Edição 352 | 29 Novembro 2010

Os movimentos sociais e o lulismo

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Graziela Wolfart e Patricia Fachin



IHU On-Line - Com o surgimento de uma nova classe média, ou seja, com a ascensão econômica de muitas famílias brasileiras, qual passa a ser o papel dos movimentos sociais? Eles perdem força ou podem ressurgir no cenário nacional com novas perspectivas?

Carlos A. Gadea - É engano pensar que os movimentos sociais são simplesmente o produto da precariedade econômica ou a pobreza concretamente. Podem perder força, mas não necessariamente pela suposta ascensão econômica de uma parcela significativa da população, e, sim, pelo que se mencionou anteriormente: pela sua institucionalização via cooptação e, por que não, via clientelismo político. Surgirão novos movimentos, quem sabe muitos vinculados a iniciativas que, justamente, possam dar um ar mais democrático à participação política e menos dependente das figuras políticas articuladoras e intermediadoras entre a sociedade e o Estado. Creio que os futuros descontentamentos não serão tanto contra uma prática política do governo ou contra o Estado. Intuo que será contra essa “nova classe” criada pelo lulismo de intermediadores que oficiaram como “negociadores” em instâncias políticas decisivas. Em definitivo, trata-se de uma crítica a uma burocratização crescente do exercício da política e do próprio Estado.

IHU On-Line - O que explica o sucesso de constituição e consolidação do lulismo?

Carlos A. Gadea - Dois pilares: o carisma do presidente Lula, com uma grande capacidade de comunicação e de identificação na maioria dos brasileiros; e a percepção na população do relativo êxito de políticas econômicas que reduziram a pobreza, concomitante a uma visibilidade externa do país com um notório êxito.

IHU On-Line - Que mudanças nas camadas ou estratos sociais brasileiros foram provocadas pelo lulismo?

Carlos A. Gadea - Parece-me reduzir demais os fatos ao dizer isto, mas creio que a mais importante seja a capacidade de consumo, que, obviamente, se vê acompanhado pelos efeitos subjetivos que em cada um ocasiona: autoestima, visibilidade, status, e por aí vai. Não obstante, reconheço que o lulismo abriu ou canalizou, em certa medida, uma agenda de temas vinculados a questões sociais, e que isso trouxe percepções positivas em muitas pessoas. O incentivo para a pesquisa em ciência e tecnologia é uma demonstração.

IHU On-Line - Quais as perspectivas dos movimentos sociais em relação ao mandato da presidente eleita, Dilma Rousseff? Como os movimentos deverão articular com a nova presidente?

Carlos A. Gadea - Há já toda uma maquinaria muito bem azeitada a respeito, e não me parece que os movimentos sociais sofrerão modificação na sua relação com o novo governo. De todas as maneiras, Dilma não tem o mesmo perfil “negociador” de Lula e, inclusive, a sua visão de gestão política administrativa não é tão semelhante à de Lula. Pode ser que tenham um menor protagonismo, inclusive ficando de lado antigos líderes incorporados ao lulismo na sua tarefa política de intermediação. Pouco se sabe a respeito, pois se especula muito sobre a nova presidente. Parece-me que teremos uma leve transição do que se denominou lulismo para um petismo, processo com um traço menos hábil para a negociação, mais tecnocrata, talvez algo mais verticalista nas decisões políticas e com a base política de sustentação em quadros do PT que não haviam sido muito felizes na época do lulismo. Assim, penso que o lulismo é mais do que o PT, e estaremos governados, talvez pela primeira vez, não por uma pessoa, e sim por uma estrutura partidária. Inicia-se uma nova etapa, em que Lula estará presente, mas não creio que da maneira em que muitos supõem.

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