Edição 305 | 24 Agosto 2009

Personalidades - Paul Valadier

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Patrícia Fachin | Tradução Susana Rocca e Luciana Cavalheiro

A partir desta edição, a IHU On-Line apresenta uma nova editoria, Personalidades, na qual irá entrevistar pesquisadores que visitam o IHU durante o ano, participando de simpósios e palestras especiais. Nesta semana preparamos uma entrevista especial com Paul Valadier, jesuíta e professor de Filosofia Moral e Política nas Faculdades Jesuítas de Paris - Centre Sèvres. Ele já visitou a Unisinos em outros momentos e esteve novamente no Brasil para participar do colóquio A ética da psicanálise. Lacan estaria justificado em dizer “não cedas de teu desejo”?

 

A voz serena e a paciência revelam a face de um homem que têm esperança na humanidade, acredita em Deus, ama a arte e, embora solitário, busca aproveitar todos os instantes da vida. No trajeto de São Leopoldo a Porto Alegre, na manhã do dia 15-8-2009, com disposição e bom humor, o filósofo francês conversou com a IHU On-Line e contou pontos marcantes de sua trajetória pessoal, falou de sua rotina em Paris, sonhos, e alguns dilemas da sociedade.  

Confira.

IHU On-Line – O senhor pode nos contar um pouco de sua história, onde nasceu e lembranças de sua infância?

Paul Valadier - Nasci em uma cidade industrial que se chama Saint-Etienne, perto de Lyon, mais ou menos no centro da França. Meu pai era doceiro e confeiteiro. Sou filho único. Nasci antes da Segunda Guerra Mundial e uma de minhas lembranças é a ausência do meu pai durante três anos e os bombardeios em minha cidade. Ele estava envolvido com a guerra na Alemanha e, quando foi mobilizado, eu tinha seis anos e não compreendia bem o que estava acontecendo, mas via a minha mãe e minhas tias chorarem porque seus maridos partiam para a guerra. Lembro-me também que um dia recebemos um telegrama dizendo que meu pai havia desaparecido. Pensamos que ele estava morto. Na verdade ele era prisioneiro no caos da guerra. Mas soubemos alguns meses depois que ele estava vivo. De qualquer modo, ele retornou para casa quando eu já tinha quase dez anos.

Entre as memórias engraçadas, lembro que descia com outras crianças nos porões durante a noite. Para nós, esse era um momento de brincadeira muito agradável e engraçado em meio a adultos que tinham medo.

IHU On-Line – De onde surgiu o interesse de ingressar na Companhia de Jesus? Pode nos contar sobre sua trajetória como jesuíta? 

Paul Valadier - Enquanto eu estava no ensino médio, era militante da Jeunesse Étudiante Chrétienne - J.E.C.(Juventude Estudantil Cristã), um movimento de ação católica de jovens. Esse movimento foi muito importante para mim, pois me ensinou a ter responsabilidade na escola e na Igreja. Além do mais, ensinou muitos jovens, meninos e meninas, a terem responsabilidade com a cidade. Então, foi a partir disso que me interroguei para saber qual era a minha vocação. Após ter hesitado, pensei que ter responsabilidade com a Igreja era o que Deus queria de mim. Então, como gostava muito do trabalho intelectual e acreditava que a Igreja precisava refletir um pouco sobre esse assunto, que havia necessidade de formar intelectualmente leigos, optei pelos jesuítas que me pareciam mais orientados para o trabalho intelectual.

Paris foi para mim, em minha juventude religiosa, um lugar extraordinário de vitalidade intelectual antes e depois do Concílio Vaticano II. Como estudante jesuíta, tive professores notáveis que conheciam admiravelmente Hegel, Marx, Heidegger, Kant, muito abertos à Bíblia. E, isto, para um homem de 25, 30 anos é algo fascinante pela vitalidade intelectual. O Concílio foi um grande momento de alegria, de formação intelectual extraordinária e que parecia uma vantagem para a Igreja.

IHU On-Line – Como é seu dia-a-dia em Paris? Conte-nos um pouco de sua rotina.

Paul Valadier - Tenho o cotidiano de um trabalhador intelectual. O trabalho intelectual supõe reflexão, leituras. É claro que discuto ideias com outros pesquisadores, mas, antes disso, trabalho em minha sala, nas bibliotecas, escrevendo; é uma atividade bastante solitária. Então, sem querer dizer coisas extraordinárias, é um trabalho austero. Além disso, também sou responsável pela preparação de alguns cursos, seminários. Como sou professor emérito, tenho menos contato e responsabilidade em relação aos estudantes. A vantagem é que encontro pessoas, converso sobre várias questões e isto é, evidentemente, apaixonante. Mas, mesmo assim, é uma vida menos ativa se comparada à atividade de um padre em uma paróquia, que encontra jovens, casais, pessoas em luto etc. Fico um pouco isolado. Mas acho esta vida completamente apaixonante.

IHU On-Line – Além de se dedicar a pesquisas, o que o senhor gosta de fazer nos momentos de lazer?

Paul Valadier - Pratico esportes, faço natação. Também adoro caminhar, pois Paris é uma cidade muito bela. Digo sem orgulho, mas é muito bonita. Caminhar é uma atividade muito relaxante, apesar da poluição. Como gosto de artes, adoro ir a museus, a exposições, ao cinema, às vezes ao teatro, ouvir música. Adoro as artes. Acho que são muito importantes. E, em Paris se tem muitas oportunidades: o Louvre, o museu d’Orsay, as exposições todos os anos. Tudo é pretexto!

IHU On-Line – Quais são seus sonhos?

Paul Valadier - Tenho muitos. Mas, com a idade, tento compreender o que posso fazer no limite de minhas capacidades. Então, diminuem-se os sonhos, embora continue ativo. Tento continuar escrevendo, desenvolvendo obras intelectuais, se possível, estar presente na mídia, concedendo entrevistas em rádios, na televisão, mostrando uma Igreja aberta. É um sonho modesto, mas, creio que acessível, necessário, na medida do possível.

IHU On-Line – Que filme o senhor assistiu e recomenda para nossos leitores?

Paul Valadier - Recomendo os filmes de Charlie Chaplin. São filmes sobre a sociedade moderna, sobre o risco de autoritarismo, a mecanização. São ao mesmo tempo engraçados e muito profundos. Penso que é uma grande lição de humanidade que nos é dada. Teria vários outros filmes. Mas é Chaplin que nos ajuda a compreender um pouco as coisas e a rir. Eu diria que conseguiríamos transformar o mundo se ríssemos mais. Rir do mundo; não levá-lo a sério demais. Os ditadores nunca são sérios; são cômicos. É por isso que Chaplin teve razão em fazer de Hitler um palhaço.

IHU On-Line – O que o senhor tem a dizer sobre a vida?

Paul Valadier - Posso lhe dizer que a vida me apaixona. Adoro viver. Encontro muita alegria em conversar com as pessoas, compreender o que está acontecendo. Mas a vida também é difícil quando se tem sofrimentos, incompreensões, quando se está envelhecendo. Nem sempre é fácil envelhecer. Mas eu adoro a vida. É por isso que creio em Deus, pois Ele é a vida, é o amor em cada instante. Estudei muito Nietzsche e um de seus propósitos é o de dizer sim à riqueza do instante. Tento continuar jovem, apesar de tudo. Nem sempre é fácil dizer sim; há o sofrimento, a derrota.

IHU On-Line – Como o senhor vê a Companhia de Jesus ao longo desses anos?

Paul Valadier - Hoje estamos um pouco na situação inversa a do Concílio do Vaticano II. A Igreja não soube tirar partido das consequências do Concílio e, agora, tenta se fechar em si mesma, sufocar o trabalho intelectual. Em todo o caso, ela não o torna fácil. E a Companhia, ao menos na Europa, está bastante enfraquecida, pois temos poucas vocações. Quando os jovens não estão integrados, a vitalidade desaparece. São os jovens que trazem ideias novas, algumas vezes incômodas, mas necessárias de se escutar. Bom, uma vez que eles não estão, encontramo-nos enfraquecidos. Todavia, a Companhia está viva na Ásia, na Índia. Recebemos em Paris jovens jesuítas indianos que são homens muito notáveis. Então, se a Companhia se enfraquece na Europa, pode-se esperar que na Ásia, na África ou quem sabe aqui, na América Latina, ela continue viva. Mas a situação hoje é muito difícil.

IHU On-Line – A Europa ainda representa um berço de formação política e intelectual para o Ocidente?

Paul Valadier - Para homens da minha geração, a construção da Europa, da União Européia foi uma maravilhosa utopia após a Segunda Guerra Mundial. Era a ideia de reconciliação entre países que lutaram muito entre si e a ideia de fazer um espaço de liberdade, de prosperidade econômica e de paz. Infelizmente, creio que este belo projeto está em perigo, em particular, por causa do alargamento da Europa e pela ausência de unidade política da parte dos responsáveis políticos. Começou-se a construir a Europa pelo lado econômico, o que era bom, mas, não se consegue construí-la no plano político. Poder-se-ia dizer da Europa atual o que se disse por muito tempo na Alemanha Federal: é um gigante econômico, mas um anão político. A Europa poderia desempenhar um papel de intermediador gigante no mundo, por exemplo, no Oriente Médio. Mas, está fraca e, infelizmente, impotente, acredito. Impotente. Sou contrário ao alargamento para 27 países, sem falar de outros, porque a Europa está se tornando ingovernável. É uma imensa administração dominada por burocratas. Então, os povos da Europa não se reconhecem, infelizmente, nesta Europa.

IHU On-Line – Em sua opinião, a humanidade se encaminha para um futuro prospero?

Paul Valadier - Creio que será difícil. Mas não sou pessimista. Alguns dizem que a presença terrorista vai dominar, vai faltar matéria-prima, o planeta vai superaquecer. Não creio nestes discursos. Porém, não quero dizer com isso que não devemos abrir os olhos para os perigos. Fomos uma geração inconsciente da devastação do planeta, por exemplo. Então, é preciso que reflitamos para não dar às gerações futuras um mundo no qual é impossível de se viver, seja em nível de meio ambiente, seja em nível político, as tensões entre, por exemplo, o Islã e o Ocidente. Mas, creio muito que os homens podem se recuperar. Que o Espírito Santo não os abandone.

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