestro do carbono.

IHU On-Line - Qual é a importância da descoberta de Darwin para a conservação dos biomas neotropicais hoje e para a biodiversidade amazônica, especificamente?

Lucia Lohman - O livro On the movements and habits of climbing plants representou um dos primeiros tratamentos sobre lianas de uma forma geral. Este livro deixou diversas perguntas que permaneceram sem resposta e que seguem incentivando pesquisas com lianas até os dias de hoje. Como a Amazônia representa um dos centros de maior abundância e diversidade de lianas no mundo, o livro de Darwin gerou perguntas que incentivaram o estudo das florestas tropicais, especialmente da Amazônia. Assim, o trabalho de Darwin em plantas trepadeiras não apresentou um impacto direto para conservação de ecossistemas diretamente, mas incentivou pesquisas em regiões de alta importância para a conservação.

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