Edição 262 | 16 Junho 2008

“Machado elevou nosso português à condição de scanner da alma humana, dos nossos hábitos, costumes e desse jeito de ser brasileiro”

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IHU Online

Machado de Assis usava a História como pano de fundo, e no máximo como coadjuvante, mas ele próprio e sua obra nunca foram coadjuvantes da História, afi rma Luiz Antonio Aguiar

"Acho que o dia que Machado virar cultura de almanaque, livro de cabeceira e best-seller, neste nosso país, estaremos num patamar imensamente melhor como nação, povo e comunidade humana”, declara o escritor Luiz Antonio Aguiar, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. E completa: “O mais importante é difundir a leitura de Machado de Assis. É popularizar ao máximo o Bruxo do Cosme Velho, com seus enigmas e seduções”. Luiz Antonio Aguiar é premiado escritor de literatura infanto-juvenil. Mestre em Literatura Brasileira, pela PUC-Rio, está lançando o Almanaque Machado de Assis (Rio de Janeiro: Record, 2008), que traz informações sobre a vida e obra do escritor cujo centenário comemoramos, além de “curiosidades e bruxarias literárias” a ele inerentes. E é sobre esse trabalho, resultado de 20 anos de pesquisa e leitura, que Luiz Antonio fala nesta entrevista, apresentando sua pretensão de difundir a obra de Machado, tentando fazê-la chegar a mais e mais leitores.

IHU On-Line - O que impede que Machado seja uma leitura mais difundida no Brasil?

Luiz Antonio Aguiar - Além das dificuldades sociais e culturais para se difundir a leitura, principalmente a leitura de literatura, neste nosso Brasil, Machado foi revestido de uma equivocada aura de leitura erudita – o que ele nunca foi em seu tempo e não pretendia ser, ou não escreveria nos jornais e revistas mais populares, e num português abrasileirado e coloquial. É como se a leitura de Machado precisasse ser submetida, como pré-requisito, às interpretações eruditas da obra de Machado. São coisas diferentes, e a leitura de Machado pode, superando-se algumas dificuldades, encantar leigos, públicos variados. Além disso, Machado ganhou certos rótulos redutores, que ele não merece e que o tornam entediante. Um deles é o de escritor do realismo, o que quem quiser ler Brás Cubas e outros vai ver que ele não era; e outro o de retratista da história, dos episódios históricos que o cercavam. Machado usava a História como pano de fundo, e no máximo como coadjuvante, mas ele próprio e sua obra nunca foram coadjuvantes da História. A política dos altos escalões o entediava. O pomposo e o estridente, ou o óbvio, só lhe interessavam como alvo de deboches. Ele era o Bruxo do “mínimo e do escondido”, mesmo em suas crônicas, que, aliás, deveriam ser o vestíbulo, as peças de iniciação da obra de Machado para leitores querendo começar a explorá-lo.

IHU On-Line - A escola lê Machado?

Luiz Antonio Aguiar - Falta, como de resto falta para a leitura e principalmente, repito, para a leitura da literatura, um espaço especial na escola – onde a Literatura possa ser tratada como literatura e não como disciplina, ou acessório paradidático do currículo; faltam programas de qualificação professores-leitores, de leitores-guias, oficinas de leitura que revelem que aula de literatura não é aula de história da Literatura. Falta gente que goste de ler literatura, e que leia cotidianamente literatura, tomando essas decisões e tornando-as políticas públicas.

IHU On-Line - Você está lançando pela Record o Almanaque Machado de Assis. Do que se trata? 

Luiz Antonio Aguiar - O subtítulo já diz muito: “vida, obra, curiosidades e bruxarias literárias”. É um livro para quem quer ter acesso a informações diversas sobre Machado de Assis, para quem quer começar a ler Machado e precisa de orientação para tanto, ou para quem já leu alguma coisa e quer saber por onde prosseguir. É uma obra de iniciação, mas também com comentários sobre crônicas, contos e romances – memórias e impressões de leituras, especulações, interpretações. No Dicionário Houaiss, está registrado que a palavra almanaque, de origem árabe, significa “lugar onde o camelo se ajoelha”, ou seja, onde a caravana faz uma parada e os nômades costumavam trocar entre si histórias, anedotas, casos e episódios pitorescos. E há ainda o próprio Machado escrevendo: “O Tempo inventou o almanaque... E choviam almanaques, muitos deles entremeados e adornados de figuras, de versos, de contos, de anedotas, de mil coisas recreativas. E choviam. E chovem. E hão de chover almanaques. O Tempo os imprime, Esperança os brocha; é toda a oficina da vida”.

IHU On-Line - De onde veio a idéia de algo popular para falar de um clássico?

Luiz Antonio Aguiar - O Almanaque, resultado de 20 anos de leituras e pesquisas sobre Machado, é parte de um esforço para popularizar este nosso autor tão majestoso, este gênio da literatura mundial, de origem humilde, e que elevou nosso português, o brasileiro, à condição de scanner da alma humana, dos nossos hábitos, costumes e de nossa cabeça, desse jeito de ser brasileiro. O único autor do mesmo status de um Shakesperare, que podemos ler dentro da cumplicidade do mesmo idioma que acompanhou nossa amamentação, no qual sonhamos e com o qual reservamos segredos que só confessamos a nós mesmos e em pensamento. O Almanaque pretende ajudar o leitor a superar as dificuldades naturais de ler Machado de Assis – como naturais são as dificuldades de ler qualquer clássico, escrito em outro tempo, necessariamente distante (ou não poderia já ser considerado um clássico, caso não resistisse à prova do tempo).

IHU On-Line - Não haverá quem o critique, cogitando a possibilidade de vulgarizar Machado?

Luiz Antonio Aguiar - Sou culpado. Acho que o dia que Machado virar cultura de almanaque, livro de cabeceira e best-seller, neste nosso país, estaremos num patamar imensamente melhor como nação, povo e comunidade humana. É por isso que, neste Ano Nacional, quando Machado vai ser tratado como celebridade, virar série na Globo, capa de revista, manchete de jornais, tema de eventos literários, e talvez até de samba-enredo (no carnaval de 2009), além, é claro, de objeto de teses e de ensaios, eu digo que o mais importante é difundir a leitura de Machado de Assis. É popularizar ao máximo o Bruxo do Cosme Velho, com seus enigmas e seduções.

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