Edição 281 | 10 Novembro 2008

Invenção - Ricardo Pedrosa Alves

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André Dick

Editoria de Poesia

O poeta Ricardo Pedrosa Alves nasceu em Governador Valadares (MG), em 1970. É graduado em Sociologia, pela Unicamp e, atualmente, faz mestrado em Teoria da Literatura, na UFPR (Universidade Federal do Paraná). Seu primeiro livro se intitula Desencantos mínimos (São Paulo: Iluminuras, 1996) e seu segundo, Barato, escrito em Curitiba entre 1996 e 2008, será lançado pela editora Medusa.

Também publicou poemas nas revistas Monturo (SP), Inimigo Rumor (RJ), A Cigarra (SP) e Oroboro (PR), e resenhas no Diário Catarinense e no Correio Braziliense. Trabalhando com uma sonoridade e imagens inusitadas, uma das qualidades da poesia de Ricardo está em justamente lidar com a linguagem como algo a ser construído, reinventado, mesmo que para isso precise subverter a sintaxe e incorporar mensagens enigmáticas, muitas vezes sem sentido verossímil. É justamente uma espécie de “surrealismo da linguagem” – sem seguir preceitos do movimento surrealista – que faz com que a poesia de Ricardo seja tão especial no cenário atual da poesia brasileira.

Nos poemas de Desencantos mínimos, Ricardo alia uma expansão do verso e uma concentração de idéias, em poemas tanto curtos quanto mais longos. Mesmo uma observação que poderia ser comum – sobre os olhos –, em “Nós no escuro já pós brilhos”, mostra algo que parece revelar outro campo de linguagem: “de um modo que / quedasse sem / blandícia / suplícios / / stella by starlight / / deu-se em nós, / mais lume e / plena de alva. / / E lá: agora glórias / se nos afloram / diariamente? / / respostas com cinzas, faíscas: / em persistência entretanto nos olhos: / melíflua medusa de solares: miles”. Ao mesmo tempo, há uma metalingüística, em “Sempre”: “vocês podem me abandonar na estrada / em alta velocidade, / palavras ? sempre que espelhos múltiplos / embaçados / é preciso recuperar um prazer / do espiralar um mundo de certezas / (antes que coalhem) / onde o futuro não seja cabide rotineiro / hoje”. Mas é na última estrofe desse poema que a metalinguagem é mesclada ao cotidiano e à linguagem do dia-a-dia: “a palavra qualquer chegada em casa / no desconhecido dessa busca à semelhança, / quando nau rumo do mal, / diz versos tipo nunca toquei beleza alguma” – como se o poeta inserisse uma fala na rotina trazida do poema, na expressão coloquial “tipo nunca toquei beleza alguma”.

Observação sobre o cotidiano, a arte e o universo feminino

Ricardo Pedrosa Alves transforma sensações comuns numa linguagem tão expansiva quanto controlada, delimitada. Suas imagens são bastante raras: “cavalo de febres / espirrando transparecendo explodindo / vidro da vida os pulmões” (em “Continuamos lindos escorpiões”); “no calor onde o vermelho explode na língua, / a minha enfim boca”; “daquilo que é grelo de brotação / do próprio peito / / alumbra / oscila / é o lume tanto quanto perfuma” (em “Agora fogo mordido”). Outro elemento é a descrição do feminino, de maneira extremamente original, em “Inevitável mais desejos”: “Vida de escandir ondas nos vincos dos dedos / e ilíadas para a pele / Ser na berlinda entrepistas / de morenas taísas pitonissas: / o fúlgido agouro tatuado, cada luz / de palavra rompendo nada o osso, / caldos de mais-cores banhando / a pele-escorpião”. Ou no belo poema “Quando a luz perfurar teus olhos”: “Anel do escuro do silêncio. / / Comprimirás as têmporas pelas coxas. / / Nas pernas novelos se desfazendo serão / os últimos beijos da anêmona. / / Adeus do sal do leite do mar. / / Hoje irás a um outro lugar de todas as casas / azuis ou sóis e alvas. / / A eternidade lá vai. / / Na mão nódoa última do tempo sem tempo”. No poema “Álulas longe, de chofre nas costas”, Ricardo embaralha nomes relacionados sobretudo à música e à pintura, remetendo à própria sonoridade e imagética da sua construção: “agora um silêncio / repleto / hendrix / de jazz-gatilhos / repleto de jazzgatinhos – como bolhas de cage / que nada / nunca / e matisse até os quarenta seria desentendido / e picasso ah ser já sabido, vou”. Em seu novo livro, Barato, ainda inédito, Ricardo volta a trabalhar com a linguagem do cotidiano, desvirtuando-a, com a inserção de temas pedestres e cultos, numa mistura, digamos, entre alta e baixa cultura, com resultados corrosivos. É no poema “Suspeita”, de Desencantos mínimos, que ele faz uma síntese de sua poética: “- Alucinações são o elemento / elmo / do ouro que reveste a veia / que a luz da areia / é o a seguir, / vaga em breve, / e o devaneio?”. Nos poemas inéditos que enviou à IHU On-Line, Ricardo volta a investir numa poética de transformação.


MEIA HORA DE QUASE MORFOLOGIA

Aljava-palavras, céu de um azul-claras-dádivas, estrelário no dia: qual o
tempo-da-patada sob a casca da página ?   estão dispostas
assim: como elas escolhem sua mágica,    isso, como o
vôo vertigem delimita a gaivota, construo a árvore onde os pássaros já eram
pousados, pois para escrever ando, ando como um camelo, no caminho vejo espelhos, cavalos cegos meus meio, ando, que meus passos dão
quase um verso, p. ex., uma semente complexa dando frutas ou espectros,
uma frase-reflexo, como 'o inconsciente seria uma metáfora se', e embora
seja esta uma poesia temerosa, eu a temo mais, a temo.

Solidão que a tarde explode num deserto, me sento,    espero a serpente esteja aqui perto (o vento de iodo do mar do mundo fumou um meu meio marlboro): só tenho a folha de papel como água, é a de vagas do mar a
outra água e não sacia e ainda vicia a sede por sal; a tinta da bic não,
                                                                                                         é sagrada.
As coisas todas velozes, agora ditas com calma se espalmam (não mais ser
rápido com todas as coisas lentas), a estrada na paisagem entrou no sono,
sono do mundo, quando o mundo vai varado, varado de borboletas, as diletas
das plantas rasteiras aqui na duna, locus amoenus.

Haveria aqui, quando viajo, o laranjal, a marijuana da infância, gomos
de infância, golfo-gozo, abraço ácido mais as franjas penugens das cascas,
lacerações nenhum mal. Em outras vias o que incendeia as veias, ameaça
desmundo como colosso, duna quando viaja, esteja aqui perto para que
eu veja seu caminho, eco, seguir-lhe os passos. Não nos alcance a canície,
este é meu quase deserto, frisos,    ramagem rala onde a
poesia pode, se deita, do espaço espera espargirem a súcia negra, o círculo
do círio apagar-se.

Forma obtida, areia, existe na senda do trajeto, cifra, mensagem, código
de dromomaníacos, sombra nítida apalpo-a saponácea escuma (escuto-lhe o aroma):
poema !    , depois desmaio hídrico. As cavinhas
(onde os corpos-covas na praia ?) de areia de farinha, as ondas que não como
as que conhecemos quicam nessa remargem, da praia voltam,
as que lhes sucedem as encontram, dá-se um jorro, depois quiasma,
as varzinhas desondeiam-nas, as ondas ainda
revolvidíssimas na minha miopia.

 

PROUST SOB FIGUEIRAS

para adalberto müller

 Cigarro, cigarras
sob folhas de figueiras

 praça de estrelas lentas
e olhos de boi violetas sem
 dentro, abraços

 de fumaça
em amigos mortos

 as cigarras frêmitos, folhas
farfalháveis sob o silêncio

  reverente

- Posso paraíso tenebroso de estrelas,
sob as folhas de figueiras...

 

LES COQUILLAGES, JANAÍNA, SUAS FLORES, CINCO CORES


os dandelions (não):
branco de volutas de
zero a zero

ostra, pinhão: também imagens
(casas) fechadas não: violeta vulva venta
você sobre o mar de semicircunferências violen

sombras de amarelo
e marinhas: azul elo;
aqui o girassol está em casa:
(dentro se inflama
sob a casca, em seu ventre)

vermelha: a vogal preferida
da rimbaud vagau, no
litorâneo: vagas
de falhas: ela estala co
mo guitarra o
meu flama
estame

cores em viés sem prosa: r
evés: j
amais: a
poe: na
sia: ína

 

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