Edição 352 | 29 Novembro 2010

Lulismo. Um movimento informal de políticas públicas

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Graziela Wolfart



IHU On-Line - Em que medida há uma identificação do conservadorismo popular com o lulismo?

André Singer – Acho arriscado dar um diagnóstico muito categórico, mas a eleição de 2010 dá alguns indícios de que isso pode estar ocorrendo. Se compararmos a votação do candidato Serra com as votações do candidato Alckmin e do próprio Serra nos segundos turnos de 2006 e 2002, veremos que houve um crescimento em torno de cinco pontos percentuais, em que passaram de um patamar de 39% para 44% dos votos válidos. Esse crescimento, aparentemente, se deu justamente nessa camada que abriga a chamada nova classe C. São os eleitores que pertencem às famílias que recebem de 2 a 5 salários mínimos de renda familiar mensal. Isso pode indicar que esses novos eleitores da classe C tenham votado no candidato do PSDB, o que indicaria um certo tipo de conservadorismo popular. Mas essa é apenas uma dedução que carece de uma confirmação posterior.

IHU On-Line - A partir do lulismo, como o senhor define o realinhamento eleitoral que identificou nas últimas eleições?


André Singer –
O realinhamento eleitoral é um fenômeno amplo. É um conceito que vem da ciência política norte-americana, que tende a identificar um processo de realinhamento a cada 30 anos, mais ou menos. Na realidade, por uma coincidência, os três realinhamentos que identificam no passado (eleições norte-americanas de 1860, 1896 e 1932) aconteceram exatamente a cada 36 anos. De qualquer modo, o conceito de realinhamento diz respeito à existência de uma eleição crítica que abre um novo ciclo político duradouro. Se não for duradouro, não é realinhamento. Minha hipótese é de que há um processo de realinhamento no Brasil que começaria em 2002 e se completaria em 2006 com a mudança de base social que mencionei e agora viria a se estender ao longo de muito tempo. Por isso, digo que o lulismo veio para ficar, nesse sentido, e não de um movimento formalizado, mas de uma marca desse realinhamento. Também é preciso ressaltar que, no período do realinhamento, entre as chamadas eleições críticas, não é obrigatório que o mesmo partido ganhe todas as eleições. O que caracteriza o realinhamento é a formação de uma espécie de nova maioria em torno de uma nova agenda.

IHU On-Line - A partir deste cenário, qual deve ser a postura de Dilma Rousseff?


André Singer –
A intenção da candidatura é de continuidade e há uma constatação de que houve a descoberta de um caminho. Minha interpretação é de que esse caminho tem a ver com isso que você chama de “grande sacada”. Haverá uma orientação no sentido de continuidade dos programas e desta política, com os desdobramentos naturais, entre os quais espero que o governo Dilma envie ao Congresso a consolidação das leis sociais, como a Bolsa Família, que se transformaria na renda básica de cidadania, com isso, tornando-se um direito que, na prática, já existe, porque ninguém hoje tentaria revogar.
 
IHU On-Line - O que muda em relação aos movimentos sociais a partir do lulismo?


André Singer –
Há duas coisas aqui. A primeira é: os movimentos sociais foram para o Estado. Dentro da ideia do realinhamento, existe essa visão da formação de uma nova maioria e, dentro desta, que surgiu a partir de 2002, estão os movimentos sociais. Portanto, é inevitável que eles passassem a ter muito mais relação com o Estado, e, em alguns casos, até participação mesmo, não formalizada, mas por parte de militantes, que passaram a fazer parte do aparelho do Estado. Além do mais, os dois mandatos de Lula fizeram mais de duas dezenas de conferências nacionais, que são também formas de participação dos movimentos sociais. É claro que isso tem seu preço. Os movimentos perderam o caráter oposicionista que tinham antes e que era mais autônomo com relação ao Estado. São contradições do próprio processo. A segunda questão é que a melhora das condições de vida e, em particular, o aumento do emprego, criam condições mais favoráveis para os movimentos sociais, que passaram por um período muito difícil nos anos 1990, porque o neoliberalismo, ao desempregar em massa, precarizar e flexibilizar destrói as condições de sociabilidade que permitem o avanço dos movimentos sociais. Agora, como os movimentos sociais irão aproveitar este momento que está posto, com estas contradições, só o tempo poderá dizer.

Leia mais...

>> Veja mais entrevistas com André Singer publicadas no sítio do IHU:

* ''Consolidação democrática é vantagem brasileira entre Bric''. Entrevista com André Singer, publicada em 01-11-2010;
* ‘Cabe ao PT politizar subproletariado’. Entrevista com André Singer, publicada em 05-05-2010;
* Raízes sociais e ideológicas do lulismo. A análise de André Singer, publicada em 15-01-2010. 

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