Edição 299 | 06 Julho 2009

IHU Repórter - Gisele Rodrigues da Silva Ferrasso

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Márcia Junges

Sua fala é tranquila, segura. O estilo de vestir, inconfundível, passa longe do padrão massificado das lojas de rede. Ela mesma customiza suas roupas e confecciona bijuterias que vende para complementar sua renda. Definitivamente, Gisele Rodrigues da Silva Ferrasso, a Gisa do Laboratório de Editoração Eletrônica (LEE), da Unidade de Ciências da Comunicação, é uma publicitária que tem muito a nos fazer refletir sobre como lidamos com a sociedade consumista e descartável em que vivemos. Nascida em Portão e funcionária da Unisinos há 16 anos, Gisa se preocupa com a falta de valores voltados ao ser, à ética que parece ter sumido da política e da mídia em geral. Precisamos de uma vida mais simples, disse ela à IHU On-Line. Confira a entrevista.

Origens - Nasci em Portão, e vivi lá até os 20 anos, quando vim para São Leopoldo para estudar. Quando eu era criança, a cidade não tinha quase nada, era muito pequena e sem opções. Não tinha nenhuma lancheria para se ir. Tudo era feito em São Leopoldo, Porto Alegre ou Novo Hamburgo. Hoje, Portão já está mais evoluída.

Família - Meus pais, Eloy Rodrigues da Silva e Carmen Dione Oliveira da Silva, continuam morando em Portão. Minhas irmãs, Jussara e Simone, também moram lá. Tenho uma sobrinha, a Tábata, com 3 anos, filha da Simone e uma sobrinha-neta, a Rebeca, com 2 anos, filha do meu sobrinho Fábio, que regula em idade comigo. Eu procuro dar o máximo possível de atenção e afeto aos meus pais. Tento me dedicar, acompanhando-os nas idas ao médico, tomando um chimarrão, conversando. Essa é a hora de darmos a eles o cuidado que nos ofereceram quando éramos pequenas. Os papéis se invertem com o passar do tempo.

Casamento – Sou casada há 7 anos com Suliano Ferrasso. Nos conhecemos há 8 anos. Penso que somos almas gêmeas. Demorou até que eu encontrasse alguém como ele, uma pessoa tranquila, de bom convívio. De casa, o apelido dele é Chu. Troquei de nome quando casamos, e agora me chamo Gisele Rodrigues da Silva Ferrasso, algo bem “mexicano”, que combina com minha estética kitsch. O Chu é estudante de Biologia hoje, na Unisinos, e trabalha na pesquisa no Instituto Anchietano, da Unisinos. Antes, trabalhava na empresa metalúrgica do pai dele.

Vida simples – Nossa sociedade está voltada a falsos valores, deturpados, sobretudo entre os adolescentes. Como trabalhei por seis anos lecionando informática para adolescentes em cursos técnicos, tenho essa realidade bem presente. Esses jovens têm valores muito apegados à televisão, à novela, a ídolos da MTV, pessoas que geralmente têm um caráter duvidoso, vidas desregradas e vazias. Há, também, um enfoque demasiado aos bens materiais, ao consumo exacerbado, aos valores do ter, ao invés de valores do ser. Penso que seria importante as pessoas pararem para refletir melhor sobre suas vidas, sobre o seu ser, de como estão lidando com suas próprias existências, do que querem de verdade para si mesmas, para os outros e para o mundo. Precisamos ter uma vida mais simples. Costumo dizer que meu livro de cabeceira é A vida nos bosques, de Henry Thoreau, que li na adolescência. Essa obra me marcou muito. Nos apegamos e sofremos demais para termos coisas materiais que, na verdade, muitas vezes são inúteis e desnecessárias. Para que sofrer para ter certas coisas?

Bijuterias – Comecei a me interessar por bijuterias quando tinha 12 anos. Ganhei uma lata daquelas antigas dos biscoitos São Luís, cheia de bijuterias que eram da minha tia-avó. Eram peças lindas, de cristal, em estilo vitoriano, com rosas, bem delicadas. Então, comecei a brincar com aquelas peças, porque eu ainda era uma menina. Desmanchei colares e fiz pulseiras. Criava novos modelos. Quando comecei a trabalhar fora, as pessoas notavam que eu usava essas coisas inusitadas, e comentavam que achavam bonito. Queriam saber onde eu tinha comprado. Pediam para eu fazer uma peça para elas também. Isso me incentivou a ler revistas especializadas e aprender mais técnicas, o manuseio das ferramentas, buscar onde comprar materiais para a montagem. Eu e minhas irmãs ajudávamos nossa mãe a bordar faixas de miss com lantejoulas e missangas. Sei fazer tricô, crochê, costura, bainha, pregar botões, costurar à máquina. Hoje, “desopilo” minha mente com esses trabalhos, e tenho retorno financeiro a partir deles.

“Refuncionalização” - Estou fazendo um trabalho com sucata, transformando-a em bijuterias diferentes, inusitadas. Hoje em dia, se coloca muita coisa fora que pode ser reaproveitada. Este colar que estou usando, por exemplo, foi feito com sucata de bolsas. Garimpo peças com sucateiros. Isso me dá muita alegria, é um prazer poder “refuncionalizar” uma peça, transformando-a num produto comercializável e esteticamente bonito. Distribuo meus produtos em alguns pontos de vendas e também comercializo-os pela internet. E já tenho uma clientela que conhece minhas bijus, que as procuram para ver novidades, comprar um presente.

Do estresse surgem boas ideias. Eu queria fazer algo que me desse um retorno financeiro legal, sem demandar presença física ou trabalho intelectual pesado. E foi nas bijuterias que encontrei esse nicho. Não preciso sair de casa, posso usar meu tempo livre para a família. Na verdade, fazer essas peças é terapêutico para mim. É um tempo no qual eu “desligo”, crio.

O retorno - Eu havia parado de fazer as bijuterias. Na época em que lecionei no Colégio Coração de Maria, de 2001 a 2007, participei de um projeto de reaproveitamento de sucatas, na Vila Duque, em São Leopoldo. Ali, recomecei a fazer meu trabalho com um novo enfoque. Acho interessante lembrar que nesse projeto, apoiado pela antiga pastoral da Unisinos, também havia um grupo de mulheres da Feitoria para o qual eu dava aulas. Reunia essas mulheres, que não tinham muita perspectiva de trabalho, e incentiva-as a transformar materiais considerados rejeitados em produtos que pudessem render dinheiro. Mais tarde, reencontrei algumas delas e fiquei feliz ao descobrir que elas estavam refuncionalizando roupas de jeans. Elas tiveram outra visão estética a partir dos encontros que tivemos. São sementes que plantamos para melhorar o mundo.

Mundo craft – Hoje, há grupos de mulheres na internet que são formadas, pós-graduadas e que, por algum motivo, pararam de trabalhar, seja por necessidade de cuidar dos filhos, da casa, ou porque se cansaram da rotina das empresas, e que ainda cultivam habilidades manuais. Um exemplo disso pode ser encontrado no site Superziper (http://superziper.blogspot.com). É a chamada moda craft, que customiza roupas e acessórios que já temos, ou seja, transformando-os, através de detalhes que os tornem diferentes e atrativos. Tenho um casaco que tem 50 anos, e customizei-o para poder usá-lo. Hoje, nós mesmos podemos fazer nossa moda, criar tendências, lançar um estilo. Isso pode ser transmitido para as crianças, os adolescentes, de que não é necessário jogar fora uma roupa. Ela pode ser transformada em algo diferente e muito legal. Apesar da minha formação em Publicidade e Propaganda, critico o consumo excessivo, traço forte de nossa sociedade, que quer que compremos muito e a toda hora. É o caso dos celulares. Eu, por exemplo, uso meu celular para falar. Minha máquina fotográfica serve para tirar fotos. Parece óbvio falar disso, mas não é. As coisas perderam sua função, e eu tento utilizar o que tenho até que isso não seja mais possível, caso contrário sei que estou produzindo mais lixo.

Marcel Duchamp - É aí que eu retomo o uso da sucata nas bijuterias. Certa vez, em 1997, fiz uma exposição aqui na Unisinos com coisas criadas a partir de objetos encontrados no lixo. Um botão de roupas virou um anel. Colares, pulseiras diferentes surgiram a partir disso. Tive vontade de refuncionalizar os materiais, baseada nas ideias lançadas por Marcel Duchamp em suas obras de arte modificadas, causando surpresa e estranheza. Nisso, certamente as aulas da professora Suzana Kilpp foram essenciais, com as discussões que suscitaram.

Filmes – Chu e eu adoramos ver filmes. Esse foi um ponto de aproximação forte quando nos conhecemos. Pela comodidade, locamos DVDs e assistimos em casa. Também gostamos de cozinhar como hobby, testando receitas e degustando sabores diferentes. Aliás, foi cozinhando que conheci meu marido. Ele estava preparando um almoço. É importante que o homem também saiba e goste de fazer esse tipo de coisas. Eu, particularmente, tenho um livro de receitas que venho compondo desde os 12 anos, recortando e colando cromos, imagens vintage, escrevendo receitas que sejam aprovadas como especiais. É um livro em permanente construção.

Política, mídia e jeitinho – Entristece-me perceber que, como quase tudo em nosso país, a política é fruto de uma falta geral de educação, conduzida por pessoas que não dão valor à cultura. Para dar um exemplo bem recente e polêmico, falo na revogação da obrigatoriedade do diploma de jornalismo. Isso é um retrocesso, ato de pessoas ignorantes. Se agora os jornais não forem mais feitos por jornalistas, imagine o que nos aguarda. Se qualquer um pode ser jornalista, até a Íris Stefanelli, ex-Big Brother, que hoje é apresentadora de televisão, irá se lançar à profissão. Minha pergunta é: será que uma pessoa assim tem condições de ser uma comunicadora, transmitir ideias, multiplicar conhecimento e comportamento? O que acho ainda pior em tudo isso é a multiplicação de comportamentos duvidosos. E, querendo ou não, essas pessoas na mídia são muito visadas e seguidas.

Vejo, ainda, o quanto se valoriza o jeitinho brasileiro. No Brasil impera essa cultura. Esse tipo de atitude ganha espaço em programas como os reality shows: pessoas sem educação se articulando através de um vocabulário chulo, sem valores. É uma enxurrada de maus exemplos. As pessoas esquecem dos valores essenciais, assim como esquecem em quem votaram nas últimas eleições. A política brasileira é, portanto, reflexo dos eleitores. Infelizmente, fazer projetos e executá-los, em benefício das pessoas e do planeta, não está na moda, não dá ibope.

Unisinos – Sou publicitária graduada pela Unisinos, em 2000/1 e especialista em Tecnologias da Informação, pela PUC, em 2005/2. Trabalho aqui há 16 anos, completados dia 5 de junho. É uma vida. Aqui é um bom lugar para se conhecer pessoas, fazer amigos, evoluir intelectualmente. No LEE (Laboratório de Editoração eletrônica, que pertence à Gerência de Serviços de Informação, GSI), onde trabalho, faço muitas amizades, pois acaba-se criando afinidades com professores, funcionários e alunos que atendemos diariamente. Gosto disso. É interessante que aqui se conhece pessoas que nos influenciam para o resto da vida.

IHU – Acompanho e gosto da revista IHU On-Line. É uma publicação variada e importante. Também costumo acompanhar e participar da programação de eventos do IHU, que é bem rica e promove a reflexão, algo que falta em nossos dias.

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