Edição 347 | 18 Outubro 2010

Hábito Negro: as reduções no Canadá

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Cássio Pereira e Márcia Junges

 

IHU On-Line – No filme, os índios estranham o comportamento do padre e chegam a chamá-lo de hábito negro. Mas também é difícil para o “homem branco” compreender as características dos índios. Como os jesuítas lidaram com essa tensão ao longo das missões?

Luiz Fernando Medeiros Rodrigues – A documentação que nos chegou sobre a ação dos missionários jesuítas e suas missões atestam incontáveis e inusitadas tensões. E não poderia ter sido diferente. O que não se pode fazer é uma “transposição de conceito”, isto é, aplicar concepções antropológicas e etnográficas atuais aos documentos daquela época. Estes atestam homens do seu tempo, com crenças, valores, e um “modus operandi” próprio do seu tempo. Mas, a diferença das demais congregações e ordens religiosas que operaram na evangelização da América, os jesuítas sempre tiveram a “pedagogia da adaptação”. Seja nos Exercícios Espirituais, seja nas Constituições da Companhia de Jesus, seja ainda na Ratio Studiorum, a “adaptação aos tempos e lugares” foi sempre norma comum. Por isso, na própria ação dos jesuítas, onde quer que estivessem, esta norma sempre foi aplicada. Naturalmente, eram “homens do seu tempo”. E tal “adaptação” se dava nos limites culturais e temporais que lhes eram próprios. Todavia, esta elasticidade no agir do jesuíta missionário, se assim se pode dizer, possibilitou que houvesse o interesse por compreender o novo mundo no qual ele se achava. No filme, isto aparece bem, no diálogo entre o P. Laforgue e o morrente P. Jerome a propósito da aplicação do batismo aos huronianos. O P. Laforgue perguntava ao P. Jerome se antes dos Hurons não deveriam entender o batismos antes de aceita-lo?! Outro elemento não menos importante foi a persistência dos missionários na consecução do fim ao qual se propunham: a “salvação das almas, para a maior glória de Deus”. Daí o uso de todos os meios lícitos tanto quanto os ajudassem para alcançarem o fim proposto, bem como desfazer-se deles na medida em que os afastassem do mesmo fim. Estes dois princípios da espiritualidade inaciana, com certeza, ajudaram sobremaneira aos jesuítas a tratarem as tensões oriundas da evangelização e do contato cultural conflitante.

IHU On-Line – As barreiras culturais ainda são os principais empecilhos para a aceitação do índio na sociedade?

Luiz Fernando Medeiros Rodrigues – Certamente. A presença de grupos de remanescentes indígenas nos espaços urbanos brasileiros, por exemplo, é marcante. Vendendo seu artesanato nas encruzilhadas das ruas, nos parques e feiras, estes grupos buscam a sobrevivência de suas culturas e formas sociais. Alguns indivíduos, quando fixados em cidades maiores, até mudam de nome, “re-criando” a própria identidade nos centros urbanos. Este não é um fenômeno novo na América Latina. As mesmas barreiras culturais que contrapõem assentamentos indígenas e centros urbanos devem ser objeto de estudo e investigação, cujos resultados contribuiriam para uma maior compreensão e valorização destas culturas, mitigando a exploração a que muitos grupos indígenas ainda se encontram.

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